“O Brasil está pronto. Belém está pronta”.
Os slogans no material institucional da COP30 soaram como a mais freudiana das negações na última quinta-feira (19/6), quando o governo brasileiro apresentou os planos de logística diante de delegados de outros países e da sociedade civil numa plenária cheia na conferência do clima de Bonn, na Alemanha. Conforme foi ficando claro à medida que o presidente da COP, André Corrêa do Lago, e o secretário extraordinário da Casa Civil para a COP30, Valter Correia, respondiam a perguntas da plateia, a cidade-sede não está nada pronta – a menos de cinco meses da COP.
Na primeira semana da conferência de Bonn, a logística de Belém ocupou um espaço desproporcional nas preocupações dos delegados. O preço das escassas acomodações disponíveis, que pode ultrapassar R$ 10 mil por noite, tem feito países ricos, pobres e remediados ameaçarem reduzir a participação na COP. O Brasil ouviu sermões de diplomatas e da sociedade civil, em público e nos bastidores, e não conseguiu tranquilizar muita gente. Corrêa do Lago admitiu atraso em resolver a “falha de mercado” dos valores da hospedagem e garantiu que Belém teria acomodação decente para todos a preços proporcionais. Correia arrancou sorrisos amarelos ao dizer que o aeroporto de Belém tinha voos internacionais diretos para… Caiena (Guiana Francesa) e Paramaribo (Suriname).
O rolo com a hospedagem não foi a única atitude de Verleugnung da presidência da COP na conferência da Alemanha. O Brasil talvez tenha achado que países como a Índia, atropelados no ano passado em Baku pelo resultado catastrófico na meta de financiamento, não aprontariam uma quizumba este ano assim que as negociações recomeçassem. Mas a Bolívia, em nome dos indianos e de outros países em desenvolvimento, sequestrou a agenda de Bonn e impediu o início da conferência por dois dias ao exigir que se discutisse a obrigação dos países ricos em prover financiamento climático público para os pobres. O tema do dinheiro, fantasma de Baku, veio assombrar Bonn com força total, e ameaça irromper também em Belém. Agora é torcer para ele não encontrar hotel.
Boa leitura.
Brasil vira alvo por preço de hotel em Belém
A menos de cinco meses da COP30, ONGs e negociadores criticam país-sede da conferência por diárias absurdas e falta de acesso a opções de hospedagem
Além do fantasma de Baku, a conferência de Bonn, na Alemanha, foi marcada nesta semana por críticas de representantes da sociedade civil e negociadores de vários países sobre os altos preços e a falta de opções de hospedagem em Belém durante a COP30, que será realizada em novembro.
O governo federal fez o que faz desde fevereiro : anunciou que lançará em breve uma plataforma oficial de acomodação – a nova data é até o fim deste mês – povoada com apenas 2,5 mil quartos no primeiro lote.
Em reunião em Bonn sobre a logística da COP30, o secretário extraordinário da Casa Civil para a COP30, Valter Correia, afirmou que serão disponibilizados 29 mil quartos e 55 mil leitos.
Segundo ele, a maior parte das opções será de aluguéis de curto prazo, que somam 16,5 mil quartos e 25 mil leitos. “Além disso, duas embarcações de cruzeiro estarão disponíveis para reservas até o final de junho, totalizando 3.882 cabines e cerca de 6 mil leitos.”
O objetivo declarado é garantir preços “proporcionais” em torno de US$ 100 (cerca de R$ 550) por diária.
“A questão do alojamento não é apenas logística. Ela é, fundamentalmente, uma questão de inclusão”, disse Tasneem Essop, diretora executiva da CAN (Climate Action Network) International, que representa mais de 1.300 organizações da sociedade civil.
Representantes de delegações reconheceram a importância da escolha de Belém, mas afirmaram que a situação atual ameaça a participação, principalmente de países em desenvolvimento. Até a representação da União Europeia manifestou preocupação em relação aos preços na reunião.
Apesar do protagonismo da agenda de logística nas discussões sobre a COP30, Correia disse que uma intervenção no mercado imobiliário “jamais foi cogitada”.
“Nunca falamos que alguém deverá dividir, não vamos fazer essa afirmativa, isso é opcional. Quando falamos que vamos garantir hospedagem para todos os delegados, todos os participantes, nós estamos afirmando isso. Só não colocamos no ar a plataforma ainda porque estamos aprimorando os mecanismos para oferecer os preços mais acessíveis”, alegou Correia.
“O presidente Lula acredita que a dimensão simbólica do local é mais importante do que alguns dos obstáculos que teremos que superar nos próximos meses. De qualquer forma, gostaria também de reforçar que a cidade estará especialmente preparada nesse momento. Haverá férias escolares e no serviço público durante o período da COP. Isso também ajudará bastante na questão da circulação”, disse o embaixador Corrêa do Lago.
Guerra de agenda
Fantasma de Baku ronda Bonn e trava início da conferência
A tentativa de incluir temas na agenda de discussões travou os dois primeiros dias da Conferência de Bonn (Alemanha) e fez reviver temores sobre o “fantasma de Baku”. A expressão se refere ao risco de se repetir na COP30 em Belém o desfecho frustrante da negociação sobre financiamento da COP29, realizada em novembro de 2024 na capital do Azerbaijão. Liderado pela Bolívia, o grupo de países conhecido pela sigla LMDC (do inglês Like-Minded Developing Countries) propôs e obteve apoio do G77+China (maior grupo negociador, que reúne todos os países em desenvolvimento) para manter na pauta oficial os tópicos do financiamento climático e das chamadas “medidas unilaterais”.
A inclusão dos tópicos contraria o que o presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, havia pedido em sua terceira carta à comunidade internacional, focada nos preparativos para os debates na Alemanha. No documento, ele defendeu que o evento fosse centrado em “ampliar a ambição e a implementação”. Após dois dias de intensos debates, os trabalhos começaram. O nó foi parcialmente desfeito com o compromisso de que os temas propostos, embora não incluídos na agenda oficial, sejam discutidos de forma mais profunda ao longo das duas semanas. Leia mais no site do OC .
Verba volant
Quarta carta da presidência da COP30 desenha Agenda de Ação
O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, lançou na sexta-feira (20/6) em Bonn sua quarta carta aos países delineando as estratégias para a conferência de Belém. A nova missiva tratou da Agenda de Ação, como são chamados os compromissos voluntários que o país anfitrião promove em toda conferência do clima. Por sua natureza, esses compromissos nem sempre são seguidos pelos países e empresas, ninguém cobra nada e fica por isso mesmo. O Brasil quer mudar o status da Agenda de Ação e transformá-la num instrumento de implementação do Balanço Global do Acordo de Paris, em temas difíceis de avançar nas negociações formais, como a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. Serão 30 objetivos reunidos em seis eixos: transição na energia, indústria e transporte; manejo de florestas, oceanos e biodiversidade; transformação da agricultura e dos sistemas alimentares; construção de resiliência em cidades, infraestrutura e água; promoção do desenvolvimento humano e social; e temas transversais, como tecnologia e capacitação.
Balanço Antiético
Sob protestos, governo leiloa 19 blocos na Foz do Amazonas
Às vésperas da COP30 e diante de protestos no Brasil e no exterior, a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) concedeu 19 áreas para exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas em megaleilão realizado na última terça-feira (17/6). Foram arrematados 40% dos 47 blocos ofertados na nova fronteira exploratória. O megaleilão ofereceu blocos em outras quatro bacias sedimentares, além da Foz do Amazonas. Do total de 172 blocos, 34 (20%) foram arrematados, rendendo quase R$ 1 bilhão.
Manifestantes protestaram em frente ao hotel onde o pregão foi realizado, no Rio de Janeiro. Na Conferência de Bonn, a venda dos blocos de exploração também foi alvo de manifestação organizada por 350.org, Oil Change International, Coiab e OC. Trata-se de “dupla sabotagem”, disse o coordenador de Política Internacional do OC, Claudio Angelo: “As emissões resultantes da exploração desses blocos podem chegar a 11 bilhões de toneladas de CO2 equivalente, o que é aproximadamente duas vezes o que os EUA emitem anualmente. A outra sabotagem é contra os diplomatas do meu país, que estão aqui em Bonn tentando unir o mundo para resultados ambiciosos na COP de Belém”.
Na mesma manhã do leilão, o governo brasileiro apresentou em Brasília o Balanço Ético Global (BEG), “um chamado mundial à ação climática rumo à COP30”, que diz: “Nenhuma solução técnica pode ser verdadeiramente eficaz sem uma mudança de comportamentos e trajetórias coletivas.” Mais aqui .
Ativos encalhados
Estudo aponta risco financeiro em planos de expansão da Petrobrás
Mau negócio comprovado em termos ambientais, o apetite da Petrobras por novas áreas para a extração de petróleo e gás também poderá se revelar um desastre financeiro. É o que afirma o relatório “O Brasil em uma encruzilhada: Repensando a expansão de petróleo e gás da Petrobras”, lançado neste mês pelo Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD, na sigla em inglês), a World Benchmarking Alliance (WBA) e o WWF-Brasil. De acordo com o documento, até 85% da extração prevista pela companhia não seria viável economicamente em um cenário em que o Acordo de Paris seja cumprido, ou seja, com a manutenção do limite de 1,5°C de aquecimento até 2100. “Os empreendimentos de maior risco da Petrobras só gerariam lucro se as temperaturas globais subissem 2,4°C ou mais – bem além dos limites climáticos acordados internacionalmente”, afirmam as entidades. Leia mais aqui .
Novo anormal
Maio é o segundo mais quente da história, diz Copernicus
Maio de 2025 foi o segundo mais quente já registrado, de acordo com o Copernicus, observatório climático da União Europeia. O boletim divulgado no dia 11/6 apontou que a média global ao longo do mês ficou apenas 0,12°C mais fria do que o recorde de maio de 2024. A temperatura média global do ar na superfície foi de 15,79°C, ou 1,40°C acima da média do período pré-industrial (1850-1900). Foi apenas a segunda vez nos últimos 23 meses em que o aquecimento global ficou abaixo de 1,5°C, o limite estabelecido pelo Acordo de Paris. Segundo o diretor do Copernicus, Carlo Buontempo, a quebra dessa sequência pode até significar um “alívio” para o planeta, mas não muda as projeções de agravamento da crise. “Esperamos que o limite de 1,5ºC seja excedido novamente em um futuro próximo devido ao aquecimento contínuo do sistema climático”, alertou.
Novo anormal 2
Nível do mar pode subir de forma abrupta em cenário semelhante ao atual
No ritmo atual de aquecimento do planeta, o nível do mar poderá subir mais rápido e mais alto do que apontam as previsões mais pessimistas. O alerta vem de uma pesquisa inédita que analisou marcas deixadas há centenas de milhares de anos em fósseis de coral das Ilhas Seychelles, no Oceano Índico. De acordo com o trabalho, publicado na revista Science Advances, o planeta poderá experimentar um aumento abrupto de até 10 metros no nível médio do mar em um cenário de aquecimento sem controle.
Os pesquisadores analisaram duas dúzias de fósseis de coral em diversas elevações, além de sedimentos no entorno, e assim determinaram o pico dos níveis globais do mar entre 122 e 123 mil anos atrás. O recorte coincide com o período Eemiano (ou Último Interglacial), no qual as temperaturas médias globais estavam muito próximas às atuais. Assim, os cientistas puderam traçar paralelos mais precisos entre o clima e os níveis do mar.
Conta mais cara
Congresso derruba parte de vetos de Lula ao PL das eólicas offshore
O Congresso derrubou, na última terça-feira (17/6), parte dos vetos do presidente Lula ao Marco Regulatório da Energia Offshore. Ao sancionar a Lei 15.097, em janeiro deste ano, Lula havia vetado artigos que aumentam os custos da energia elétrica e obrigam a contratação de termelétricas a carvão e gás. Os chamados jabutis – temas estranhos à matéria inicial – incluídos na tramitação do projeto foram criticados pelo Observatório do Clima e pela Coalizão Energia Limpa. “Originalmente concebido como um marco para a transição energética nacional, o projeto foi alterado por emendas prejudiciais que comprometem a sustentabilidade do setor energético e aumentam as emissões de gases de efeito estufa”, alertaram as organizações.
A votação no Congresso derrubou parte dos vetos de Lula. Os relacionados às usinas térmicas a carvão e gás ainda não foram analisados. No entanto, deputados e senadores mantiveram na lei a obrigação da contratação de Pequenas Centrais Hidrelétricas e a extensão dos contratos de compra de energia do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica. Projeções de especialistas indicam que as alterações podem gerar um custo adicional de até R$ 658 bilhões, ou cerca de R$ 25 bilhões por ano, resultando em um aumento de 11% nas contas de luz.
Abastecendo o genocídio
OC pede a Lula suspensão imediata da exportação de petróleo a Israel
Após a interceptação ilegal, pela Marinha israelense, da embarcação Madleen, que levaria ajuda humanitária à Faixa de Gaza, o Observatório do Clima pediu ao presidente Lula que determine a suspensão imediata da exportação de petróleo a Israel. Em nota, o OC reconheceu que a reação do presidente à prisão dos ativistas foi correta, mas apontou que Lula “pode e deve fazer mais”. Apesar de o presidente ter condenado em diversas ocasiões o genocídio israelense na Faixa de Gaza, o petróleo exportado pelo Brasil e por outros países continua a abastecer a máquina de guerra de Benjamin Netanyahu. Em agosto de 2024, análise da organização Oil Change International mostrou que o Brasil foi um dos cinco maiores fornecedores de petróleo cru a Israel. “O petróleo que polui o planeta também ajuda a causar o massacre ao povo da Palestina. Não existe justiça climática sem proteção aos direitos humanos”, afirmou o OC. Leia aqui a nota do OC e aqui a reportagem sobre a detenção de Greta Thunberg, do brasileiro Thiago Ávila e mais 10 ativistas da Flotilha da Liberdade por Israel.
Central da COP
Sábado é dia de clássico
Central da COP estreia coluna semanal no jornal “O Globo”
Desde o último dia 14, a Central da COP passou a contar com uma coluna semanal , aos sábados, no jornal “O Globo”. A novidade é mais um passo do Observatório do Clima para aproximar o debate sobre mudanças climáticas do grande público. A coluna, de notas, trará informações de bastidores sobre temas variados, como a COP30, os projetos de lei em tramitação no Congresso, os leilões de petróleo da ANP e a política climática em geral, aqui e no mundo. E, claro, ela segue com o caráter colaborativo do site, baseando-se, sempre que possível, nos textos publicados pela própria rede. Mais informações aqui .
Greta, Gaza e a COP30
Dois fatos escancarados pela Flotilha da Liberdade
No dia 9 de junho, a embarcação Madleen foi interceptada por Israel em águas internacionais – um crime – enquanto rumava à Faixa de Gaza, em uma missão humanitária, levando remédios e comida. Estavam a bordo o brasileriro Thiago Ávila e a sueca Greta Thunberg, possivelmente a maior liderança climática da nossa era. O ato trouxe à tona dois fatos. O primeiro: que não existe mais ativismo climático sem ativismo humanitário. O segundo: que a ONU que falha na Palestina é a mesma que falha no clima . O texto é de Jonaya de Castro, do Instituto Lamparina.
Faça NDC, não faça guerra
Não há solução para o clima sem solução para a paz
A possível retirada dos Estados Unidos de Donald Trump das negociações do clima e o risco de que outras nações, como a Argentina de Milei, sigam o mesmo caminho, ameaçam os resultados da COP30 e o futuro do planeta. Para piorar, o aumento do número de guerras (ou genocício, a depender do caso) drena para a indústria bélica os recursos que poderiam ser investidos no desenvolvimento sustentável e no combate à miséria. Daí o apelo de Márcio Santilli, do Instituto Socioambiental: façam NDC, não façam guerra . Não se resolve a emergência do clima sem se que se busque a paz.
Na playlist
Talkin to the Trees , nova de Neil Young, esperando pela resposta, esperando o mundo mudar.
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O post “Na newsletter: Brasil vira alvo por preço de hotel em Belém, fantasma de Baku ronda Bonn e mais” foi publicado em 25/06/2025 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima