A semana mais destrutiva para o meio ambiente no Congresso desde a ditadura militar terminou com mais uma boa notícia trazida pela caneta de Alexandre de Moraes. O ministro do STF mandou enfiar uma tornozeleira eletrônica na canela do futuro presidiário, pego com a boca na botija pela Polícia Federal com 14 mil dólares e um pen drive escondido no banheiro. O objetivo é impedir sua fuga para o colo de Trump. Na véspera, o filho 03 de Bolsonaro, que tenta articular do exterior outros golpes contra o Brasil, havia comemorado uma possível invasão do país pelos EUA. Saborear o espetáculo do colapso psíquico do bolsonarista atropelado pela realidade é um alívio cômico cheio de justiça poética (valeu, Ricardo Coimbra ), mas o que importa mesmo nas próximas duas semanas é só uma coisa: Veta, Lula.
Boa leitura.
Congresso desmonta controle ambiental e ameaça futuro do país
Aprovação do projeto de lei do licenciamento a quatro meses da COP30 é o maior retrocesso ambiental legislativo desde a ditadura militar; Lula terá de vetá-lo
O Congresso Nacional desmontou na madrugada de quinta-feira (17/7) o principal instrumento de controle dos impactos ambientais de empreendimentos no país. A aprovação do Projeto de Lei 2.159/2021 é o maior retrocesso ambiental legislativo desde a ditadura militar (1964-1985) e ocorre a menos de quatro meses da COP30, a conferência do Clima da ONU que será realizada em Belém.
Chancelado à 1h53 pela Câmara dos Deputados por 266 votos a 117, o projeto que detona as regras do licenciamento ambiental havia sido aprovado em maio no Senado. Os presidentes das duas Casas, Davi Alcolumbre e Hugo Motta, ignoraram todos os alertas de especialistas, da sociedade e da ciência.
Agora, o presidente Lula tem prazo de 15 dias úteis para vetar o projeto na íntegra, porque não há como salvar o texto com vetos pontuais. O licenciamento ambiental pode ser aperfeiçoado, mas isso deve ser feito com participação da sociedade e critérios técnicos e científicos. O PL 2.159 é a antítese da solução para o licenciamento .
Inconstitucional, a legislação aprovada será contestada na Justiça. Ao contrário do alegado por seus apoiadores, vai resultar em conflitos e insegurança jurídica para empreendedores e investidores. É o fim de quatro décadas de construção da legislação ambiental e o retorno de um modelo de desenvolvimento econômico que causa descontrole, poluição e morte.
Foi o licenciamento ambiental que mudou a realidade de regiões como o município de Cubatão (SP), o “Vale da Morte” nas décadas de 1970 e 1980. Ao rifar a proteção do meio ambiente e da saúde para atender a interesses de setores empresariais e do agronegócio por menos controle, o Congresso ameaça o país.
“Em vez de aperfeiçoar as regras do licenciamento e a avaliação de impactos ambientais, o Congresso optou por consolidar a lei da não-licença e o autolicenciamento. Um apertar de botão, sem apresentação prévia de qualquer estudo ambiental, será o procedimento padrão que gerará a maior parte das licenças no país, na modalidade por Adesão e Compromisso”, afirma Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima. “Já a chamada Licença Ambiental Especial, criada para facilitar grandes empreendimentos, é oficialmente guiada por interesses políticos. Terras indígenas não homologadas e territórios quilombolas não titulados serão ignorados nos processos, afastando-se direitos fundamentais assegurados pela Constituição. É uma tragédia para nossa política ambiental, um dia que lembraremos para sempre: a marca do descontrole ambiental no país.”
Para Marcio Astrini, secretário executivo do OC, o texto aprovado expõe a capacidade de destruição do Congresso e coloca o governo federal sob escrutínio. “Tal como foi aprovado, o projeto de lei estimula o desmatamento e agrava a crise climática. O presidente Lula diz que o Brasil vai liderar a agenda ambiental pelo exemplo. O veto do PL 2.159, às vésperas da COP 30, é a oportunidade perfeita para transformar o discurso em prática. Esperamos que ele cumpra seus compromissos de campanha e rejeite esse texto absurdo aprovado pelo Congresso brasileiro.”
Em editorial, a Folha afirma que o Congresso “compactua com a devastação ambiental”. O jornal vê como “certa” a judicialização da medida no Supremo Tribunal Federal. “Tratar o tema sem as cautelas devidas coloca o Brasil sob o holofote internacional justamente no ano em que sedia a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30)”, aponta. “Perdeu-se a oportunidade de modernizar o sistema de licenciamento, privilegiando a adoção de novas regras sem a razoabilidade técnica que o tema exige.”
Para a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, a lei foi ”decepada” .
Também em editorial , o jornal O Globo afirma que o texto aprovado contribui para ampliar a degradação ambiental no Brasil. “Criticado por representantes do setor produtivo, da comunidade científica e de entidades ligadas à conservação, foi votado de forma açodada por pressão da bancada ruralista.”
O jornal defende o veto de Lula. “É verdade que a legislação precisava ser atualizada. Mas, da maneira como ficou, o texto representa um retrocesso. Seus defensores argumentam que, sem flexibilizar as exigências, não haverá desenvolvimento. Não é verdade. Com regras apropriadas, o país tem plena condição de zelar pelos recursos naturais e, ao mesmo tempo, incentivar produção e obras de infraestrutura. Entre idas e vindas no Parlamento, a pressão dos ruralistas tornou inócuos os termos razoáveis da proposta inicial. O estrago está feito. A alternativa possível é a redução de danos.”
De gaiato no navio
Governo diz garantir acomodações para COP30, mas queima a largada
Após reunião não divulgada no início desta semana em Brasília com o secretário da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima, Simon Stiell, o governo brasileiro finalmente lançou a plataforma oficial prometida desde fevereiro para hospedagens na COP30, em Belém. Há promessa de “acomodação para todos ”, mas o anúncio foi capenga, com direito a lista errada de países.
Delegados e representantes da sociedade civil de vários países ouvidos pela imprensa internacional manifestaram descontentamento com o número de vagas, os preços cobrados e com a principal solução apresentada para ampliar a oferta de leitos na capital paraense: dois navios de cruzeiro que ficarão ancorados no Porto do Outeiro, a 30 minutos de carro do pavilhão do evento.
“Acho que isso faz da COP uma farsa”, disse Lucy Gilliam, diretora da ong One Planet Port, que defende a sustentabilidade no transporte marítimo, ao site Climate Home News . Ela definiu os navios como um “desastre climático” com pegada de carbono muito maior que a de um hotel. Os navios MSC Seaview e Costa Diadema foram contratados por meio de chamamento público coordenado pela Embratur (Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo). Juntos, somam 3.900 cabines e capacidade para “até” 6 mil camas.
“Esses dois grandes navios vêm se somar às diversas soluções de hospedagem voltadas a todos os públicos que virão à COP, como delegações da ONU, observadores, organizações sociais, academia, empresariado”, disse o secretário extraordinário para a COP30, Valter Correia.
Pelas regras anunciadas, a oferta de vagas será feita em etapas. A primeira inclui 98 países em desenvolvimento e insulares, com diárias de até U$ 220. Mas o governo divulgou e apagou uma lista errada de países (entre eles estavam Irã, Moldávia, Armênia, Montenegro e Geórgia, que depois caíram). Na etapa seguinte, sem data prevista, o custo das acomodações dos demais países será de até US$ 600.
Ouvido na mesma reportagem do Climate Home News, um negociador do Timor Leste, Adão Soares Barbosa, disse que o valor das diárias continua “muito alto para países em desenvolvimento”. Faltam menos de quatro meses para a COP30.
Carbono de guerra
Trump amplia gastos militares e turbina emissões do Pentágono
O orçamento “grande e belo” aprovado pelo governo dos EUA vai ampliar em 26 megatoneladas as emissões de gases de efeito estufa do gigantesco complexo militar do país. O volume é equivalente às emissões de 68 usinas a gás ou às de um país como a Croácia.
A estimativa é de um estudo do Climate and Community Institute (CCI) divulgado nesta semana em reportagem do britânico The Guardian. De acordo com o levantamento , o incremento previsto de US$ 150 bilhões no orçamento de 2026 do Pentágono (o maior emissor institucional de gases de efeito estufa no mundo) equivale a cinco vezes o valor médio anual destinado à Fema, a agência federal responsável pela gestão de emergências e desastres ambientais do país.
Neste cenário, o volume de emissões relacionadas ao complexo militar dos EUA, segundo o estudo, vai alcançar 178 megatoneladas. “Essas emissões fariam das Forças Armadas dos EUA e seu aparato industrial o 38º maior emissor do mundo, se fossem uma nação independente. Mais do que a Etiópia, um país com mais de 135 milhões de habitantes.”
Em artigo na Folha , Caetano Scannavino, do Saúde & Alegria, mostra que atividades militares não entram na conta de carbono, mas, se fossem um país, seriam o quarto maior emissor global, com 5,5% do total – mais do que a aviação civil ou metade das emissões causadas pelo desmatamento no mundo. “Gastos militares alcançaram US$ 2,7 trilhões em 2024, aumento recorde de quase 10% em relação ao ano anterior, o maior desde a Guerra Fria. Menos da metade disso, US$ 1,3 trilhão por ano, é o que se busca como missão quase impossível da COP30 para apoiar sobretudo as nações mais pobres no combate à mudança do clima. Lutar pela paz é também lutar pelo clima.”
Sustentabilidade, sqn
Cúpula do Brics defende fósseis
Convocada em nome de uma governança “sustentável” para o chamado Sul Global, a Cúpula do Brics terminou no Rio de Janeiro com uma defesa do “papel importante” dos combustíveis fósseis na matriz energética mundial. Em declaração conjunta , os onze países que integram o grupo vincularam a segurança energética global à existência de um mercado estável e à “manutenção dos fluxos de energia de fontes diversas”.
Segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME), o Brics detém 44% das reservas de petróleo, 53% das reservas de gás natural e é responsável por 70% da produção de carvão mineral no mundo. Entre seus integrantes estão grandes nações petroleiras, como Brasil, Arábia Saudita, Emirados Árabes e Irã.
Em nota, a Climate Action Network (CAN) qualificou a menção aos fósseis como um ponto “perturbador e anacrônico” em uma declaração “amplamente positiva”. Na abertura da reunião de líderes, o presidente Lula afirmou que “o negacionismo e o unilateralismo estão corroendo o avanço do passado e sabotando o nosso futuro”. Mais aqui .
Novo anormal
Derretimento de geleiras pode despertar vírus, bactérias e fungos adormecidos por milênios
O derretimento acelerado de geleiras provocado pelo aquecimento global poderá criar condições para o despertar de bactérias, fungos e vírus adormecidos por milhares de anos, alguns deles patógenos – ou seja, capazes de infectar plantas e animais, incluindo humanos. O tema ocupa um capítulo inteiro do relatório “O Peso do Tempo: enfrentando uma nova era de desafios para as pessoas e os ecossistemas”, lançado recentemente pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). De acordo com o documento, a crise climática está afetando pesadamente as regiões que compõem a chamada criosfera, onde há neve, geleiras permanentes e solos congelados sazonalmente. Mais aqui .
Novo anormal 2
Inundações-relâmpago deixam 134 mortos no Texas, EUA
O número de mortes provocadas pelas enchentes no Texas (EUA) chegou a 134 , aponta levantamento da rede ABC News. Segundo o Serviço Nacional de Meteorologia dos EUA (NWS, na sigla em inglês), as chuvas elevaram o nível do Rio Guadalupe, um dos principais do Texas, em 9 metros em apenas duas horas, causando enchentes que surpreenderam moradores e turistas das áreas afetadas. Uma análise preliminar divulgada pelo serviço Climameter , do Laboratório de Ciências do Clima e Ambiente (LSCE, da sigla em francês), indicou que as condições meteorológicas que levaram ao episódio no Texas são compatíveis “com o que seria esperado sob aquecimento global contínuo”.
Em meio ao luto, surgiram na imprensa dos EUA questionamentos sobre os cortes determinados pela administração Trump nas equipes do Serviço Nacional de Meteorologia. Responsável por monitorar e lançar alertas de eventos climáticos potencialmente catastróficos no país, o órgão perdeu 600 de seus cerca de 4 mil funcionários desde o início do ano, entre demissões e aposentadorias, segundo o jornal The New York Times . Mais aqui .
CENTRAL DA COP
Sem arbítrio
Ainda sobre a aprovação do PL 2.159
O PL da Devastação passou, restando agora a esperança de um veto presidencial. Na Central da COP, Uhnepa Nukini, da Rede de Comunicadores Indígenas do Acre, entrevistou conterrâneos, todos indígenas , sobre o projeto. “Esse PL ameaça nosso Acre, nossos rios, nossas florestas e nossos direitos humanos”, disse o cacique Urukã Nukini, da TI Nukini no Acre. Em outro texto, Carlos Abras, da SOS Mata Atlântica, evocou Nelson Rodrigues para explicar a gravidade do fato: “Nelson Rodrigues dizia que, ‘em futebol, o pior cego é o que só vê a bola’. No meio ambiente, o pior cego é quem não enxerga o risco quando nossos representantes desmontam a proteção legal ambiental do país.”
Esses alimentos maravilhosos
As soluções para o clima que vêm da mesa
Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), o setor de alimentação representou mais de 73% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil em 2021. Em função disso, cidades como Santarém (PA), Maricá (RJ) e Anchieta (SC) têm tentado colocar o que comemos como parte das soluções climáticas, apostando em ações como hortas urbanas, merenda com produtos da sociobiodiversidade e bancos de sementes crioulas. O texto é de Roberta Curan e Lucas de Sousa, do Instituto Comida do Amanhã .
Mais Martas
Os caminhos do Brasil e dos países do G20 rumo a uma transição energética mais justa com relação a políticas de gênero
Um relatório do Instituto E+ mostra que a igualdade de gênero ainda está longe de ser uma realidade no setor de energia dos países do G20. Mulheres seguem ganhando menos, ocupando menos cargos de liderança e enfrentando barreiras estruturais, mesmo em um momento em que a transição energética exige mais inclusão e justiça social. O Brasil, como aponta a autora Stella Sousa, aparece no meio da tabela: avança com programas de capacitação e iniciativas como o Selo de Equidade de Gênero e Raça, mas ainda precisa de políticas sólidas.
Na playlist
Aproveite, sem veto será o fim do país como o conhecemos .
O post Na newsletter: Veta, Lula apareceu primeiro em OC | Observatório do Clima .
O post “Na newsletter: Veta, Lula” foi publicado em 06/08/2025 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima