O valentão venceu. Na última semana, Donald Trump mostrou ao mundo que sua loucura tem método e conseguiu, com ameaças de tarifaços irracionais por motivos fúteis (soltar bandido) ou mentirosos (déficits comerciais inexistentes), forçar o mundo democrático a capitulações em série, sob o eufemismo de “acordos”. De longe a mais vergonhosa foi a da União Europeia, ameaçada de 30%, que ficou com uma tarifa geral de 15% (mais do que o quádruplo da média praticada pelos EUA com produtos europeus) e foi forçada a engolir US$ 750 bilhões de importações de gás fóssil de folhelho produzido em excesso pelos americanos.
Chamado de “submissão” pelo primeiro-ministro da França, François Bayrou, o dito “acordo” firmado com Trump pela líder da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, deve retardar a desfossilização da economia do bloco e tende a ter efeitos diversos sobre o papel da UE nas negociações do Acordo de Paris – a Europa está atrasada com a publicação de sua meta climática para 2035. De saída, tende a arrefecer o ímpeto europeu de impor taxas de ajuste de fronteira para produtos intensivos em carbono a partir de 2026. O mecanismo, conhecido como CBAM, tem severa oposição de China e Índia, e foi usado por esta última como desculpa para adiar o início da conferência do clima de Bonn em junho. Com Trump decretando essencialmente, nas palavras do economista queniano Jason Braganza, “o fim do livre-comércio”, e com os EUA se mostrando hater em vez de fã do bloco, a UE tenderá a ser menos seletiva com o que compra, e o clima que se arranje.
Por outro lado, o aperto adicional imposto pelos EUA à economia e aos empregos europeus com o “tarifacinho” tende a limitar ainda mais a vontade da UE de ter um papel construtivo no tema do financiamento climático na COP30 – que, como você lerá nesta edição da newsletter, viu nesta semana a explosão da bomba-relógio da logística, com consequências ainda imprevisíveis.
Boa leitura.
Preços abusivos de hotéis em Belém detonam crise a 100 dias da COP30
Delegações cobram medidas e já pressionam governo brasileiro a tirar conferência do clima da capital do Pará
A 100 dias da COP30, a bomba-relógio provocada pela falta de infraestrutura e pelos preços abusivos de hotéis em Belém explodiu. Chefes de delegações de 27 países enviaram uma carta ao secretário extraordinário da COP30, Valter Correa, e ao secretário executivo da Convenção do Clima da ONU, Simon Stiell, relatando grande preocupação com a persistente falta de acomodações acessíveis e adequadas para todas as delegações durante a conferência, em novembro. O grupo pressiona o governo a tirar pelo menos parte da COP30 de Belém.
Stiell também escreveu uma carta para o governo brasileiro clamando de forma veemente por um plano de correção de rota. Ele pediu a presença do ministro Rui Costa (Casa Civil) na reunião de emergência convocada pelo escritório climático da ONU para tratar dos preços de hotéis em Belém, realizada na última terça-feira (29/7). A reunião teve a participação de Miriam Belchior, secretária-executiva da Casa Civil.
Três grupos de países – africanos, da América Latina e nações insulares – já defendem que a COP não ocorra em Belém, em razão dos preços absurdos, sob alegação de que as delegações de países mais pobres não poderão vir. “A chave para o sucesso é a inclusão”, dizem na carta .
Além dos grupos de Negociadores Africanos e de Países Menos Desenvolvidos, também assinam o documento nações como Áustria, Bélgica, Canadá, República Checa, Finlândia, Holanda, Noruega, Suécia e Suíça.
O texto celebra a escolha de Belém (“aplaudimos a decisão do presidente Lula de trazer líderes globais para Belém e aproximá-los das realidades das mudanças climáticas) e reconhece o trabalho para realizar o evento, mas afirma: “mais importante ainda, essas delegações não têm a possibilidade de reduzir o tamanho de suas equipes sem prejudicar sua capacidade de representar seus interesses no processo”.
A carta também ressalta a necessidade de que a sociedade civil e jovens sejam incluídos em medidas que garantam acomodações adequadas a preços justos. “Se essas condições não puderem ser atendidas para todos que precisam estar em nossas negociações multilaterais, não teremos chance de obter um resultado bem-sucedido.”
O objetivo é alinhar os preços para delegações de países mais pobres, africanos e nações insulares ao subsídio diário de US$ 164 que recebem, além de torná-los aceitáveis para países mais ricos. “Somos todos funcionários públicos, responsáveis perante os contribuintes, e não podemos justificar gastar o equivalente a uma renda anual para participar da COP.”
Em meio à pressão internacional, os organizadores da conferência lançaram para o público geral nesta sexta (1/8) a plataforma oficial de hospedagens que é prometida desde fevereiro. Consulta feita pela Folha mostra, porém, que menos de 10% dos quartos disponibilizados estão abaixo de US$ 600 (R$ 3.322). Pouco depois de ser lançado, o site da plataforma caiu, supostamente pelo excesso de buscas.
O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, disse ao G1 que os hotéis em Belém estão cobrando mais de dez vezes os preços normais, quando em outras cidades que receberam COPs passaram a pedir o dobro ou o triplo, no máximo. “Há uma sensação literalmente de revolta dos países por essa insensibilidade, sobretudo por parte dos países em desenvolvimento, que estão dizendo que não poderão vir à COP por causa dos preços extorsivos, abusivos que estão sendo cobrados”, declarou, citando o trabalho coordenado pela Casa Civil.
Depois, em entrevista coletiva nesta sexta-feira (1/8), o embaixador afirmou que não há, no momento, possibilidade de o evento ocorrer em outro lugar. “A COP vai ser em Belém, o encontro de chefes de Estado vai ser em Belém e não há nenhum plano B.” Na mesma entrevista, declarou: “Nós começamos a falar da hospedagem justamente porque ela virou uma questão política.”
Em nota, o governo do Pará alegou que “a locação de imóveis e as tarifas praticadas pelo setor hoteleiro em Belém são regidas por normas de direito privado, baseadas na livre negociação entre as partes, sem previsão legal para intervenção direta do Poder Público”.
“O problema não é a cidade de Belém, mas o gerenciamento dos governos. E não foi por falta de aviso: é negligência, incompetência ou as duas coisas juntas”, disse o secretário executivo do OC, Marcio Astrini.
Além da falta de hotéis, outra crise foi detonada pela revelação de que a Edelman, que trabalha para a Shell, uma das maiores empresas de combustíveis fósseis do mundo, foi contratada para apoiar a estratégia de mídia para a COP30.
Submissão
Acordo comercial UE-EUA é “pacto fóssil disfarçado”
A capitulação da União Europeia ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, após as ameaças de um tarifaço de 30% sobre suas exportações representa grave risco para os planos de transição energética do bloco e lança dúvidas sobre a força de compromissos climáticos globais diante de pressões comerciais.
Pelo acordo, anunciado no último domingo (27/7), a maior parte da pauta de exportação aos EUA será taxada em 15%, metade do que havia sido cogitado anteriormente. A exceção foram produtos tidos como estratégicos para setores como aviação e indústria química.
Como contrapartida, os europeus concordaram em não aplicar o princípio da reciprocidade tarifária, zerar algumas taxas atuais e investir US$ 600 bilhões em território americano, além de se comprometerem com compras de energia de US$ 750 bilhões ao longo dos próximos três anos, incluindo produtos como petróleo, gás natural e combustíveis nucleares. Ou seja, aceitaram sujar sua matriz energética.
“A UE cedeu sem lutar, plenamente consciente de que estava fazendo um acordo fóssil disfarçado de comércio com um conhecido negacionista climático que não só uma, mas duas vezes retirou os EUA do Acordo de Paris”, avaliou Audrey Changoe, coordenadora de Política Comercial e de Investimento da Climate Action Network Europe (CAN Europe), em entrevista ao OC .
Fica, Vanuatu
Enfrentar a mudança do clima é dever de todos os países, decide Corte da ONU
Todos os países têm a obrigação de enfrentar as causas e lidar conjuntamente com as consequências da mudança do clima. A afirmação consta em parecer inédito divulgado em 23 de julho pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), o principal órgão judiciário das Nações Unidas, com sede em Haia (Países Baixos).
“As consequências das mudanças climáticas são severas e abrangentes; elas afetam tanto os ecossistemas naturais quanto as populações humanas”, apontou o tribunal em trecho do documento. A manifestação oficial veio em resposta a questionamento encaminhado por Vanuatu, país insular da Oceania que pode sumir do mapa com o aumento do nível do oceano. A demanda foi apoiada por outros 130 países.
O objetivo era saber, à luz do direito internacional, quais são as obrigações dos estados em relação à crise climática e quais as possíveis sanções legais em caso de negligência neste campo. O professor de direito ambiental Fábio Ishisaki, assessor de Políticas Públicas do OC, destacou que o parecer integra, juntamente com a Opinião Consultiva do Tribunal Internacional do Direito do Mar (ITLOS) relacionada a mudanças climáticas e estados insulares e o Parecer Consultivo da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre emergência climática e direitos humanos, uma recente trinca de decisões relevantes para pressionar os Estados a se comprometerem de forma efetiva em reduzir a produção e o consumo de combustíveis fósseis. Mais aqui .
Veta, Lula
Análise técnica do OC defende veto integral do PL 2159: “inconstitucional e incompatível com o interesse público”
O presidente Lula tem seis dias para vetar o PL 2159/21, aprovado pelo Congresso, que estraçalha o licenciamento ambiental no país. Nota técnica do Observatório do Clima (OC) encaminhada ao governo federal defende o veto integral do “PL da Devastação”.
A proposta legislativa é “incompatível com o interesse público e inconstitucional, uma vez que desmonta fundamentos técnicos e jurídicos essenciais à operacionalização do licenciamento”, aponta o documento, de 95 páginas .
De acordo com a análise, a eventual sanção das novas regras criará um “caos regulatório” que ameaça a proteção ambiental, a saúde pública, os povos e comunidades tradicionais, o patrimônio histórico-cultural e os sítios arqueológicos.
“Em vez de estabelecer um marco legal sólido, como uma lei de diretrizes gerais capaz de uniformizar e direcionar a forma como se realiza o licenciamento em todo o país, o texto proposto cria um cenário de caos regulatório, fragilizando a avaliação de impactos ambientais, a análise de riscos, a participação pública e o controle ambiental”, diz a nota.
Dos 66 artigos da proposta aprovada, o OC identificou retrocessos graves em pelo menos 42 deles. Os outros, segundo a nota técnica, têm caráter acessório ou limitam-se a repetir resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Sabotagem
Governo Trump vai revogar política climática
O governo Trump anunciou nesta semana que vai revogar a determinação estabelecida em 2009 para regular as emissões de gases de efeito estufa nos EUA. Após uma decisão da Suprema Corte, a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) determinou no primeiro mandato do ex-presidente Barack Obama que os gases de efeito estufa são perigosos para a saúde pública e, portanto, poderiam ser regulados com base em uma legislação de 1970, a Lei do Ar Limpo.
A chamada “declaração de perigo” ou “descoberta de risco” de 2009, que aponta esses gases como ameaça à saúde pública, constitui a base legal de muitas regulamentações federais.
“Revogá-la será a maior ação desregulamentadora da história dos Estados Unidos”, disse o diretor da EPA, Lee Zeldin. Segundo ele, as regulamentações decorrentes da medida “custaram muito dinheiro aos americanos”.
O anúncio de terça-feira (29/7) é mais um em uma série de ações do governo Trump para sabotar a política climática. Sem a descoberta de risco, a EPA não teria autoridade para regular as emissões de gases de efeito estufa que se acumulam na atmosfera após a queima de combustíveis fósseis.
Nos EUA, o setor de transportes é a maior fonte de emissão desses gases. Se fosse um país, seria sozinho o quarto maior emissor do mundo, segundo dados da própria EPA.
A decisão também afetará as normas sobre emissões de usinas a gás e carvão em um país em que cerca de 60% da eletricidade ainda é gerada a partir de combustíveis fósseis.
Custa menos
Geração de energia renovável tem maior salto em 25 anos
Com novas tecnologias para produção e custos de implementação em queda, o uso de energias renováveis como solar e eólica cresceu 19,8% em 2024 e evitou cerca de US$ 470 bilhões em gastos com combustíveis fósseis. O aumento foi o maior desde o início dos registros, em 2000.
Os números do setor, que constam em relatório divulgado pela Agência Nacional de Energia Renovável (IRENA, na sigla em inglês), foram citados pelo secretário geral da ONU, António Guterres: “Mais de 90% das novas energias renováveis em todo o mundo produziram eletricidade por menos do que a alternativa de combustível fóssil nova mais barata. Isso não é apenas uma mudança de poder. É uma mudança de possibilidade. Reparar nossa relação com o clima.”
A produção de energia solar, que já chegou a custar quatro vezes mais do que uma alternativa via combustíveis fósseis, hoje é 41% mais barata, em média, segundo a agência. No caso da energia eólica offshore (a partir de plataformas em alto-mar), a economia é de 53%.
“A nova energia renovável supera os combustíveis fósseis em custo, oferecendo um caminho claro para energia acessível, segura e sustentável”, disse Francesco La Camera, diretor-geral da IRENA, em nota à imprensa.
Fontes renováveis serão a principal fonte de eletricidade do mundo até 2026, superando o carvão, de acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês).
A agência estima que as fontes eólica e solar responderão por 90% do aumento da demanda global por eletricidade no ano que vem. De 4.000 (TWh) em 2024, os sistemas deverão ultrapassar 6.000 terawatts-hora.
CENTRAL DA COP
Caixinha de surpresas
Em meio a drama de hospedagem em Belém, surge uma plataforma alternativa
Ontem a tão propagandeada – e atrasada – plataforma de hospedagem do governo para a COP30 foi finalmente lançada. A falta de informações e os preços estratosféricos vinham adubando o terreno para plataformas “alternativas”, como o site cop30accomodation, vinculado a uma empresa chamada W&A Consular, que se propõe a encontrar vagas de hotel para o evento. Em um inglês confuso, a empresa disse à repórter Isadora Laviola, da Central da COP, ter “acordos pendentes” com redes como Tivoli e Radisson, que, por sua vez, desconhecem a organização e suas atividades .
Os cartões vermelhos de Lula
Os treze vetos a projetos de lei feitos pelo presidente em seu terceiro mandato
O PL da Devastação, recém-aprovado no Congresso, está nas mãos de Lula, que tem mais uma semana para decidir pelo veto ou pela sanção. Diante disso, a Central da COP fez um levantamento de quais foram os outros treze vetos a projetos de lei assinados por Lula neste terceiro mandato. Aos dados: dos treze, cinco foram derrubados pelo Congresso, virando leis, e cinco ainda estão em tramitação, aguardando análise dos parlamentares. Apenas três receberam o aval do Congresso Nacional.
Sai que é sua manguezal!
Apesar de vitais, ecossistemas costeiros recebem menos de 1% do financiamento global
Na zona costeira amazônica, os manguezais desempenham funções ecológicas essenciais e sustentando modos de vida tradicionais. Mesmo podendo absorver quatro vezes mais carbono que as florestas tropicais, os ecossistemas costeiros e marinhos recebem menos de 1% dos recursos climáticos globais. Diante desse cenário, surge o ProManguezal, projeto que busca valorizar os manguezais brasileiros – 7,4% de todos os manguezais do mundo – e fortalecer as comunidades extrativistas. Quem conta é Mariana Trindade, da Rare Brasil.
Placar indigesto
Brasil ainda não definiu metas para a pecuária na Estratégia Nacional de Mitigação
Cena 1: o Brasil está entre os cinco maiores emissores de metano do mundo. Cena 2: a pecuária brasileira, responsável por 75% das emissões de metano no país, tem potencial de reduzir em até 36% as emissões até 2030 . Cena 3: faltam ações concretas para transformar esse potencial em resultados. Quem explica isso em detalhes é o engenheiro Gabriel Quintana, analista de Clima e Emissões do Imaflora.
Bandeira fincada
Central da COP abre portas de nova casa em prédio histórico de Belém
O OC realizou no dia 23 de julho em Belém (PA) a primeira oficina para a construção da agenda do Espaço Central da COP, no histórico teatro Waldemar Henrique . Inaugurado em 1979, o prédio de estilo eclético com traços art nouveau homenageia o maestro paraense Waldemar Henrique e foi cedido pela Fundação Cultural do Pará. A proposta é criar um lugar aberto ao público durante a COP30 em novembro, com mesas de discussão, atividades culturais e diálogos sobre temas como transição energética, direitos dos povos tradicionais e educação climática. Participaram da oficina artistas, grupos culturais, organizações parceiras e movimentos sociais.
Na playlist
O mundo virou e me deixou aqui.
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O post “Na newsletter: A vitória do valentão e a crise que ameaça a COP” foi publicado em 06/08/2025 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima