Só faltou o presidente Lula repetir o slogan trumpista “Drill, baby, drill”. A nove meses da primeira Conferência do Clima na Amazônia, a pressão política pela exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas virou uma blitzkrieg. A eleição do amapaense Davi Alcolumbre para a presidência do Senado juntou a fome de petróleo com a vontade de comer. Se o plano der certo, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, será jantado nos próximos meses, com a emissão da licença para perfuração no bloco 59, da Petrobras, a cerca de 160 quilômetros da costa do Amapá. No primeiro dia de trabalho do novo presidente do Senado, Lula garantiu a ele que a licença será liberada, segundo relato do jornal O Globo. Dois dias depois, Lula declarou a jornalistas: “Queremos o petróleo, porque ele ainda vai existir muito tempo. Temos que utilizar o petróleo para fazer a nossa transição energética, que vai precisar de muito dinheiro.” O presidente deve ir à capital do Amapá na próxima quinta-feira (13/2), em mais um capítulo da ofensiva.
LICENÇA NO GRITO
Pressão por perfuração do bloco 59, na Bacia da Foz do Amazonas, escala com Alcolumbre no Senado e intervenção do Planalto
A construção de uma base no município de Oiapoque (AP) para o resgate de animais eventualmente atingidos em caso de vazamento é apontada pela Petrobrás como bala de prata para a concessão da licença para perfuração no bloco 59, a 160 quilômetros da costa do Amapá. O plano inicial da estatal era usar uma estrutura em Belém, a 830 quilômetros do ponto de extração. Essa proposta foi rejeitada pelo Ibama em 2023, quando a licença foi negada pela primeira vez. Na ocasião, o Ibama apontou a fragilidade do plano de proteção à fauna em caso de derrame de óleo como um dos principais problemas do licenciamento, mas não o único.
A construção da base em Oiapoque ocorreu após intervenção do Planalto junto à Petrobras, que resistia a fazer novos investimentos para aprovar a licença. Com o aumento da pressão política para liberação da licença, técnicos da equipe de licenciamento foram instruídos a dar prioridade ao processo.
“Não deveria haver licença ambiental no grito”, disse a coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, ex-presidente do Ibama. “Expandir produção de petróleo em plena crise climática, justificando com transição energética, é inaceitável. A intensificação da produção vai piorar o problema que em tese a transição quer resolver.” Mais aqui .
Trumpocalipse
Trump corta US$ 4bi de fundo climático
Nesta semana, a cruzada americana pelo fim do mundo ganhou novas cenas: Trump cancelou o repasse de US$ 4 bilhões para o Fundo Verde do Clima, iniciativa da ONU para o financiamento da transição energética e da adaptação às mudanças climáticas nos países em desenvolvimento. O Fundo já distribuiu US$ 16 bilhões (Brasil tá na lista) desde a sua criação, em 2010, e pela primeira vez lida com o cancelamento de repasses previamente autorizados por países. As gestões de Joe Biden e Barack Obama haviam se comprometido com o repasse de US$ 3 bilhões cada. Do total de US$ 6 bi prometidos, dois já haviam sido pagos pelos EUA. Em carta enviada à ONU em 27 de janeiro, o secretário de Estado Marco Rubio rescindiu “quaisquer compromissos pendentes” do país com o Fundo, enterrando o repasse dos US$ 4 bi restantes. Para fechar a semana, Trump anunciou que expedirá um decreto para a “volta aos plásticos”, revogando medidas implementadas por Biden, como o uso de canudos de papel. O setor, que responde por 3% das emissões globais das emissões de gases de efeito estufa, ganha um reforço.
Entre os vários movimentos iniciados pela posse de Donald Trump que prometem mudar —para pior— o mundo como o conhecemos, o ataque à ação climática é especialmente preocupante, escreveram Natalie Unterstell e Claudio Angelo, do OC, em resposta ao editorial do Estadão “O desafio do ambientalismo responsável”. “Setores econômicos que se sentem ameaçados pela transição energética farejaram o sangue na água e ressuscitaram a narrativa segundo a qual as soluções para crise climática seriam piores que a crise em si. Trata-se de uma ideia antiga, falsa e perigosa.” Leia mais aqui .
Trumpocalipse 2
Países usam EUA como álibi contra ação climática
Há duas semanas, dissemos que a chegada de Trump à Casa Branca trazia riscos climáticos muito mais graves do que o abandono formal do Acordo de Paris. Dito e feito: o fim da ação climática americana sob seu governo – que ocorreria mesmo sem a saída oficial do tratado – já começa a provocar o efeito-dominó que ameaçava, inspirando outros países a largarem de mão seus compromissos e enterrarem suas metas.
Na última semana, a Indonésia, um dos maiores emissores globais de gases de efeito estufa, sinalizou a possibilidade de se retirar do Acordo, usando os EUA como álibi: segundo as autoridades do país, seria injusto que países em desenvolvimento continuassem se responsabilizando pela ação climática enquanto o maior poluidor histórico pula do barco. O problema dessa “lógica” é que a conta não fecha: a humanidade segue precisando reduzir em 43% as emissões de gases-estufa até 2030, se quisermos ter a chance de evitar os efeitos mais catastróficos da crise do clima.
No clima de liberou geral, países desenvolvidos também se sentem mais à vontade para frear a ação climática. O parlamento alemão aprovou , na última semana de janeiro, uma medida para estender a concessão de subsídios a usinas de gás, protelando o prazo para a descarbonização da produção de energia do país. Os subsídios serão concedidos até 2030 e serão válidos por 12 anos, atropelando a previsão de descarbonização em 2035.
Nochmal
Janeiro de 2025 segue quebra de recordes de temperatura
O primeiro mês de 2025 foi o janeiro mais quente já registrado, segundo dados divulgados nesta semana pelo Copernicus, observatório climático da União Europeia. O recorde de calor ocorreu mesmo sob o fenômeno La Niña, que tipicamente reduz a temperatura média global.
A temperatura média do ar na superfície chegou a 13,23ºC em janeiro — 1,75ºC acima dos níveis pré-industriais (1850-1900). Em 18 dos últimos 19 meses, o aumento da temperatura global ultrapassou 1,5ºC, meta estabelecida pelo Acordo de Paris como limítrofe para evitar impactos climáticos catastróficos e o colapso de ecossistemas.
Os oceanos também seguem aquecidos. A temperatura média da superfície do mar em janeiro foi de 20,78 °C, a segunda mais alta já registrada para o mês, apenas 0,19 °C abaixo do recorde de janeiro de 2024. A extensão do gelo marinho no Ártico foi a menor já observada para o período, ficando 6% abaixo da média, enquanto na Antártida a redução foi de 5%. Leia mais aqui .
Calma que piora
Cientista pioneiro afirma que meta de 2ºC “está morta”
Em 1988, a americano James Hansen foi o primeiro cientista a afirmar que o aquecimento global já era uma realidade. Agora, o pesquisador aposentado da Nasa sustenta que mesmo a meta menos ambiciosa do Acordo de Paris, de limitar o aquecimento do planeta a até 2ºC acima dos níveis pré-industriais, já seria um caso perdido. Em novo estudo , publicado na última segunda-feira (3) no periódico científico Environment: Science and Policy for Sustainable Development, Hansen e colegas afirmam que a ciência subestimou o ritmo do aquecimento global – e que veremos seus efeitos mais deletérios ainda antes do que a ciência esperava.
O estudo traz novos dados sobre a diminuição da poluição por aerossóis e, consequentemente, do resfriamento causado por essas partículas na atmosfera terrestre. Além da derrota da meta de Paris, o aquecimento acelerado provocaria o colapso da AMOC, uma corrente oceânica que transporta água quente dos trópicos para o Atlântico Norte e tem forte influência sobre o clima, nos próximos 20 ou 30 anos. Segundo os pesquisadores, o colapso da AMOC empurraria o clima global a um ponto de não-retorno. Mais aqui .
Enquanto isso…
Estados brasileiros enfrentam chuvas intensas
Na quinta-feira (7/2), celulares em São Paulo voltaram a emitir alertas de chuvas intensas enviados pela Defesa Civil. O temporal atingiu a capital e cidades da região metropolitana, deixando um rastro de transtorno. A cidade mais rica do Brasil, São Paulo, segue despreparada para eventos climáticos extremos e registrou quedas de árvores, alagamentos, deslizamentos e interrupção na circulação de trens. Ao menos 118,7 mil imóveis ficaram sem energia elétrica — número que sobe para 151,8 mil considerando toda a Grande São Paulo. No Capão Redondo , zona sul, um carro foi arrastado e o motorista, de 24 anos, desapareceu. Na zona leste, moradores ainda não tinham se livrado da inundação que as chuvas da semana anterior haviam causado.
O dilúvio também atinge outros estados. Em Pernambuco , ao menos sete pessoas morreram após fortes chuvas, e mais de 300 ficaram desabrigadas ou desalojadas. Na noite de sexta-feira, o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) mostrava alertas de chuva intensa para 13 estados e de tempestade para 3.
É fogo
Mudanças climáticas pioraram incêndios florestais de Los Angeles
As condições quentes, secas e de ventos fortes que impulsionaram os incêndios florestais de Palisades e Eaton, em Los Angeles, em 7 de janeiro, foram 35% mais prováveis em razão de mudanças climáticas, aponta estudo da Rede Mundial de Atribuição (WWA, na sigla em inglês), divulgado em 28 de janeiro. A pesquisa, conduzida por 32 cientistas dos Estados Unidos e da Europa, também aponta que a intensidade dos incêndios aumentou em 6%. Além disso, a probabilidade de períodos com pouca chuva entre outubro e dezembro é hoje 2,4 vezes maior em comparação ao clima pré-industrial (1850-1900). Leia o estudo aqui .
Olho no lance
O CENTRAL DA COP ESTÁ DE VOLTA!
Após um breve pendurar de chuteiras, o Central da COP está de volta. Criado no fim do ano passado pelo Observatório do Clima, o site cobriu a triste goleada dos países industrializados sobre as nações do sul global na final da COP29. Agora, entra em campo com foco nos jogos que antecedem a COP30. (Se você ainda não conhece a Central da COP, vale dar uma olhada na reportagem sobre o site publicada nesta semana pelo Nieman Lab, o instituto da universidade Harvard que cobre inovações no jornalismo. O texto é em inglês ).
Jogo azeitado
Mas vamos aos números do jogo. Quer dizer, do azeite. Em sua coluna “Pode isso, Claudio?”, o jornalista Claudio Angelo explica como a inflação no preço do óleo de oliva e do café podem estar no piso, e não no teto . “A velocidade e a intensidade da mudança do clima atual desafiam os limites de adaptação das lavouras. Chega um momento em que as oliveiras não conseguem produzir mais, que o sul da França fica imprestável para vinho e a florada do café não aguenta mais o calor nem nos lugares mais altos da Mantiqueira.” Pior: a insatisfação causada pela escassez dos produtos – e pelo aumento dos preços – acaba virando um prato cheio para aqueles políticos (você sabe quais) que canalizam o desgosto popular.
Água pouca, água muita
Diz o ditado que vento que venta cá venta lá. Mas com as mudanças climáticas, a água que cai aqui não cai mais lá. Pelo menos é o que conta Caetano Scannavino, coordenador geral do Projeto Saúde e Alegria, de Alter do Chão, no Pará. A seca excessiva dos últimos meses levou o rio Tapajós a um nível tão baixo que crianças das comunidades ribeirinhas não conseguem mais ir à escola , num exemplo didático de como o aquecimento global acentua a desigualdade. Para piorar, Scannavino lembra que 88,86% dos prefeitos eleitos na Amazônia são contrários à pauta ambiental, segundo levantamento do InfoAmazonia com base no ICAt (Índice de Convergência Ambiental total).
Já em São Paulo, o excesso de chuva alagou uma vez mais as regiões de Jardim Pantanal, Jardim Helena e Jardim Keralux, na zona leste da cidade. Até aí, infelizmente, nada de novo. A novidade foi a proposta feita pelo prefeito Ricardo Nunes para resolver o caso: a remoção (são 56 mil famílias que vivem apenas na comunidade de Jardim Pantanal). Diante disso, Thaynah Gutierrez propõe um debate sobre políticas de adaptação em sua coluna “Linha de Impedimento” : “Sou uma jovem negra criada em uma dessas regiões, e sei que existem outras soluções para além de abandonar o local onde seus laços comunitários foram criados. Precisamos fortalecer outras possibilidades, tornando as habitações dignas e os espaços adaptados para a emergência climática. A população não precisa ser realocada. O discurso do prefeito é que precisa.”
Na playlist
Green Arrow , da banda Ya lo Tengo, de Nova Jersey.
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