Hoje o Brasil (e talvez outros países) amanheceu com medo. Afinal, 20 de abril é aniversário de Hitler e de Columbine, um massacre de 1999 nos EUA que ainda inspira vários psicopatas.
Mas todos os anos têm um dia 20 de abril, e nem por isso escolas e universidades fecham suas portas ou pais deixam de enviar seus filhos às creches. É que talvez nunca no Brasil tivemos um 20 de abril como o de hoje. Agora tudo parece mais calmo, ainda bem, mas as últimas semanas foram trágicas (por isso também a minha ausência por aqui: muitas reuniões, muitas entrevistas e palestras — além das minhas aulas, que eu não cancelei).
O atentado numa escola em São Paulo, em que um aluno de 13 anos matou uma professora e feriu outras quatro pessoas, seguido por um massacre numa creche em Blumenau, em que um homem de 25 anos matou quatro crianças, deixou todo mundo apavorado e com um enorme sentimento de revolta e terror. Na mesma época e alguns dias depois, houve várias tentativas de atentados em escolas. E talvez o pior sejam as ameaças. Foram centenas.
As pesquisadoras Letícia Oliveira, Paola Costa e Tatiana Azevedo fizeram
um levantamento e constataram que o número de ameaças a escolas e universidades explodiu no dia 9 de abril, justamente para criar pânico. As pesquisadoras são 3 das 12 mulheres (eu inclusa) que elaboraram o relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”, entregue ao governo de transição em dezembro de 2022 (ele pode
ser lido aqui ). O levantamento recente sugere que as ameaças podem fazer parte de uma rede estruturada com objetivo de gerar medo e pânico. Essa é uma hipótese levantada por bastante gente: que a extrema-direita esteja por trás desse clima de terrorismo (outro dado interessante desse estudo é que as comunidades de “true crime”, que foram tomadas por perfis que fazem apologia a massacres, são
grandes difusoras de ameaças).
Pessoalmente, eu nunca vi nada igual a esse clima de terrorismo. Lembro quando, numa sexta-feira 13 em abril de 2012, um mês depois da Operação Intolerância que prendeu dois mascus por um site de ódio, os rumores de um massacre na UnB eram tão fortes que a universidade cancelou aulas em alguns departamentos. Os mascus comemoraram, lógico. É o tipo de poder que eles gostam.
Lembro também da decepção que eles tiveram ao notar que o massacre de Suzano, em março de 2019, não gerou uma onda de ataques a escolas, como eles esperavam. Ainda assim, aquele ano foi terrível. Houve ameaças de atentados durante todo 2019. Felizmente, nada de concreto aconteceu.
É inegável que os ataques a escolas no Brasil cresceu nos últimos anos, não por coincidência durante o mandato de um presidente fascista que nunca condenou esses ataques e que tem entre sua base mais fiel os perpetradores desses ataques. Foram 23 ataques nos últimos 21 anos. Mas mais da metade aconteceu nos últimos 15 meses, em 2022 e 2023.
Só este ano a Câmara dos Deputados registrou
dez projetos de lei referentes à segurança em creches e escolas. A maioria é para a instalação de detectores de metal e câmeras de segurança, mas o PL 1482/23, da autoria da deputada Professora Goreth (PDT-AP), propõe a criação do Programa Nacional de Promoção da Cultura da Paz nas Escolas. Nos últimos dias, tem surgido novos projetos, como é natural.
Para o Instituto Sou da Paz, “Tornar as escolas parecidas com prisões não resolve. O principal investimento deve ser identificar conflitos e lidar com eles, fortalecendo a estrutura escolar e a capacidade de professores e equipe técnica, além de trazer apoio à saúde mental dos trabalhadores e estudantes”.
Logo em seguida a essa nova onda de ataques iniciada no final de março e início de abril, o governo Lula tomou providências. Além dos R$ 150 milhões liberados para os municípios usarem em programas de ronda escolar, pesquisa, diagnóstico e capacitação em segurança; monitoramento de ameaças em ambientes cibernéticos, e prevenção à violência, e mais R$ 100 milhões para guardas municipais, o governo
lançou uma portaria que busca responsabilizar as plataformas na internet, e um canal de denúncias, o
Escola Segura . Também ampliou de 10 para 50 o total de policiais federais dedicados ao rastreamento digital (o que parece pouco).
Flavio Dino
apresentou na terça , dia 18, os números do enfrentamento à violência contra escolas. Em dez dias, 225 presos ou apreendidos, 694 intimações de adolescentes para depoimento, 155 operações de busca e apreensão, 1.595 boletins de ocorrência. São 1.224 casos em investigação, 756 remoções ou suspensão de perfis em redes sociais. Ministério da Justiça já recebeu 7.473 denúncias de ameaça a escolas.
Os números comprovam que não são casos isolados. Segundo o ministro: “Há uma rede criminosa estruturada para recrutar nossa juventude para o mal”.
A sensação que temos é que esta semana está mais tranquila, e não é só sensação, os números comprovam. No dia seguinte à tragédia em Blumenau, a média era de 400 denúncias. A quantidade saltou para 1.700. Nos últimos dias, caiu para 170, um décimo da média anterior.
Nessa mesma reunião da terça que reuniu os três poderes para combater a violência nas escolas, foi apresentada uma cartilha de Recomendações para Proteção e Segurança no Ambiente Escolar. Lula disse que resumiria a reunião em uma frase do ministro do STF Alexandre de Moraes: “as pessoas não podem fazer nas redes sociais aquilo que é proibido na sociedade”.
Até agora, hoje está sendo um dia tranquilo, mas muitas escolas não tiveram aula. Recebi vários relatos de pais que não tiveram coragem de mandar os filhos pra escola. Entendo o medo, mas não podemos virar reféns dele. Não podemos deixar que um grupinho de neonazistas misóginos decidam quando devemos estudar e trabalhar. Precisamos de uma cultura de paz para enfrentar o ódio. E esse é um esforço contínuo, que não se esgotará em abril. É um trabalho de anos. Vamos vencer.