Coautor do livro Como as democracias morrem, o professor de ciência política da Universidade de Harvard foi ouvido no seminário Democracia em Perspectiva na América Latina e no Brasil, promovido pelo Senado.
— Alguns poderiam argumentar que a Suprema Corte brasileira deveria dar alguns passos atrás. Mas acredito que a Suprema Corte brasileira fez exatamente a coisa certa, defendendo a democracia brasileira agressivamente. A resposta do Brasil à ameaça de Bolsonaro tem sido mais eficaz do que a resposta americana a Trump. O Congresso e a Justiça dos Estados Unidos abdicaram de sua responsabilidade de encarar o autoritarismo de Trump — declarou ele.
Levitsky avalia que, diferentemente do que ocorre no Brasil, a população norte-americana não tem consciência do risco de que os EUA se tornem um regime autoritário — e que, por isso, seus agentes políticos e sociais desistiram de julgar Trump por tentativa de golpe de Estado em 2021.
Segundo ele, a falta de reação da sociedade norte-americana à atuação política de Trump está vinculada à falta de memória coletiva sobre regimes autoritários. E o Brasil reagiu prontamente à atuação de Bolsonaro porque, ao contrário dos Estados Unidos, já passou por um regime de exceção, argumenta o professor.
— No Brasil, estão investigando e processando Bolsonaro, baniram a possibilidade de Bolsonaro concorrer a cargos eletivos, e parece que vão condená-lo por seu atentado à democracia. (…) Essa é uma diferença [em relação aos EUA] que tem consequências — afirmou.
Levitsky declarou que as democracias na América Latina têm mostrado uma resiliência maior que a esperada diante do crescimento da China e do ressurgimento da Rússia, mas que as democracias ocidentais, em geral, têm mostrado menos ímpeto para promover seu modelo pelo mundo.
Ao mesmo tempo, ele observa que aumenta a insatisfação popular na América Latina diante de questões como violência, crise econômica e escândalos de corrupção — assuntos que o professor considera “ampliados” pela atuação das redes sociais, que têm “erodido” a confiança nos governos.
Democracia em risco
Ele observou que, se antes a ascensão de políticos extremistas enfrentava a resistência de partidos e da mídia, entre outros, agora populistas em várias partes do mundo se aproveitam do enfraquecimento das instituições.
— Está muito mais fácil ser um autocrata hoje do que há trinta anos. (…) Os eleitores estão tão chateados que querem alguém que promova a destruição das instituições. Entramos num paradoxo: o enfraquecimento do establishment é mais democrático, mas é uma ameaça potencial à democracia.
O professor argumenta que a nova organização do cenário político se soma à insatisfação da sociedade com a política — e isso, argumenta ele, pode estar vinculado à fragilidade da atuação do Estado e à sua incapacidade de fazer “entregas” à sociedade. Levitsky salientou que, quando os diferentes governos não conseguem implementar políticas públicas, a população se frustra e começa uma crise de representatividade. O cenário, então, se torna adequado para o surgimento de outsiders autocratas.
— As democracias morrem pelas mãos de líderes eleitos que usam as ferramentas da democracia para subvertê-las.
Citando países como Bélgica, França, Alemanha e Israel, Levitsky destacou exemplos de coalizões suprapartidárias que isolaram “extremistas autoritários”. Ele também apontou a importância da mobilização popular, argumentando que a sociedade civil pode ser a última linha de defesa da democracia quando as instituições falham.
Exemplos disso seriam a mobilização na Alemanha contra um partido antidemocrático e os protestos em Israel contra reformas de Benjamin Netanyahu. Levitsky disse que tais reações demonstram como a união de cidadãos, líderes empresariais e figuras públicas pode ser um poderoso contrapeso a retrocessos democráticos.
Além disso, ele ressaltou que a sociedade precisa ter clareza sobre quais limites não podem ser cruzados — como o respeito às instituições e aos resultados eleitorais.
Redes sociais
Na sessão de perguntas ao professor, o senador Humberto Costa (PT-PE) apontou o favorecimento de populistas de direita por big techs. Em sua resposta, Levitsky associou a atuação das mídias sociais a problemas de desinformação, com consequências negativas para a democracia. E apoiou a regulação das redes sociais, enfatizando que os EUA estão ficando para trás nessa questão na comparação com outros regimes democráticos.
— Em nenhum lugar há 100% de liberdade de expressão. (…) Você tem democracias que (…) são até mais democráticas que os Estados Unidos, mas são países que regulam as redes sociais.
O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), que conduziu o debate, concordou com a condenação que Levitsky fez de regimes autocráticos. Além disso, Randolfe cobrou da esquerda um “radical compromisso democrático”.
— O fascismo não é só um fenômeno de direita. O que acontece na Venezuela é, de igual forma, um fenômeno autoritário, e isso deve ser dito — declarou o senador, que é o líder do governo no Congresso Nacional.
Coletânea
Durante o evento, foi lançada a coletânea Democracia Ontem, Hoje e Sempre, composta de quatro livros reeditados pelo Conselho Editorial do Senado:
1964: Visto e Comentado pela Casa Branca, de Marcos Sá Corrêa;
Sessenta e Quatro: anatomia da crise, de Wanderley Guilherme dos Santos;
Explode um Novo Brasil – diário da campanha das Diretas, de Ricardo Kotscho;
1964: Álbum Fotográfico de um Golpe de Estado, organizado por Heloisa Starling, Danilo Marques e Livia de Sá.
Presidente do Conselho Editorial do Senado, Randolfe Rodrigues enfatizou a importância dessas obras para o entendimento da história do Brasil nos últimos 60 anos. Ele disse que a democracia é a maior conquista da civilização.
A coleção está disponível na Livraria do Senado a preço de custo. A versão digital pode ser baixada gratuitamente.
Fonte: Agência Senado
O post “No Senado, Levitsky elogia STF e defende democracia e regulação de redes” foi publicado em 12/08/2025 e pode ser visto original e