Sete de Setembro foi dia de fogos. Não os de artifício para comemorar o bicentenário da Independência, mas os fogos da derrubada da floresta amazônica para dar lugar a pastagens e garantir posse de terras públicas, um hábito mantido desde antes do grito de Dom Pedro I e que só ganhou voracidade nos últimos anos.
Na Semana da Pátria, enquanto paraquedistas pendiam como estranhos frutos de árvores em Copacabana e Jair Bolsonaro arregimentava seus fanáticos para um comício de dia inteiro (transmitido ao vivo pelas TVs e prestigiado pelo presidente de Portugal), a Amazônia ardia. O número de focos de queimada nos primeiros sete dias de setembro já era 10% maior do que em todo o mês de setembro do ano passado
A fumaça atravessou o país e chegou a São Paulo, ao Paraná e à Bolívia. Nesta sexta-feira (9), o Inpe divulgou os números chocantes, mas não surpreendentes, dos alertas de desmatamento em agosto: um aumento de 81% em relação ao ano passado. No Cerrado, o número de alertas foi o segundo maior da série histórica para o mês, perdendo apenas para o recorde de 2019, também sob Bolsonaro.
E, se alguém ainda acha que a destruição é um preço justo a pagar por emprego, renda e desenvolvimento, dois dados publicados nesta semana dão a real: o Brasil caiu três posições no IDH no ano passado (além das cinco que já havia caído em 2019, antes da pandemia), mostrou o Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). E um estudo na revista Science mostrou que no mínimo um terço da área desmatada no mundo tropical não é usada para produção agropecuária – ou seja, é pura especulação com terra.
Boa leitura.
DIA DO FOGO, “RELOADED”
O desmatamento em agosto aumentou 81% em relação ao mesmo mês de 2021 e é o segundo maior da série histórica iniciada em 2015, perdendo apenas para o recorde no primeiro ano de mandato de Jair Bolsonaro, apontou nesta sexta-feira (9/9) o sistema Deter, do Inpe . Os satélites registraram a derrubada de 1.661 km2, ante 918 km2 em agosto do ano passado. Nos quatro anos do governo Bolsonaro o desmatamento no mês de agosto foi 133% maior do que no mesmo período dos quatro anos anteriores.
Como o desmatamento na Amazônia é medido de agosto de um ano a julho do ano seguinte, a série de dados de 2023 começa com alta – e a conta será do próximo Presidente da República. A persistir a tendência, ele herdará de Bolsonaro cinco meses de descontrole e terá problemas sérios para reduzir o desmatamento no primeiro ano de mandato. No Cerrado, o desmatamento aumentou 14% em agosto, chegando a 452 km2.
Ao “Baile da Ilha Fiscal” do desmatamento somam-se as queimadas, que voltaram a assolar com força a região amazônica. O número de focos registrado pelo Inpe em agosto (33.116) foi o maior para o mês em 11 anos. Houve alta de 7% em relação a agosto de 2019, quando o infame episódio do “Dia do Fogo” botou o Brasil no centro de uma crise internacional.
Já a área queimada em agosto foi de 24.066 km2, um aumento de 30% em relação a igual período do ano passado e a segunda maior desde a seca recorde de 2010 (perdendo apenas para 2019, primeiro ano de Bolsonaro).
Em setembro, o número de focos de incêndio detectados pelo Inpe em apenas nove dias já é 29% maior do que o de todo o mês de setembro do ano passado. A média nos nove dias é de 2.400 focos, marca que supera o “Dia do Fogo” de agosto de 2019, quando fazendeiros bolsonaristas articularam queimadas em série na Amazônia.
Como mostrou o OC nesta quarta (7/9) , o Ibama havia executado até 5 de setembro apenas 37% do orçamento disponível para prevenção e controle de incêndios florestais. O auge de queimadas não ocorreu por obra divina.
Apesar dos dados alarmantes de desmatamento e queimadas (e da inação imposta aos órgãos ambientais), o governo continua mentindo: em vídeo divulgado no Dia da Amazônia, afirma que houve “reforço da fiscalização”. O Fakebook.eco já mostrou que isso é falso: os autos de infração aplicados pelo Ibama por crimes contra a flora na Amazônia Legal caíram 51% sob Bolsonaro: a média mensal de janeiro a junho no período de 2015 a 2018 (governos Dilma e Temer) foi de 2.348, ante média de 1.146 de janeiro a junho de 2019-2022 (governo Bolsonaro).
Enquanto o desmatamento come a floresta, a fumaça de queimadas criminosas avança para o sul/sudeste e atinge outros países, como Bolívia e Peru. “A Amazônia nunca queimou tanto em uma Semana da Pátria quanto agora, com exceção de 2007, que foi um ano muito seco”, diz Ane Alencar , diretora de Ciência no IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e coordenadora do MapBiomas Fogo .
AGROPECUÁRIA CAUSA MAIS DE 90% DO DESMATAMENTO EM TODO O MUNDO TROPICAL
Um estudo publicado nesta quinta-feira na revista científica Science aponta que entre 90% e 99% de todo o desmatamento nos trópicos é causado direta ou indiretamente pela agropecuária. No entanto, no máximo dois terços disso de fato resultam em expansão da produção agrícola nas terras desmatadas. Ou seja, o agro está acabando com as florestas tropicais do planeta essencialmente para nada, ou para especular com terra. No Brasil, mais de 98% do desmatamento tem como vetor a agropecuária. Descontadas as áreas de pasto degradado, o total destinado à produção fica em 55%. “Ou seja, boa parte do desmatamento é puro desperdício de capital natural”, diz Tasso Azevedo, um dos autores brasileiros do estudo. Leia aqui .
UM TERÇO DO DESMATE NO BRASIL OCORREU NOS ÚLTIMOS 37 ANOS
Entre 1985 e 2021, o Brasil perdeu 13,1% de vegetação nativa, entre florestas, savanas e outras formações não florestais. Esse território foi ocupado pela agropecuária, que agora responde por um terço do uso da terra no Brasil. Os dados são da Coleção 7 do MapBiomas, lançada no ultimo dia 26, com dados que vão de 1985 até 2021. Entre as principais constatações do consórcio de monitoramento por satélite está o fato de que as alterações causadas pela ação humana nos últimos 37 anos correspondem a um terço (33%) de toda a área antropizada do país desde o Descobrimento. Nesse período, o Brasil passou de 76% de cobertura da terra de vegetação nativa (florestas, savanas e outras formações não florestais), para 66%. Por outro lado, a área ocupada por agropecuária cresceu de 21% para 31% do país, com destaque para o crescimento de 228% das áreas de agricultura e que agora representam 7,4% do território nacional. Leia aqui e explore a plataforma do MapBiomas aqui .
DESMATAMENTO AQUECEU E SECOU O CERRADO
Menos popular que o Dia da Amazônia, o Dia do Cerrado é comemorado amanhã (11) com mais uma péssima notícia para o bioma mais velozmente destruído do Brasil. Um estudo publicado na revista Global Change Biology pelas ecólogas Mercedes Bustamante e Ariane Rodrigues, da Universidade de Brasília, mostrou que o desmatamento já aqueceu o território em 1oC e reduziu em 10% a evapotranspiração, ou seja, a capacidade de as plantas bombearem umidade para a atmosfera. Os detalhes estão em reportagem de O Globo .
Para quem mesmo assim sentir vontade de celebrar a resistência da savana mais biodiversa (e, na modesta e assumidamente enviesada opinião dos autores desta newsletter, mais bonita) do planeta, a campanha #VotePeloCerrado realizará atividades no domingo na maior cidade do bioma, Brasília.
ARTISTAS SE UNEM À SOCIEDADE CIVIL NO DIA DA AMAZÔNIA
Na última segunda-feira foi celebrado o Dia da Amazônia, com uma nova reunião entre artistas e sociedade civil para mobilizar a sociedade para os riscos que a maior floresta tropical da Terra corre. A Virada Cultural Amazônia de Pé realizou mais de 600 atividades no país inteiro, incluindo shows em oito capitais no domingo. No Rio de Janeiro, onde Geraldo Azevedo foi a grande atração, dezenas de artistas compareceram à Casa Amazônia Livre, onde gravaram um vídeo defendendo o voto consciente pela floresta .
ÁSIA VIVE MEGAENCHENTE E MEGA-SECA AO MESMO TEMPO
Trinta e três milhões de pessoas atingidas, um terço do território inundado, mais de 1.200 mortos, 3 milhões de crianças em situação de risco. Esses eram até a semana passada alguns dos números da catástrofe climática que atinge o Paquistão. Desde junho, chuvas quase três vezes mais intensas que a média dos últimos 30 anos castigam o país, causando enchentes devastadoras. No mesmo continente asiático, a China registrou o que pode ter sido a onda de calor mais extensa e mais duradoura da história humana, que se estendeu por mais de dois meses. Leia aqui.
O post Na newsletter: Amazônia tem sete “dias do fogo” na Semana da Pátria apareceu primeiro em OC | Observatório do Clima .
O post “Na newsletter: Amazônia tem sete “dias do fogo” na Semana da Pátria” foi publicado em 12th September 2022 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima