Foram 13 dias de ansiedade em um petroestado, os Emirados Árabes Unidos, com o CEO de uma petroleira na presidência da 28a conferência do clima da ONU, a COP28. Sultan Al-Jaber ofereceu uma infraestrutura nababesca (que o digam os banheiros ) para os estimados 104 mil participantes da maior COP da história. Tudo pago com dinheiro da matéria-prima que está tostando o planeta.
Quem esteve em Dubai, dormindo pouco, andando muito na gigante Expo City e sem tempo para comer, experimentou a agonia de não saber se veria uma decisão que desse a sentença de morte para os combustíveis fósseis entre as resoluções da conferência. Tudo isso enquanto lobistas da indústria fóssil marcaram presença inédita na COP e pesquisadores lançavam mais evidências sobre a tragédia que estamos vivendo. Intensificação da crise climática na última década, planeta na rota para o colapso , China contribuindo para o aumento das emissões de gases de efeito estufa, emissões por incêndios na Amazônia aceleradas.
Foi só no dia 13 de dezembro, um dia depois da data programada para o fim da conferência, que veio um alento. Leve, mas veio. Apareceu no texto do Balanço Global do Acordo de Paris a convocação para “a transição para longe dos combustíveis fósseis”. Sem prazos, metas nem informações sobre recursos financeiros, mas, pela primeira vez em 30 anos, os principais causadores da emergência climática foram alvo do texto final.
Como contradição foi o nome do meio da conferência de Dubai, no mesmo dia em que a reunião terminou, 194 blocos de combustíveis fósseis foram arrematados em leilão no Brasil. O presidente Luiz Inácio da Silva esteve na COP28 e cobrou ambição climática , mas ignorando a exploração de combustíveis fósseis no Brasil. O país até anunciou a entrada na Organização dos países Exportadores de Petróleo e Aliados (Opep+), o que rendeu o antiprêmio “Fóssil do Dia” , uma manifestação organizada pela Climate Action Network (CAN). O Brasil “parece ter confundido produção de petróleo com liderança climática”, sentenciou a rede internacional na premiação.
Nesta edição da newsletter, você confere nossa cobertura da COP28 e um pouco das batalhas no mundo real contra os fósseis e o genocídio indígena. Boa leitura!
O começo do fim
Depois de 30 anos, os fósseis foram nomeados – e atacados. Um ataque comedido mas, ainda assim, inédito. O principal texto adotado pela 28° conferência do clima (COP28) , em Dubai, o Balanço Global do Acordo de Paris, convocou os países a “fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos de uma maneira justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, de forma a atingir emissão líquida zero até 2050, em linha com a ciência”.
Não é a “eliminação gradual justa, completa e adequadamente financiada dos combustíveis fósseis” que a sociedade civil e as nações-ilhas demandavam, mas, ainda sim, muito mais do que se pensou ser possível. Especialmente quando, a dois dias do final da COP, a presidência apresentou uma proposta de texto que mais parecia um cardápio de opções que os países “poderiam” adotar para “reduzir gradualmente” as usinas a carvão mineral que não tivessem suas emissões compensadas ou sequestradas.
Depois de intensas negociações nas 48 horas que se seguiram, às 11h12 de quarta-feira (13) o texto foi adotado. Bastou um minuto e quarenta e cinco segundos entre a abertura da plenária e a marretada que sacramentou a adoção do Balanço Global. Mas o caminho até ali foi longo. Puxa uma cadeira e pega seu café que a gente conta.
Boa notícia no primeiro dia
No início da conferência, 30 de novembro, um avanço inesperado. Houve acordo para operacionalização do Fundo de Perdas e Danos , aprovado na COP27, logo na abertura do evento. O presidente Lula foi cobrado pela sociedade civil brasileira para liderar o fim do uso de combustíveis fósseis. Fez um discurso escorregadio e até tentou justificar a entrada do Brasil na Opep+. Com muita pressão da sociedade civil, o tema eliminação de combustíveis fósseis ganhou corpo nas negociações diplomáticas e logo foi informalmente definido como a grande medida do sucesso – ou fracasso – da COP.
Pareceu que ia…
No dia 5, saiu o primeiro rascunho de texto do Balanço Global do Acordo de Paris (GST, da sigla em inglês para Global Stocktake). Apareceu a linguagem, tímida e confusa, sobre eliminação gradual de combustíveis fósseis. Chegou o dia de descanso , 7 de dezembro, e as negociações continuavam a passos de tartaruga. O Balanço Global, que virou um guarda-chuva para vários outros itens, não avançava.
Em uma plenária , o secretário-executivo da Convenção do Clima, Simon Stiell, chamou os países na chincha e cobrou liderança. Já Susana Muhamad, ministra do meio ambiente da Colômbia, cobrou uma decisão sobre o fim da produção de combustíveis fósseis.
O sábado (9/12) com cara de terça-feira foi dia de protestos , que não puderam acontecer na rua (Dubai, apesar da fachada cosmopolita, integra uma monarquia absolutista inimiga dos direitos humanos e da liberdade de expressão). Restritos ao espaço onde acontecia a COP, participantes protestaram contra o fracasso no qual permanecia o texto do Balanço Global e contra o massacre na Palestina.
No dia seguinte, uma luz apareceu no fim do túnel. Enxergaram o elefante na sala. A presidência da COP28 convocou um Majlis (do árabe para conselho, assembleia) e ali, no domingo, houve um aceno para um acordo sobre a eliminação de combustíveis fósseis .
Já na segunda-feira, dia seguinte ao Majlis, saiu o texto do Balanço Global do Acordo de Paris. Frustração generalizada: parecia que a esperança havia caído na privada de um dos banheiros luxuosos e seguira nadando no petróleo. O termo “eliminação gradual dos combustíveis fósseis” desapareceu. A presidência da COP28 veio com um papo sobre “redução gradual do carvão não-mitigado”.
Até que foi
Vieram as 48 horas de tensão e, na manhã de quarta-feira (13), um dia depois da data oficial para o fim da COP28, o Sultan Al-Jaber bateu o martelo para o texto do Balanço Global, com a convocação à “transição para longe dos combustíveis fósseis”. Um Al-Jaber orgulhoso, ovacionado pelo plenário, não economizou nos autoelogios quanto à decisão histórica.
Já Simon Stiel, secretário-executivo da Convenção do Clima da ONU, deu o choque de realidade: “Embora não tenhamos virado completamente a página dos combustíveis fósseis em Dubai, isso é claramente o começo do fim”, disse. Uma celebração, sim, mas comedida, destacando ainda a necessidade de um olhar para “o que vem a seguir”. “Cada compromisso sobre finanças, adaptação e mitigação precisa estar alinhado à meta de 1,5ºC”, disse, sinalizando que ainda há muito em que se avançar nos próximos dois anos, no caminho até a COP30 em Belém.
A plenária contou ainda com a intervenção contundente de Samoa, que apontou as várias fragilidades do texto adotado. “No parágrafo 26, não vemos qualquer compromisso ou mesmo convite às partes para que atinjam seus picos de emissões até 2025. Reivindicamos a ciência ao longo do texto, e mesmo nesse parágrafo, mas nos abstemos de aprovar ações concretas alinhadas ao que a ciência nos diz. Não é o bastante para nós reconhecer a ciência e, depois, fazer acordos que ignoram o que a ciência está nos orientando a fazer”, disse a negociadora-chefe do país-ilha.
Em tempo: Baku, capital do Azerbaijão, sediará a próxima COP, no fim do ano que vem. E, depois de Baku, virá a COP de Belém, Brasil, em 2025. Três países petroleiros abrigando COPs sucessivamente.
Brasil faz seu maior leilão de petróleo no fim da COP
O Brasil quer ser líder no combate às mudanças climáticas, mas caminha para abrir novas fronteiras para exploração de combustíveis fósseis. Poucas horas após o texto do Balanço Global ser publicado na COP28, a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) fez um mega leilão para ofertar 603 blocos brasileiros no 4° Ciclo da Oferta Permanente de Concessão e um “pequeno” para oferecer cinco blocos no 2° Ciclo da Oferta Permanente de Partilha. 193, 32% do total no 4° Ciclo, foram arrematados para a exploração de gás e petróleo. No 2° Ciclo, um foi arrematado. Os blocos da Cadeia de Fernando de Noronha, uma área extremamente sensível, escaparam dos lances. Cinco, dos 22 na Amazônia , não tiveram a mesma sorte. Sempre é bom lembrar que a exploração de combustíveis fósseis mexe com a dinâmica da floresta, bandeira do atual governo.
Congresso derruba vetos e aprova marco temporal
Não tem descanso. Em mais uma vitória da bancada ruralista, essa negociada com a articulação política do governo, o Congresso derrubou, na última quinta-feira (14) parte dos vetos do presidente Lula à Lei 14.701 , a “lei do genocídio indígena”. O marco temporal, já julgado inconstitucional pelo Supremo e vetado por Lula, passa assim a constar do texto da nova legislação.
Foram rejeitados ainda outros vetos de Lula, como o referente à instalação de equipamentos militares e a expansão de malha viária nas áreas indígenas e o que trata da exploração de recursos naturais sem consulta aos povos originários ou ao órgão indigenista competente. Os trechos, assim, passam a valer na lei 14.701. O frágil acordo garantiu a manutenção de apenas três dos vetos de Lula: ao trecho que previa a “desdemarcação” de terras indígenas por alteração de traços culturais, ao que pretendia autorizar o plantio de transgênicos em terras indígenas e ao que expunha povos isolados contatos indesejados. Esses trechos saem da versão final da legislação, que segue agora para promulgação.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) anunciou, logo após a decisão do Congresso, que irá protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo para pedir a anulação da lei.
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Chora, IPCC, do Eventos Extremos , para lembrar que o lobby fóssil ganhou mais uma, mesmo quando perdeu.
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O post “Na newsletter: O balanço da COP28 e o leilão do fim do mundo” foi publicado em 18/12/2023 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima