Rei morto, rei posto.
Com o desembarque dos Estados Unidos da ordem global construída no pós-guerra (pelos Estados Unidos), a China começa a mostrar que está disposta a ocupar a vaga – ou comprá-la. Saem o porrete e os marines, entram o sorrisinho e a grana. Vale para a guerra tarifária iniciada unilateralmente por Donald Trump, à qual a China resistiu, mas vale também para a mudança do clima. Com o principal concorrente potencial no mercado de energia renovável querendo ressuscitar a máquina a vapor e recarbonizar a economia, Xi Jinping parece dar passos no sentido contrário e redobrar a aposta na economia verde.
Na última quarta-feira, durante um evento virtual realizado por Luiz Inácio Lula da Silva e António Guterres na ONU, Xi fez juras de amor ao multilateralismo e ao Acordo de Paris e prometeu que a meta climática da China para 2035, a NDC, cobrirá todos os gases de efeito estufa e todos os setores da economia. Parece pouco, e é. Mas, considerando que até agora tudo o que a China prometeu foi um vago pico de emissões em 2030, o anúncio é uma bem-vinda lufada de ar fresco nas perspectivas para a COP30, a conferência do clima de Belém. O presidente da COP, André Corrêa do Lago, esteve em Pequim na semana passada tentando arrancar algum sinal positivo do maior emissor do mundo de poluentes climáticos (mas também maior exportador do mundo de energia renovável). Aí está.
Convém tomar com um grão de sal os movimentos da ditadura asiática. A China está vivendo um boom de construção de usinas termelétricas a carvão mineral , com 94 gigawatts planejados de novas usinas (mais da metade de todo o parque elétrico brasileiro). Os chineses também têm jogado duro nas negociações de clima contra a eliminação gradual dos combustíveis fósseis e propostas de mitigação (corte de emissões), além de se valerem de um legalismo (seu status de “país em desenvolvimento”) para terem metas climáticas frouxas. Xi dá sinais muito sutis, como tudo mais na política chinesa, de que está disposto a rever pelo menos a última parte dessa escrita e não ser a pedra no sapato de Lula na COP30. É um começo, mas não basta.
Boa leitura.
China promete avanço em meta climática
Em evento organizado por Lula e António Guterres na ONU, Xi Jinping sinaliza querer ocupar vácuo deixado pelos EUA
Em encontro que reuniu 17 chefes de Estado nesta quarta-feira (23/4) em plenário virtual da ONU, o presidente chinês, Xi Jinping, deu mostras de que pretende ocupar o vácuo de liderança deixado pela decisão do presidente dos EUA, Donald Trump, de abandonar o Acordo de Paris.
Em plena guerra comercial com os americanos, Xi ampliou seu antagonismo ao defender em discurso o fortalecimento da cooperação internacional e de organismos como a ONU em busca de uma governança climática global que seja eficaz e centrada em mais ações do que palavras. Para mostrar que quer agir, o ditador anunciou que seu país, maior emissor do mundo de gases de efeito estufa, publicará uma meta climática (NDC) que, pela primeira vez, abrangerá “todos os setores da economia e todos os gases de efeito estufa”.
A segunda maior economia do mundo tem se amparado no fato de que é um país “em desenvolvimento” aos olhos da Convenção do Clima para não ter meta absoluta de corte de emissões. Até 2030, a promessa chinesa é reduzir a “intensidade de carbono” da economia, ou seja, o total de emissões por dólar gerado no PIB. Isso leva a um aumento absoluto das emissões do país.
“A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima e seu Acordo de Paris são a base legal da cooperação internacional sobre o clima. É importante que todos os países defendam o Estado de Direito, honrem seus compromissos, priorizem o desenvolvimento verde e de baixo carbono, e respondam conjuntamente à crise climática por meio da governança multilateral”, disse Xi . “A China não irá reduzir a velocidade das suas ações climáticas e não irá reduzir seu apoio à cooperação internacional.”
“É uma mudança há muito necessária, que pode resetar a ação climática global”, disse Andreas Sieber, diretor de Política Global da 350.org . “A questão agora não é se a China vai agir, mas até onde está disposta a ir.”
O evento, que debateu clima e transição justa, foi organizado e convocado pelo Brasil, que, além do inevitável protagonismo por ser sede da COP30, também busca ocupar espaços vazios no contexto da liderança climática global, lado a lado com Pequim.
A possibilidade de uma aliança global entre os dois países, chamada de “novo G2 do Clima”, foi discutida em artigo conjunto publicado na Folha pela especialista em Política Climática do Observatório do Clima, Stela Herschmann, e pela fundadora da Bambu Consulting, Beibei Yi.
“Há mais de duas décadas a política climática global vem sendo moldada pelo G2 original, formado pelos Estados Unidos, maior emissor histórico de gases de efeito estufa, e pela China, maior emissor atual. Em 20 de janeiro deste ano o G2 virou G1. Os EUA de Donald Trump passaram a jogar ativamente contra os objetivos do Acordo de Paris e vêm adotando políticas —como o tarifaço de abril— que podem atrasar a expansão de tecnologias de energia renovável, hoje dominadas pela China. Sai a cooperação climática de longo prazo, entra o nacionalismo econômico de curto prazo”.
Com a União Europeia mais preocupada com guerras reais na vizinhança e a ascensão da extrema-direita em vários de seus países membros, o artigo aponta a China como a força motriz capaz de “resistir à refossilização da economia estimulada pela guerra na Ucrânia e escancarada pelo regime de Washington, e dobrar a aposta num novo ciclo de prosperidade baseado em novas tecnologias energéticas”.
Neste cenário, o Brasil pode ser um “aliado fundamental”. “Embora tenha desafios por ser o quinto maior emissor do planeta e um exportador cada vez maior de petróleo, o Brasil conta com o respeito da comunidade internacional por frequentemente mediar as divisões entre países desenvolvidos e em desenvolvimento nas negociações climáticas. Além disso, já mostrou ao mundo no passado — ao reduzir em 83% a taxa de desmatamento na Amazônia — como cortar emissões de forma consistente”, aponta o texto.
As chances desse novo G2 vingar dependem fortemente dos resultados de um ciclo de encontros oficiais aberto pelo presidente da COP-30, André Corrêa do Lago, em visita a Pequim na última semana. Em maio, será a vez do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E, em julho, o presidente Xi Jinping é esperado para a cúpula do Brics, no Rio de Janeiro.
“Esses encontros representam a oportunidade histórica da constituição de um novo G2 por Brasil e China —focado não em competição, mas em cooperação para acelerar a transição verde”.
Enquanto isso, a Casa Branca publica vigarice no Dia da Terra e, dois dias depois, anuncia o fechamento do escritório responsável por supervisionar as negociações internacionais sobre mudança do clima.
Cadê o plano?
Renda bilionária obtida com petróleo ignora transição energética
Estudo do Inesc divulgado nesta semana mostra o que todo mundo já sabia: o sonho dourado de construir a transição energética com a “riqueza” do petróleo é apenas mais uma cascata da indústria fóssil. Só 0,16% dos R$108,2 bilhões arrecadados no país com as chamadas “rendas do petróleo”, provenientes de royalties e outras participações, foram direcionados a ações ambientais e climáticas em 2024. O relatório também revela que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação recebeu 1% dos recursos, mas eles foram quase totalmente direcionados ao setor de petróleo, e não para pesquisa em energias renováveis ou tecnologias limpas. “Enquanto bilhões deixam de ser usados, o Brasil adia investimentos fundamentais em educação, saúde e enfrentamento às mudanças climáticas”, disse Alessandra Cardoso, autora da Nota Técnica .
Nesta sexta-feira (25/4), parlamentares do PT, PSOL, PV, PDT e Rede divulgaram uma carta ao presidente Lula contra a exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas, em análise no Ibama. Em fevereiro, ao defender a perfuração na região, Lula disse que “é dessa riqueza que a gente vai ter dinheiro para construir a sonhada transição energética”. “Com todo o respeito, pedimos que atenda às recomendações dos especialistas e suspenda a prospecção”, escreveram os parlamentares, que também cobraram um “ambicioso plano de transição energética”.
Poupa-fósseis
Reforma do setor elétrico quer tirar subsídios (apenas) das renováveis
A proposta de reforma do setor elétrico apresentada no último dia 16/4 pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), prevê o corte de subsídios para parte do setor de energias renováveis, mas mantém intocados os da indústria fóssil. Enviada à Casa Civil, a proposta seguirá depois para o Congresso. Silveira anunciou que a reforma irá ampliar a isenção de tarifas e descontos para consumidores de baixa renda, mas vinculou a medida ao corte de subsídios para a energia solar e eólica de geração centralizada.
Na avaliação de Rosana Santos, diretora-executiva do Instituto E+ Transição Energética, a proposta tem pontos positivos, mas falha ao limitar a eliminação de subsídios à geração centralizada do setor de renováveis (aquela que conecta grandes consumidores a parques solares ou eólicos), poupando os fósseis e também a chamada geração distribuída de energia eólica e solar (ou seja, feita no local ou próximo ao ponto de consumo, como a usada em residências).
“As renováveis no Brasil não precisam mais mesmo de subsídios, o setor continua sendo competitivo sem eles. Mas não é certo retirá-los apenas de parte e manter em outros setores”, disse. “Ninguém fala sobre fósseis, como os subsídios para carvão, que continuam sendo renovados, e também para gás natural. No caso do carvão, que responde por somente 1% da eletricidade gerada no país, os subsídios custam R$ 4 bilhões ao ano.” Rosana avalia que a proposta tem mérito por enfrentar temas há muito negligenciados, como o esforço para equilibrar os custos entre os diferentes atores do setor, a isenção de tarifa para famílias de baixa renda e consumo até 80 kWh/mês e descontos proporcionais para consumos a partir desse limite.
“Risco zero”
Explosão em plataforma da Petrobrás deixa 32 feridos
Defensores da exploração na bacia da Foz do Amazonas divulgam a tese de segurança total nas operações da Petrobras para minimizar os riscos do empreendimento. Dois novos episódios, em plataformas na Bacia de Campos , mostram mais uma vez como essa tese é furada. No último dia 21/4, uma explosão na plataforma PCH-1 deixou 32 trabalhadores feridos. Dez foram internados em hospitais no Norte Fluminense, um deles em estado grave. Além disso, um trabalhador caiu no mar e foi resgatado. Outra plataforma, a P-53, havia sido interditada dias antes pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), após uma auditoria identificar riscos ao meio ambiente e à vida dos trabalhadores.
Monitor do Fogo
Área queimada cai na Amazônia e aumenta no Cerrado
Foram queimados 774 mil hectares na Amazônia no primeiro trimestre deste ano, número que representa queda de 72% em relação ao mesmo período de 2024. Os dados são do Monitor do Fogo, do MapBiomas , que também identificou redução no avanço do fogo em biomas como Pantanal (86%) e Caatinga (8%). O panorama, porém, não se repetiu no Cerrado: foram queimados 91,7 mil hectares no bioma, aumento de 12% em relação ao primeiro trimestre de 2024. A área queimada é 106% superior à média histórica desde 2019.
“A redução expressiva da área queimada na Amazônia é uma boa notícia. Entretanto, é importante entendermos que a estação seca de 2025, que se aproxima, possivelmente ainda será forte, o que pode reverter essa condição de redução”, alerta Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam e coordenadora do Mapbiomas Fogo.
Atribuição de culpa
Cientistas apresentam método para rastrear responsáveis por dano climático
Em artigo publicado na Nature na última semana, cientistas afirmam que já é possível rastrear de forma segura a responsabilidade de grandes emissores de gases-estufa em desastres climáticos. A elaboração de um método científico que permita a chamada atribuição “de ponta a ponta”, ligando produtores de combustíveis fósseis a danos específicos causados pelo aquecimento global, é considerada um marco e abre espaço para a responsabilização judicial de poluidores climáticos. O estudo combinou análise de emissões de grandes empresas da indústria fóssil a métodos da ciência de atribuição (que determina a probabilidade de eventos extremos ocorrerem por causa do aquecimento global, ou de serem intensificados pelo fenômeno) revisados por outros cientistas e técnicas da chamada economia climática empírica.
Com isso, foi possível identificar perdas econômicas da ordem de trilhões de dólares atribuíveis ao aquecimento causado pelas emissões de empresas específicas. A norte-americana Chevron, que lidera o ranking de emissores, foi identificada com alto grau de probabilidade como responsável por perdas econômicas que vão de US$ 791 bilhões a US$ 3,6 trilhões no período de 1991 a 2020. O estudo destaca ainda que esses danos atingiram mais fortemente regiões tropicais do planeta, justamente as que menos contribuíram historicamente com a emissão de gases-estufa. “Estabelecer conexões quantitativas entre emissores individuais e danos específicos agora é viável, tornando a ciência um obstáculo superado à responsabilização judicial climática”, afirmam os autores.
Violência no campo
Número de conflitos é o segundo maior desde 1985, mas mortes caem
Em 2024, o Brasil teve 2.185 conflitos no campo, o segundo maior número desde 1985. Os dados são de relatório divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) na última semana. A cifra de 2024 só é menor que a de 2023, o ano mais violento da série histórica, com 2.250 casos. O aumento de conflitos na última década foi de 57%. Enquanto ameaças de morte (com 272 casos) e tentativas de assassinato (com 103) registraram aumentos de 24% e 43%, respectivamente, na comparação com 2023, o número de assassinatos caiu, atingindo em 2024 o menor nível da década, com 13 casos. A maior parte dos assassinatos ocorreu, segundo o relatório, em áreas de expansão do agronegócio, vitimando principalmente indígenas. A contaminação de pessoas por agrotóxicos, também mapeada como uma das formas de violência no meio rural, contabilizou 276 casos, o maior número da década. Houve alta ainda nos conflitos pela água, com 266 casos, um aumento de 16% em relação ao ano anterior. Leia o relatório aqui .
Legado ambientalista
O papa que mais fez pelo clima
Morto na última segunda-feira (21/4) aos 88 anos, Jorge Mario Bergoglio foi o primeiro papa do Hemisfério Sul e o que mais fez pelo clima. Em 2015 publicou a encíclica Laudato si’, a primeira sobre meio ambiente, com uma “abordagem integral para combater a pobreza, devolver dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza”. No documento, o papa Francisco critica padrões insustentáveis de produção e consumo, mostrando a Terra como ela é, finita. Parte do melhor conhecimento científico disponível para construir um alerta abrangente sobre a situação ambiental do planeta, em especial sobre a mudança do clima. E aponta a atividade humana como causa principal do aquecimento da Terra, que atinge sobretudo os mais pobres.
O texto teve papel relevante nos processos que resultaram na criação do Acordo de Paris no fim daquele ano. Apresentou de forma objetiva as causas da crise climática e apontou a necessidade de soluções urgentes baseadas na ciência para enfrentá-la – como o fim do uso de combustíveis fósseis. Em 2023, pouco antes da COP28 e sob o impacto de uma série de eventos climáticos extremos, Francisco publicou a Laudate Deum, uma continuação da encíclica de 2015. Na ocasião, alertou que “não temos reações suficientes enquanto o mundo que nos acolhe está desmoronando e talvez se aproximando de um ponto de ruptura”. Mais aqui .
Central da COP
Um plano nacional para identificar a procedência do gado e diminuir a grilagem
O mercado dos frigoríficos é um campeonato de várzea sem VAR onde mal temos informações sobre a procedência dos animais. As regras do campeonato da cadeia pecuária ainda não são claras, mas Aldrey Riechel e Mauro Armelin, da Amigos da Terra, afirmam que já temos tecnologia suficiente para resolver esses problemas. Eles citam, por exemplo, o Plano Nacional de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos (PNIB), que visa ter todo o rebanho brasileiro identificado individualmente até 2032. Isso pode ajudar, inclusive, a diminuir a emissão do setor agropecuário, que ocupa o segundo lugar no índice nacional, sendo responsável por 27,5% do que é emitido no país.
Uma mudança tática nas políticas de adaptação e mitigação às mudanças do clima
Times de futebol são divididos entre defesa e ataque. Já o mundo das mudanças climáticas tem as políticas de mitigação e adaptação. Ações de mitigação são geralmente mais vistosas, com grandes obras, e por isso se tornam as estrelas das campanhas eleitorais. Mas está hora de mudar isso, afirma Flavia Martinelli, especialista em mudanças climáticas do WWF-Brasil. Na COP30, a adaptação precisa ganhar os holofotes . É a vez de políticas como o replantio de florestas, a restauração de ecossistemas e a demarcação de terras indígenas.
Na playlist
Last Great American Whale , de Lou Reed.
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