Hoje é aniversário do OC. Há 22 anos, um encontro de 26 organizações da sociedade civil em São Paulo lançava a carta de princípios do que se tornaria uma rede de 107 ONGs e movimentos sociais, o principal coletivo do país no debate climático atualmente (pelo menos é o que a gente gosta de dizer por aí). E, como é aniversário, a gente queria pedir um presente. Aliás, dois, para abusar, mas não muito.
É o seguinte: tem um monte de gente ruim no Congresso, com apoio mais ou menos discreto de um monte de gente ruim no governo, a fim de destruir o licenciamento ambiental no Brasil. O licenciamento é a pedra angular da proteção ambiental no país; ele garante que empreendimentos econômicos que afetem a saúde, o meio ambiente e o clima precisem passar por uma avaliação de impacto ambiental e, no limite, sejam vetados – como a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, que alagaria terras indígenas e parques e sumiria com as corredeiras do afluente do Amazonas. A indústria e o agro querem eliminar a exigência de licença ambiental para a maioria dos empreendimentos no país, e planejam aprovar no Senado o PL 2.159, relatado pela ex-ministra de Jair Bolsonaro Tereza “Menina Veneno” Cristina (PP-MS). Nesta página você vai saber mais sobre o PL e pode escrever direto aos senadores pedindo que não aprovem essa sandice. Dá esse presente para a gente?
O outro mimo não é para agora. Em outubro tem eleição, como você sabe. E, como leitora desta newsletter, você também sabe que estamos numa p***** de uma emergência climática. Embora as políticas de corte de emissões sejam federais, é nas cidades que a luta pela adaptação ao clima é travada, e é também nas cidades que os impactos da crise são sentidos, como Petrópolis está mostrando no momento em que escrevemos este texto. Pergunte ao seu candidato a prefeito qual é o grau de prioridade do clima na agenda dele. E escolha outra pessoa caso a resposta não seja convincente.
Gratiluz,
Os aniversariantes
Branqueamento já atinge corais no Nordeste
Na newsletter anterior destacamos o alerta do Coral Reef Watch, da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (Noaa), sobre o quarto branqueamento de corais em massa no mundo. A atualização desta edição é que o bicho já começou a pegar nas águas brasileiras . Dados compilados pelo observatório americano mostram que, de sete áreas de recifes monitorados no Brasil, seis estão com algum tipo de alerta de branqueamento neste mês. Quando publicamos a reportagem, na noite de segunda-feira (18), Maracajaú, no Rio Grande do Norte, e Todos os Santos, na Bahia, apresentavam alerta de nível 2, o que significa que há um risco de branqueamento em todo o recife com mortalidade de corais sensíveis ao calor. Passados alguns dias, a Costa dos Corais, localizada em Pernambuco e Alagoas, se juntou à dupla. Fernando de Noronha, em Pernambuco, Abrolhos, na Bahia, e Trindade e Martins Vaz, no Espírito Santo, seguem com alerta de nível 1, ainda sem risco de mortalidade. O mundo está entrando na quarta pandemia de branqueamento, mas os corais brasileiros têm sido afetados por essa síndrome – causada por ondas de calor marinhas e que descolorem as colônias, podendo matá-las de fome – de forma recorrente neste século.
Final da onda de calor abre alerta para tempestades, alagamentos e deslizamentos
A sexta-feira começou com alerta de grande perigo para chuvas intensas no Sudeste. O mais alto grau de alerta na classificação do Instituto Nacional de Meteorologia, vigente da meia-noite de sexta-feira (22) até a manhã de domingo (24), engloba todo o estado do Rio de Janeiro, o litoral norte de São Paulo, o sul do Espírito Santo e de Minas Gerais. Após pressão de organizações da sociedade civil, o governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, decretou ponto facultativo no estado na sexta-feira.
Houve chuvas na capital e alerta de alto risco hidrológico nas cidades de Maricá, Niterói e São Gonçalo, com potencial para alagamentos e inundações. O governo do estado também reportou risco geológico alto para deslizamentos em Angra dos Reis, Maricá e São Gonçalo. O Cemaden-RJ colocou sob especial atenção a Petrópolis, na Região Serrana, e informou o transbordo do rio Quitandinha. Até o fechamento desta newsletter, a cidade já registrava 35 deslizamentos e três mortes. Em Arraial do Cabo, na Região dos Lagos, uma pessoa morreu após ser atingida por um raio.
Os temporais vêm na sequência da onda de calor que fez o Rio quebrar recordes e registrar sensação térmica de 60ºC no sábado passado. Na última quinta-feira, 14 crianças passaram mal em colégio municipal e foram hospitalizadas em Mangaratiba, na Costa Verde do estado, por causa do calor. As altas temperaturas também atingiram o Centro-Oeste e o Sul do Brasil. No Mato Grosso do Sul, a queda abrupta de temperatura – em Dourados, os termômetros caíram 17,3 °C em um intervalo de 30 minutos – foi seguida por uma tempestade de areia que encobriu quatro cidades ao sul e no centro do estado. No Rio Grande do Sul , os temporais que sucederam a onda de calor deixaram mais de 1 milhão de residências sem energia elétrica na quinta-feira.
*O número de mortes por causa das chuvas aumentou após o envio da newsletter. Foram registradas 19 no Espírito Santo e oito no Rio de Janeiro.
2023 estraçalha recordes e põe chefe da Nasa em pânico
Você já sabe o que aconteceu no ano passado, mas a Organização Meteorológica Mundial fez questão de repetir: 2023 foi um ano lazarento, de longe o mais quente da história. Com uma temperatura média global de 1,45ºC acima dos níveis pré-industriais (com margem de erro de 0,12ºC para mais ou para menos), o planeta chegou “perigosamente perto” do limite de 1,5ºC de aquecimento, determinado pelo Acordo de Paris. Se o ano tivesse começado em fevereiro ou março, teríamos ultrapassado 1,5oC. “Estou soando o alerta vermelho para o clima” , declarou a argentina Celeste Saulo, secretária-geral da OMM, ao lançar o apavorante relatório anual Estado do Clima 2023.
Não foi só Saulo quem entrou em pânico. O climatologista britânico Gavin Schmidt, chefe do Centro Goddard de Estudos Espaciais, da Nasa, publicou um artigo de opinião na revista científica Nature levantando uma hipótese arrepiante sobre a elevação extrema de temperatura de 2023. Segundo Schmidt, que é o guardião de uma base de dados mensais de temperatura global que começa em 1880, nenhum fator isolado – vulcões ou aerossóis, por exemplo – ou nenhuma soma de fatores explica a elevação brutal das temperaturas do oceano no mundo inteiro antes do começo do El Niño de 2023. Ele afirma que o que pode estar acontecendo é uma “lacuna de conhecimento sem precedentes” sobre o estado do clima. Ou seja, estamos em mares nunca antes navegados. “Poderia significar que o planeta já está alterando fundamentalmente a maneira como o sistema climático opera, muito antes do que os cientistas anteciparam.” Apertem os cintos.
Calor extremo pode derreter PIB global em US$ 24 tri
As altas temperaturas nos perseguem e podem balançar com força o PIB global. Um estudo publicado na revista Nature diz que, em 2060, podemos ter uma perda entre US$ 3,75 trilhões, se segurarmos o aumento da temperatura em 1,5 °C, e US$ 24,7 trilhões, se deixarmos os termômetros dispararem. O estudo analisou o impacto do estresse térmico nos sistemas socioeconômicos, incluindo perda de saúde, diminuição da produtividade diária e perdas indiretas devido à estagnação da produção. Tudo por causa das ondas de calor extremo. Leia mais aqui .
Câmara libera desmate em 48 milhões de hectares
O Congresso brasileiro não dorme em serviço quando o assunto é piorar a política ambiental. A rasteira da vez foi na quarta-feira (20), quando a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, por 38 votos a 18, o substitutivo ao PL 364/19, que elimina a proteção ambiental da vegetação nativa em “áreas não-florestais”. Isso significa que cerca de 48 milhões de hectares de campos naturais e outros tipos de vegetação poderão ficar disponíveis para a expansão agrícola. Agora, o projeto deve ser votado direto no Senado, a não ser que seja aprovado um recurso para passar primeiro pelo plenário da Câmara. Durante a votação na CCJ, a bancada ruralista argumentou que nenhuma árvore será derrubada. O texto, no entanto, mostra que há brechas para desmatamento. Leia mais aqui .
Senador usa estudo perdido para defender Ferrogrão
Defendendo a construção da Ferrogrão – ferrovia de quase mil quilômetros que ligaria Sinop, em Mato Grosso, aos terminais graneleiros de Miritituba, em Itaituba (Pará) – Zequinha Marinho (Podemos-PA) destacou na semana passada seu caráter “verde”. Em discurso no plenário do Senado, afirmou que o empreendimento “reduziria em 77%” as emissões de CO2 na região. Fakebook.Eco checou a declaração e mostrou que dados apresentados pelo senador são inverificáveis (o estudo que supostamente os embasaria está, segundo o governo, “perdido”). Além disso, mesmo se corretos, não permitiriam a conclusão de que a construção da ferrovia reduziria emissões – que, na verdade, aumentariam por conta do desmatamento induzido pelo empreendimento na região. Veja a checagem completa aqui .
Brasil está entre 5 maiores fornecedores de óleo a Israel
Apesar das declarações contundentes de Lula contra o massacre promovido pelo governo de Israel na Faixa de Gaza, o petróleo brasileiro segue abastecendo a máquina de guerra de Benjamin Netanyahu . Levantamento da Oil Change International revelou que o Brasil é um dos cinco maiores fornecedores de óleo cru a Israel, juntamente com Estados Unidos, Azerbaijão, Cazaquistão, Gabão e Rússia. Um dos dez maiores produtores de petróleo do mundo, o Brasil enviou 260 mil toneladas de óleo a Israel em dois carregamentos, um em dezembro de 2023 e outro no mês passado. O óleo é proveniente de campos no mar da britânica Shell e da francesa Total Energies em parceria com a Petrobras. Como um importante fornecedor de petróleo, o Brasil tem a oportunidade de pressionar por um cessar-fogo embargando o fornecimento de combustíveis fósseis, utilizados para abastecer a frota militar do país, apontou a análise.
Países ricos criticam plano da troika sobre financiamento climático
A troika de presidências de COPs formada por Emirados Árabes, Azerbaijão e Brasil aproveitou a reunião ministerial de clima que aconteceu nesta semana em Copenhague para mandar aos países signatários do Acordo de Paris uma carta delineando a visão do grupo para o trabalho de aumentar a ambição das metas nacionais (NDCs) daqui até a COP do Brasil, no ano que vem. O documento coloca o financiamento como condição primordial das NDCs e diz que a ambição das metas dos países ricos será medida pelo apoio financeiro dado aos países em desenvolvimento. Teve gente no Norte global que não gostou. Segundo a Argus , EUA, Bélgica e Reino Unido se disseram “surpresos” pelo pleito. Os americanos declararam que a visão da troika poderia ser “altamente prejudicial” às negociações. “O financiamento das NDCs está previsto no Artigo 3o do Acordo de Paris. Alguns reclamaram, porque estão acostumados a dizer o que os outros devem fazer e não o que eles têm de fazer e não estão fazendo”, devolveu um negociador do G77, o bloco dos países em desenvolvimento.
STF diz que caos ambiental de Bolsonaro ainda não acabou
Decisão histórica do Supremo Tribunal Federal reconheceu, no último dia 14 de março, que o governo Bolsonaro promoveu um estado de coisas inconstitucional na Amazônia, violando direitos socioambientais. A sentença foi resultado da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 760, que contestava o desmonte promovido pelo governo anterior e exigia uma série de medidas para seu restabelecimento. O Supremo determinou medidas quanto à redução efetiva do desmatamento na Amazônia Legal, a fiscalização e investigação de infrações ambientais, o fortalecimento institucional e transparência dos órgãos ambientais e o monitoramento e prestação de contas das políticas públicas. As medidas, a partir de agora, são expressamente determinadas como políticas de Estado, que devem ser necessariamente cumpridas pelos governos. Mais aqui .
Na playlist
Rio, 40 Graus, de Fernanda Abreu , que, segundo as internetes, anda precisando de um título novo.
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O post “Na newsletter: Calor, Petrópolis, corais morrendo e tretas da troika” foi publicado em 25/03/2024 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima