Grupo de apoio técnico do órgão diz que projeto para reduzir carga de esgoto no sistema de captação de água não dá solução definitiva para poluição
Em meio à crise do fornecimento de água, a Cedae desengavetou o projeto de desvio dos rios Queimados, Poços, Cabuçu e Ipiranga, na tentativa de diminuir a entrada de poluentes na área de captação da Estação de Tratamento do Guandu. A proposta, que já foi criticada por especialistas, também entrou na mira do Ministério Público do Rio. O Grupo de Apoio Técnico Especializado (Gate) do MP está questionando a falta de dados hidrológicos e ambientais e também o fato de o Estudo de Impacto Ambiental não ter apontado os benefícios da obra.
Para o corpo técnico do MP, o projeto serviria para a Cedae continuar com o “não tratamento de esgoto“. Para os especialistas, o foco é apenas desviar a poluição, adiando uma solução definitiva de saneamento básico. O MP enviou ofícios com o relatório ao Inea e à Cedae, que têm até a próxima segunda-feira para se manifestarem. Procurada, a Cedae respondeu que se manifestará dentro do prazo. O Inea não respondeu ao jornal.
A transposição dos rios foi apresentada pelo então presidente da Cedae, Helio Cabral, ao lado do governador Wilson Witzel, no dia 23 de janeiro. O estudo está pronto desde 2004, mas foi paralisado após exigências feitas pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea). No último dia 20 de fevereiro, o edital de licitação para contratação das obras, estimadas em R$92 milhões e com prazo de conclusão de dois anos e meio, foi publicado.
Aplicação de carvão ativado e argila na água
A diretoria da companhia sustenta que a aplicação de carvão ativado e argila foi a medida imediata para sustar o gosto e cheiro alterados da água, principal queixa dos consumidores. O desvio dos rios, alega, seria a solução a médio prazo para blindar a captação do Guandu.
Apesar de o projeto já dispor de antigas licenças para sua execução, o Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema) do MP instaurou inquérito para apurar a legalidade do licenciamento ambiental. As licenças prévia e de instalação foram concedidas em 2011, após elaboração do EIA-Rima, e foi este estudo que o Gate analisou.
A primeira crítica do MP é que o projeto não contemplaria, em sua plenitude, a solução do problema ambiental. O EIA não tratou de saneamento, das responsabilidades da Cedae e das prefeituras de municípios que contribuem para o esgoto no Guandu, de acordo com o Gate. Outra crítica foi sobre a falta de análises e dados específicos sobre impactos na bacia hidrográfica; sobre qualidade e características das águas dos rios — a única medição de vazão foi em 1988 —; as características da fauna, em especial dos peixes; e da comunidade pesqueira do entorno.
Poluição não será atacada
A obra prevê a construção de um dique na margem esquerda do Rio Guandu, com estruturas hidráulicas para desvio das águas para depois do ponto de captação. Assim, parte dos rios Queimados, Poços, Cabuçu e Ipiranga, os principais poluidores da Lagoa do Guandu, seria desviada através de um vertedouro de 200 metros.
Para o professor de recursos hídricos da Coppe-UFRJ, Paulo Canedo, o mais inteligente seria aplicar o dinheiro em saneamento básico:
— A obra ajuda, só que não é função da Cedae fazer desvio de rio. Em vez de desviar, o melhor seria atacar a fonte de poluição.
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O engenheiro sanitarista da Uerj, Adacto Ottoni, diz que o vertedouro pode não dar conta da quantidade de algas produzidas, o que causaria o revolvimento do fundo da lagoa e, por consequência, mais poluição junto à captação.
— O projeto vai aumentar a água parada da lagoa, com isso, vamos ter mais algas e gigogas — observa.
No fim do ofício, o MP pediu, além da manifestação do Inea e da Cedae, a ata da audiência pública sobre o EIA-Rima que antecedeu a licença prévia; a cópia do parecer técnico do Inea sobre projeto; informação sobre renovação da licença de instalação; realização de reunião com as partes e uma audiência pública.
Problema atingiu pelo menos 86 bairros
No início do ano, os moradores do Rio começaram a receber água turva, com cheiro e gosto de terra. O problema, que afetou pelo menos 86 bairros da cidade e seis cidades da Baixada Fluminense, foi causado pela substância geosmina, que prolifera na presença de algas, que, por sua vez, são atraídas pelo esgoto.
A crise de abastecimento revelou as falhas no sistema de captação da Cedae e revelou que a área onde a água é armazenada sofre influência de rios contaminados por detritos.
Com água malcheirosa saindo das torneiras, os cariocas correram para os supermercados em busca de água mineral. O produto acabou em vários pontos de venda e chegou a ser racionado em grandes redes. O preço das garrafas também explodiu: garrafas, que antes da crise custavam menos de R$ 2, passaram a ser comercializadas por até R$5.
A Cedae colocou carvão ativado nos reservatórios para tentar barrar a geosmina. Mas, passados quase dois meses do início do problema, moradores de 32 regiões ainda relatam alterações no produto que recebem. Em seu site, a empresa vem, no entanto, publicando relatórios mostrando que a água está dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Ministério de Saúde.
Fonte: O Globo .
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