PRESS RELEASE
Nota técnica divulgada nesta sexta-feira (16/5) pelo Observatório do Clima destrincha o desmonte das regras do licenciamento ambiental no Projeto de Lei (PL) 2.159, que está em discussão no Senado. A análise mostra que os principais retrocessos presentes no texto aprovado em 2021 na Câmara dos Deputados estão mantidos. O último parecer, dos relatores das comissões de Agricultura, senadora Tereza Cristina (PP-MS), e Meio Ambiente, senador Confúcio Moura (MDB-RO), foi apresentado em 7 de maio.
“Ao priorizar de forma irresponsável a isenção de licenças e o autolicenciamento, a proposta tem potencial de agravar a degradação ambiental, representando grave ameaça a direitos humanos fundamentais. A flexibilização dos estudos, das condicionantes ambientais e do monitoramento pode resultar em desastres e riscos à saúde e à vida da população, com a contaminação do ar, dos solos e dos recursos hídricos, além do deslocamento de comunidades e da desestruturação de meios de vida e relações culturais. Também omite a crise climática: não há sequer uma menção em seu conteúdo ao clima. O licenciamento simplesmente irá ignorar esse tema”, aponta o documento, com mais de cem páginas.
A análise apresenta os principais retrocessos do projeto, artigo por artigo. Compara o texto aprovado na Câmara com as alterações propostas no Senado e traz comentários de especialistas do Observatório do Clima, que reúne as principais organizações que atuam nas agendas de meio ambiente e clima no país.
De acordo com a avaliação, o projeto “não apenas ameaça intensificar a poluição, o desmatamento, as emissões de gases de efeito estufa e a perda de biodiversidade, mas também as desigualdades sociais”. “Está repleto de inconstitucionalidades, promovendo a fragmentação normativa entre estados e municípios e criando um cenário de insegurança jurídica que tende a gerar, como um dos seus principais efeitos, uma enxurrada de judicializações. Em vez de estabelecer regras claras, juridicamente coesas e efetivas, como se espera de uma Lei Geral, o projeto abre caminho para o caos regulatório e o aumento da degradação ambiental”, diz a nota técnica.
Além disso, o PL põe em risco direitos de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outras comunidades tradicionais ao restringir a participação das autoridades que respondem pela proteção dos direitos dessas populações apenas aos casos em que os seus territórios estiverem formalmente homologados ou titulados. Trata-se de conflito direto com a Constituição Federal, entre outros existentes na proposta.
O primeiro texto com o objetivo de estabelecer normas nacionais para o licenciamento ambiental foi apresentado na Câmara dos Deputados em 1988, tramitou por anos e acabou arquivado. Em 2004, foi iniciado o processo da Lei Geral (PL 3.729), então apoiado por ambientalistas. Ao longo dos anos, contudo, a Câmara consolidou um texto que prioriza as isenções de licença e o autolicenciamento, que ignora direitos socioambientais consagrados na Constituição e que levará à insegurança jurídica e a muitos conflitos em sua aplicação. Os pareceres do Senado, elaborados de forma conjunta pelos dois relatores, estão longe de resolver os graves problemas do texto aprovado pela Câmara. Em parte, fazem mudanças inócuas e, em alguns dispositivos, pioram o conteúdo já bastante ruim.
A nota destaca a dispensa de licenciamento ambiental para várias atividades agropecuárias. Passa a ser regra para a grande maioria dos casos o simples preenchimento de um formulário autodeclaratório. O Senado fez ajustes no texto da Câmara, incluindo a referência à fiscalização e a punições em caso de irregularidades, o que é apontado como insuficiente. “É uma medida que favorece o agronegócio mais predatório, enfraquece o papel do Estado e abre caminho para conflitos, danos ambientais e insegurança jurídica para os próprios produtores.”
Outro ponto crítico é a desvinculação do licenciamento da outorga de uso da água e do uso do solo. “É justamente a outorga que integra o licenciamento ambiental à gestão de recursos hídricos. A fragmentação do licenciamento, de forma isolada das outorgas e do uso do solo, potencializará conflitos e tende a agravar impactos relacionados a eventos climáticos no que se refere à água.”
Em função da abrangência e da gravidade de suas consequências, o PL 2.159 é considerado o mais nocivo do chamado “Pacote da Destruição”, conjunto de propostas que tramitam no Congresso Nacional e que, se aprovadas, causarão dano irreversível aos ecossistemas brasileiros, aos povos tradicionais, ao clima global e à segurança de cada cidadão. O projeto recebeu as alcunhas de “mãe de todas as boiadas” e “PL da Devastação”. A votação do texto atualizado pelos relatores das duas comissões do Senado está prevista para a próxima quarta-feira (21/5). Se aprovado, irá a plenário na sequência imediata, conforme anunciado no Senado.
Leia a Nota Técnica aqui .
Declarações de especialistas
“Em vez de racionalizar processos e estabelecer padrões mínimos que possam ser aplicados em todo o país, os parlamentares optaram por privilegiar o autolicenciamento e as isenções de licença. A grande maioria dos processos passará a ocorrer na modalidade por adesão e compromisso. Um simples apertar de botão pelo empreendedor gerará uma licença. É uma irresponsabilidade, que impulsiona a judicialização. Ninguém ganha, nem mesmo aqueles que defendem a aprovação do projeto.” Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima
“Esse projeto de lei institucionaliza o racismo ambiental. Ele desconsidera a existência e a opinião de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais que podem ser impactados por empreendimentos econômicos. A proposta joga ao descaso e à violência comunidades de mais de 40% das Terras Indígenas e de mais de 95% dos territórios quilombolas do país. O texto prevê que a manifestação desses órgãos poderá ser peremptoriamente desprezada para avaliação do resultado final sobre o licenciamento ambiental, o que encerra de uma só vez qualquer direito salvaguardado a esses povos.” Alice Dandara de Assis Correa, advogada do Instituto Socioambiental (ISA)
“A pressão pela aprovação do PL do Licenciamento escancara o negacionismo científico e climático de parte do setor agropecuário. Ignorar a necessidade de identificar e mitigar os impactos de atividades potencialmente poluidoras e perigosas é condenar a sociedade brasileira a conviver com desastres sem qualquer medida de prevenção ou controle. Além disso, trata-se de uma decisão tomada sem diálogo com a sociedade, que agrava a contribuição do setor para as mudanças climáticas. É uma postura unilateral, que impõe a toda a população consequências graves e irreversíveis.” Ana Carolina Crisostomo, especialista em conservação e incidência política do WWF Brasil
“O licenciamento ambiental no Brasil consiste num mecanismo pioneiro de proteção ao meio ambiente e à vida. O que o Congresso Nacional está fazendo é implodir o processo de licenciamento ambiental para instituir o autolicenciamento, a não licença, a dispensa de estudos de impacto em muitos casos e o enfraquecimento do poder de fiscalização do Estado. Como consequência, tememos que os esforços globais de redução do desmatamento e de redução de emissões de CO2 caiam por terra, impulsionando, em ano de COP30, um dos maiores retrocessos ambientais da história recente do país.” Gabriela Nepomuceno, porta-voz do Greenpeace Brasil
“O oceano é a nova fronteira da expansão econômica, principalmente na produção energética e na mineração. Sem controle ambiental não há proteção do oceano. Assim, este PL compromete a segurança dos territórios da zona costeira e ameaça a vida marinha e as populações que dela dependem. Compromete ainda a aspiração brasileira de ser uma potência ambiental e oceânica, pois hoje representa o maior e mais grave retrocesso socioambiental legislativo que, se aprovado, coloca o Brasil na contramão da história climática.” Letícia Camargo, consultora de advocacy socioambiental do Painel Mar
“Conflitos por uso da água e aumento da insegurança hídrica são duas consequências críticas do PL 2.159, porque ele desvincula a outorga de uso da água da análise do licenciamento ambiental. Essa fragmentação é um gravíssimo retrocesso. A emergência climática exige análise integrada de impactos ambientais. O mesmo se aplica às pretendidas facilidades para supressão de vegetação nativa de obras de infraestrutura – da maneira como o texto está redigido, favorece o desmatamento e a perda de biodiversidade. Para um país que quer ser referência em ações climáticas, é uma boiada sem precedentes.” Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica
“A aprovação do PL significa a destruição do licenciamento ambiental no Brasil. Precisamos ter clareza do que isso significa: abrir mão de sermos os líderes globais da sustentabilidade para sermos o campeão em desastres ambientais no mundo. Estamos falando, no curto prazo, em atingir e romper o ponto de não-retorno – da degradação irreversível – do bioma amazônico, com a consequente escassez e imprevisibilidade do regime de chuvas que abastecem as cidades, que geram energia elétrica e que sustentam a agricultura brasileira. Isso não irá atingir somente ao Brasil, mas a todos os sistemas ecológicos e hidrológicos de milhões de pessoas na América do Sul. É necessário conter tamanha destruição sob o risco de não podermos lidar com consequências.” Marcos Woortmann, diretor adjunto do IDS
“O discurso sobre a necessidade de modernização do licenciamento ambiental ignora o impacto na biodiversidade. O Brasil possui um imenso passivo ambiental a ser recomposto, especialmente considerando os empreendimentos agropecuários em geral. Esse cenário já afeta a fauna silvestre, uma vítima invisível do modelo de desenvolvimento predatório. Aprovar esse projeto da forma como está privará o Brasil da oportunidade de proteger e, efetivamente, conhecer sua biodiversidade.” Natalia de Figueiredo, gerente de políticas públicas da Proteção Animal Mundial – World Animal Protection Brazil
Sobre o Observatório do Clima – Fundado em 2002, é a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com 133 integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável, na luta contra a crise climática. O OC publica desde 2013 o SEEG, a estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa no país.
Informações para imprensa
Solange A. Barreira – Observatório do Clima
solange@pbcomunica.com.br
+ 55 11 9 8108-7272
O post Nota técnica detalha desmonte do licenciamento ambiental no Senado apareceu primeiro em OC | Observatório do Clima .
O post “Nota técnica detalha desmonte do licenciamento ambiental no Senado” foi publicado em 16/05/2025 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima