Na semana em que é comemorado o dia das mães, trouxemos no sexto boletim do banco de dados do Projeto Estrangeiras algumas questões relativas à maternidade entre mulheres migrantes em conflito com a lei. Neste artigo, buscamos aprofundar alguns pontos e trazer algumas reflexões a respeito da aplicação do Marco Legal da Primeira Infância para as mulheres migrantes.
EXERCÍCIO DA MATERNIDADE E MANUTENÇÃO DO VÍNCULO FAMILIAR
Entre as 1.183 mulheres migrantes com filhos atendidas pelo projeto no período de 2008 a 2019, 78% tinham algum filho de até 12 anos, chegando a 89% aquelas que têm algum filho menor de 18 anos.
Dentre as 923 mulheres com filhos até 12 anos, aproximadamente 3/4 (76%) moravam com eles. Entretanto, cabe pontuar que, apesar de algumas mulheres não morarem com seus filhos, isso não quer dizer que elas não tenham continuado como responsáveis por eles, principalmente no aspecto financeiro. Nesses casos, é comum que as mulheres deixem seus filhos sob os cuidados de algum familiar para buscar melhores oportunidades de trabalho em outras cidades, estados ou países.
Apesar do Marco Legal da Primeira Infância prever a prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva para gestantes, mulheres com filhos de até 12 anos ou responsáveis por pessoas portadoras de alguma deficiência, esse direito ainda é pouco tangível para mulheres migrantes. Entre as justificativas dos operadores de direito para a não aplicação dessa prerrogativa às mulheres migrantes , podemos citar o fato de que os filhos geralmente estão nos países de origem, tornando o exercício da maternidade automaticamente inviável segundo a concepção de alguns atores do judiciário. Outra justificativa recorrente, especialmente nos casos de mulheres migrantes gestantes, é a ausência de residência fixa, o que supostamente impossibilita a prisão domiciliar.
Entretanto, estudos com maior profundidade revelam que as mulheres encontram formas alternativas para exercer a maternidade e manter os vínculos afetivos na presença de barreiras geográficas. Tais alternativas costumam envolver o uso de diferentes meios de comunicação, permitindo que essas mulheres contatem seus familiares constantemente e sejam figuras presentes no cotidiano dos filhos, ainda que à distância.
Apesar de suas limitações, a prisão domiciliar é mais propícia ao exercício da maternidade transnacional que a prisão preventiva ou provisória. Isso porque no cárcere as possibilidades de comunicação são bastante restritas, especialmente em relação às pessoas migrantes, fazendo com que o contato com a família seja limitado ao envio e recebimento de cartas esporadicamente.
Além disso, a prisão domiciliar também permite que as mulheres migrantes entrem em contato com os responsáveis por seus filhos de forma rápida, podendo remanejá-los ou acionar a rede de apoio necessária aos cuidados dos filhos.
MULHERES MIGRANTES COM FILHOS ATÉ 12 ANOS RESIDENTES NO BRASIL E GESTANTES EM PRISÃO PROVISÓRIA
Por outro lado, a prisão domiciliar não costuma ser um direito negado apenas para mulheres com filhos que residem em outros países. Entre os questionários aplicados no período de 2016 a 2019, constatamos que 27 mulheres residiam no Brasil com pelo menos um filho de até 12 anos antes da prisão. Desse total, conseguimos obter informações mais detalhadas de 20 mulheres e destas, 75% estavam em prisão provisória.
Situação semelhante ocorre com as mulheres migrantes que estavam grávidas. No período de 2016 a 2019, foram entrevistadas 13 mulheres gestantes, e 12 delas estavam em prisão provisória.
Ainda que essas mulheres não residissem no Brasil, não nos parece plausível negar-lhes a prisão domiciliar sob a justificativa de que não possuem residência fixa, visto que podem ser acolhidas em abrigos públicos.
Tais informações corroboram com o argumento de que há certa resistência ou dificuldade em alguns setores do Judiciário para a adoção de medidas desencarceradoras às mulheres, apesar da aprovação do Marco Legal em 2016. Uma das etapas da pesquisa sobre a aplicação do Marco Legal da Primeira Infância exemplifica bem essa dificuldade ao constatar que maior parte dos pedidos de conversão de prisão preventiva em domiciliar nas audiências de custódia são negados .
Apesar dos dados sobre mulheres migrantes apresentados aqui serem um reflexo da atuação do ITTC e estarem mais próximos de uma análise qualitativa, através deles também é possível refletir sobre a dificuldade do nosso sistema de justiça quanto à aplicação de medidas alternativas ao cárcere e que permitam o pleno exercício da maternidade.
Foto: Leo Drumond
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O post “Mulheres migrantes em conflito com a lei e o Marco Legal” foi publicado em 14th May 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC