Depois de uma campanha que mobilizou milhares de brasileiros dentro e fora das redes sociais durante duas semanas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfim vetou o PL da Devastação, serpente chocada no Congresso para destruir o licenciamento ambiental no Brasil. Lula atendeu aos ambientalistas, ao bom senso e ao interesse nacional vetando 63 dos 398 dispositivos da lei – entre eles artigos que encomendariam catástrofes, como o autolicenciamento para empreendimentos de médio impacto e a liberação para estados e municípios definirem critérios do que precisa ou não de um processo completo. Porém, o presidente bicampeão mundial de conciliação cedeu em um ponto que tende a transformar grande parte dos bons vetos em letra morta: num acordo com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), Lula deixou passar a LAE, a Licença Ambiental Especial, inventada pelo senador amapaense para liberar a exploração de petróleo no litoral de seu estado. De hoje em diante, qualquer obra considerada “estratégica” pelo Conselho de Ministros (composição: 36 ministros X 1 Marina Silva) terá um ano para ser licenciada. Esse prazo simplesmente impede o rito normal para grandes obras, em três fases.
Em defesa de Lula, diga-se que Alcolumbre hoje é um dos dois fiadores da democracia brasileira (que quadra da história!): segurou à unha o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes feito pelos golpistas que sequestraram a Mesa Diretora do Senado e não é um aliado que o Planalto possa alijar. Mas o senador também é uma desculpa conveniente para atender um desejo antigo da Casa Civil de ter um fast-track no licenciamento para as obras do PAC. Os testes da LAE devem começar em breve, com a BR-319, a rodovia que vai implodir qualquer chance de controle de desmatamento no Brasil. Oremos.
Cabe acender uma vela também para arrumar um quarto para dormir em Belém durante a COP30: a crise de acomodações que explodiu nas últimas semanas segue sem resolução, ameaçando tornar a conferência de Belém a mais excludente de todos os tempos . O oposto da ideia de “mutirão” proposta pela presidência brasileira. Triste, mas é o país que tem pra hoje.
Boa leitura.
Emenda Alcolumbre ameaça licenciamento, apesar dos vetos
Suely Araújo analisa vetos de Lula e a Licença Ambiental Especial, inventada pelo presidente do Senado
O presidente Lula sancionou na última sexta-feira (8/8) a Lei Geral do Licenciamento (nº 15.190/2025) , depois de mais de vinte anos de trâmite no Congresso Nacional. O texto aprovado tem 67 artigos que se desdobram em 398 dispositivos, dos quais 63 foram vetados (16%), número acima do esperado em razão das divergências internas do governo sobre o tema. Ministros da área de infraestrutura e outras autoridades apoiavam o texto produzido pelo Legislativo, com grande número de inconstitucionalidades e intenção clara de desmontar o licenciamento ambiental no país. Um texto com olhar para o passado – em plena crise climática, não há uma menção sequer à palavra clima – e que foi concebido com a perspectiva de que a licença ambiental constitui mero entrave burocrático.
Deve ser reconhecido que o veto do Presidente da República abrangeu os piores trechos do Projeto de Lei (PL) nº 2.159/2021, o “PL da Devastação”. Vetou-se a extensão da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para empreendimentos de médio potencial poluidor. A LAC é um autolicenciamento por mero cadastro que é aplicado por alguns Estados. Impediu-se, se esse veto não for derrubado, que a grande maioria dos licenciamentos estaduais passe a ser resolvido por um apertar de botão, sem análise de alternativas técnicas e locacionais. Vetaram-se, entre outros pontos, a desconsideração no licenciamento de terras indígenas não homologadas e de territórios quilombolas não titulados; a revogação de dispositivos relevantes da Lei da Mata Atlântica; a dispensa de licenciamento para obras de pavimentação de rodovias anteriormente pavimentadas, em dispositivo concebido pelos parlamentares para alcançar a BR-319, obra que impulsionará intensamente o desmatamento no estado do Amazonas e cuja licença prévia concedida pelo governo Bolsonaro está suspensa por liminar obtida em ação judicial que tem o OC como autor. Vetou-se dispositivo que delegava aos entes subnacionais definições relevantes para o licenciamento sem prever a observância das diretrizes federais.
Além de vetar, o presidente assinou no mesmo dia dois documentos importantes: a Medida Provisória nº 1.308/2025 , que trata especificamente da Licença Ambiental Especial (LAE), incluída no fim do processo pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre; e o Projeto de Lei nº 3.834/2025 , que preenche lacunas no texto legal causadas pelos vetos e que foi encaminhado com urgência constitucional, ou seja, trancará a pauta da Câmara e do Senado se não for votado em 45 dias.
Tem-se agora um quadro sui generis: uma lei que entrará em vigor daqui a 180 dias, com vários pontos ainda em aberto por causa dos vetos; a ameaça da bancada ruralista de derrubar vários vetos importantes; uma medida provisória detalhando uma modalidade de licença por pressão política, que não deveria existir; e um projeto de lei com redações do Executivo para parte dos trechos vetados, mas que não tem garantia de ser aprovado. Além disso, existe a possibilidade de judicialização no Supremo Tribunal Federal da medida provisória da LAE e da lei como um todo, especialmente após a derrubada de vetos e retorno a textos repletos de inconstitucionalidades. Passaremos os próximos meses assustados com o que pode virar a versão definitiva da Lei Geral do Licenciamento Ambiental.
O ponto mais negativo nessa fase pós vetos é o Poder Executivo ter assumido a Emenda Alcolumbre. Assim que ela foi apresentada, chegou a haver a leitura de que seria um bode na sala, um texto absurdo para que os opositores da lei se acostumarem com o conteúdo ruim que vinha desde a aprovação na Câmara, em 2021. Houve veto e tentativa de ajuste no texto sobre a LAE, mas o conteúdo da medida provisória está longe de resolver os problemas dessa modalidade de licença. Não há solução para uma ideia completamente sem sentido.
Mesmo sem referência expressa a processo monofásico, a MPV nº 1.308/2025 mantém sistemática simplificada (monofásica, mesmo que dividida em etapas) de liberação de empreendimentos causadores de significativo impacto ambiental. Fica estabelecido um período máximo de doze meses para decisão final, período no qual a autoridade licenciadora terá de analisar um conjunto grande de estudos e estabelecer condicionantes para localização, instalação e operação do empreendimento indicado como estratégico pelo Conselho de Governo, ou seja, substituir a Licença Prévia (LP), a Licença de Instalação (LI) e a Licença de Operação (LO). Não se acompanhará sequer a dinâmica de desenvolvimento dos empreendimentos, que passam por aperfeiçoamentos sucessivos entre a proposta inicial do projeto básico e o projeto executivo, sua implantação e futura operação, estágios que são abordados de forma diferenciada nos processos trifásicos.
Trata-se de simplificação absurda de processo para empreendimentos de significativo impacto. A LAE não visa projetos de pequeno ou médio potencial poluidor. Tanto é assim que a medida provisória impõe Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (Rima) em todos os casos de LAE. Há conflito com os artigos 170, inciso VI, e 225 da Constituição Federal. Serão empreendimentos de significativo impacto que terão processo simplificado, e não os de menor impacto.
Não se nega a possibilidade de priorização na análise do Ibama dos projetos prioritários estabelecidos em consonância com os planejamentos setoriais do governo federal. O que é inaceitável é criar uma modalidade de licença específica com o intuito de obter licenças rápidas para listas de empreendimentos impactantes, impulsionadas por pressão política. O governo errou ao não vetar a LAE e ao tentar corrigir o que não tem conserto.
Pior: até ontem parlamentares haviam apresentado mais de 800 emendas à MP nº 1.308/2025.
Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima
Mutirão sem gente
Participação de ativistas na COP30 está ameaçada, dizem ONGs
A crise de hospedagens para a COP30 em Belém ameaça tornar o evento ainda mais restrito à sociedade civil do que as três últimas conferências, realizadas em ditaduras. O alerta foi feito ao Observatório do Clima por representantes de entidades que congregam centenas de comunidades vulneráveis, organizações socioambientais e movimentos ativistas na Ásia, América Latina e Caribe.
“Se as pessoas são impedidas de participar devido aos preços e as comunidades vulneráveis não conseguem se representar, isso não é apenas um risco para a inclusão e a justiça, mas também para soluções e abordagens adequadas para atender às necessidades da emergência climática”, alertou Ilan Zugman, da 350.org.
Rachitaa Gupta, coordenadora global da DCJ (Campanha para Demandar Justiça Climática), uma rede com mais de 250 organizações ligadas a temas de clima e direitos humanos, disse que tem sido “extremamente desafiador” planejar a logística para esta COP.
“Até agora, nosso entendimento é que quase 80% dos nossos membros ainda não conseguiram reservar nenhum tipo de acomodação”, afirmou, em entrevista ao OC .
Mutirão sem gente 2
UNFCCC quer ouvir ongs sobre crise de hospedagem na COP30
Aos 40 do segundo tempo, e diante da crescente insatisfação de organizações da sociedade civil com a crise de hospedagem na COP30, o secretariado da UNFCCC decidiu nesta quinta-feira (14) tomar uma atitude. Quem esperava algo mais concreto, no entanto, teve de se contentar em preencher um formulário do Google sobre como tem sido a (triste) experiência de tentar viabilizar a infraestrutura básica para a participação no evento.
“O secretariado recebeu preocupações a respeito dos desafios que estão sendo enfrentados com os arranjos de acomodação para a COP 30”, dizia o texto do e-mail, direcionado aos pontos focais de grupos que reúnem centenas de ongs de todo o mundo.
No formulário, o secretariado primeiro pergunta se a instituição já conseguiu acomodação para o evento. Se não, quantos quartos necessita, quais os motivos para não ter fechado (entre as opções, preços exorbitantes) e o que seria necessário para viabilizar a participação.
“Suas respostas nos ajudarão a avaliar a dimensão dos desafios e auxiliarão a Presidência da COP 30 a identificar medidas adicionais em sua preparação para a conferência”, explicou o secretariado, no e-mail. O prazo para o preenchimento vai até terça-feira (19/08).
Novo normal
Mediterrâneo queima em nova onda de calor
Nos últimos dias de verão no hemisfério norte, uma nova e intensa onda de calor atinge diversos países da Europa e do Oriente Médio, com temperaturas equivalentes ou superiores a recordes históricos e consequências como incêndios florestais, escassez de água e risco de chuvas torrenciais, granizo e ventos fortes.
Na Espanha, três mortes foram registradas em razão do fogo que se alastra rapidamente pela comunidade autônoma de Castela e Leão e também nos arredores de Madri. O governo anunciou o envio de mais de mil militares para ajudar no combate às chamas.
Incêndios de grande porte também são registrados em Portugal, França, Noruega, Suécia, Finlândia e na Grécia, onde um hospital infantil e um lar de idosos tiveram que ser evacuados. Na Alemanha, a expectativa é que a temporada do fogo se prolongue até outubro. Nos Bálcãs, Bulgária, Albânia e Montenegro pediram apoio aos vizinhos para reforçar suas frentes de combate às chamas. Ao menos duas pessoas morreram.
O Reino Unido contabiliza o quarto evento de calor extremo desde o início do verão. Em algumas regiões, a falta de água levou a medidas de contingenciamento. Na Itália, o fogo destruiu 500 hectares na encosta do monte Vesúvio e fechou o acesso a trilhas turísticas.
A onda de calor também atingiu o Oriente Médio. No Líbano, com os termômetros alcançando 45º, o consumo de eletricidade superou a capacidade do sistema local e foram registrados apagões.
Pátria queimada
Brasil perdeu 1 Bolívia em áreas naturais em 40 anos, aponta Mapbiomas
Entre 1985 e 2024 o Brasil perdeu em média 2,9 milhões de hectares de áreas naturais por ano, totalizando uma redução de 111,7 milhões de hectares entre 1985 e 2024. Essa área, que corresponde a 13% do território nacional, é maior que a Bolívia. Os dados são da décima coleção do MapBiomas, o consórcio pioneiro que descobriu o que aconteceu com cada pedaço de 30 m X 30 m do território nacional nos últimos 40 anos. Com 30 classes mapeadas, a edição deste ano inclui uma nova categoria, o mapeamento de usinas fotovoltaicas, que se expandiu pelo país entre 2015 e 2024, à custa de desmatamento no Cerrado e na Caatinga (45% de toda a área de usinas solares veio de desmate). Todos os dados já estão disponíveis gratuitamente aqui .
Agridoce
Alertas de desmate sobem 4% na Amazônia e caem 21% no Cerrado
A área sob alertas de desmatamento na Amazônia teve alta de 4% em 2025 (de agosto de 2024 a julho de 2025) em relação ao mesmo período anterior, segundo dados do sistema Deter, do Inpe, divulgados na quinta-feira (7/8). Foram derrubados 4.495 km², área equivalente a três cidades de São Paulo. É o segundo resultado mais baixo da série histórica iniciada em 2016, só perdendo para 2024. Podia ter sido muito pior, já que a seca extrema do ano passado levou a um recorde na área queimada.
Já no Cerrado houve redução de 21% nos alertas de desmatamento nos últimos 12 meses. O resultado (5.555 km²) reverteu tendência de alta registrada desde 2021 no bioma, mas a área derrubada continua superando o total na Amazônia. Leia mais .
Obituário
Morre Yosio Shimabukuro, ‘avô’ do Deter
Morreu na terça-feira (12/8), aos 75 anos, o pesquisador Yosio Edemir Shimabukuro, da Divisão de Sensoriamento Remoto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), pioneiro no uso de imagens de satélite para o combate ao desmatamento na Amazônia. Engenheiro florestal, mestre em sensoriamento remoto e PhD em ciências florestais, Shimabukuro atuou por mais de cinco décadas no instituto e foi diretamente responsável por conceber ou aprimorar metodologias que formam a base do sistema de monitoramento no país, como o Prodes e o Deter. Leia mais .
Central da cop
Barreira tarifária
Tributação dos super-ricos pode financiar ação climática
Na COP 29, em Baku, foi estabelecido o compromisso de destinar ao menos US$ 300 bilhões anuais até 2035 para ações climáticas nos países em desenvolvimento. Essas nações são as que mais sofrem com o aquecimento global, apesar de não serem as maiores emissoras de gases do efeito estufa. Uma jogada estratégica para repassar os recursos aos países afetados é a taxação dos super-ricos . Estudos apontam que um imposto de apenas 2% sobre fortunas centimilionárias poderia arrecadar entre US$ 300 e US$ 390 bilhões por ano. Quem conta é Nathalie Beghin, do Inesc.
A comida entra em campo
Proteger florestas é garantir resiliência alimentar
A crise do clima afeta diretamente os pratos, as cozinhas e as culturas alimentares. Segundo a FAO, mais de 735 milhões de pessoas vivem em insegurança alimentar severa no mundo. Pensando nisso, e para influenciar espaços decisórios como a COP30 em favor do direito à comida, a Ação da Cidadania criou a campanha Forests4Food . A iniciativa aponta para a necessidade de redirecionar os mais de US$ 500 bilhões anuais em subsídios agrícolas, que hoje incentivam modelos predatórios, em favor de sistemas alimentares sustentáveis e agroecológicos. O texto é de Rodrigo Kiko Afonso, da Ação da Cidadania.
Linha de impedimento
Arayara move ação contra especulação hoteleira na COP30
Na semana passada, o Instituto Internacional ARAYARA protocolou uma Ação Civil Pública no Tribunal de Justiça do Pará contra a escalada especulativa de hotéis e pousadas na região de Belém durante o período da COP. Com diárias subindo de R$ 200 para R$ 5 mil – um aumento de 2.400% – até o presidente da Áustria desistiu de ir para a conferência pelo alto custo da viagem. A ação movida pelo instituto propõe que um teto temporário para tarifas seja obedecido pelos hotéis e pousadas locais, e também por grandes plataformas como Booking.com e Airbnb.
Na playlist
Em tempos de Trump, abandone toda a razão, evite todo contato visual, não reaja, atire nos mensageiros .
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O post Na newsletter: Emenda Alcolumbre ameaça licenciamento, apesar dos vetos e mais apareceu primeiro em Observatório do Clima .
O post “Na newsletter: Emenda Alcolumbre ameaça licenciamento, apesar dos vetos e mais” foi publicado em 23/08/2025 e pode ser visto originalmente na fonte Observatório do Clima