Em Catalão e Ouvidor (GO), a cerca de 270 quilômetros de Goiânia, comunidades de pequenos agricultores estão sendo forçadas a deixar as suas terras para que a mineradora Mosaic Fertilizantes amplie a sua capacidade de armazenamento de rejeito líquido.
Na comunidade
Macaúba, em Catalão, decisão liminar publicada esta semana em favor da Mosaic
pelo juiz Marcus Vinícius Ayres Barreto obriga cinco famílias a deixarem as
suas propriedades em até 5 dias após
notificação sob pena de multa diária de R$ 30 mil. Antes mesmo da decisão a
Mosaic já fixou cercas para delimitar a área.
Segundo publicação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) , que acompanha o caso, as divisórias chegaram a ser retiradas pelos moradores, mas foram recolocadas nas propriedades por funcionários da Mosaic.
Como revelou o Observatório em julho de 2019 , a Mosaic Fertilizantes tem 12 barragens consideradas de alto risco no Brasil, sendo que 2 em Araxá (MG) figuram no top 10 da Agência Nacional de Mineração.
Em Catalão (GO), a empresa já possui duas barragens de rejeito de fosfato. Uma está com 56 metros e 32 milhões de metros cúbicos de rejeito (quase três vezes a barragem que rompeu em Brumadinho e equivalente à de Mariana) e outra com 1,5 milhão de m3 de rejeitos.
A Mosaic Fertilizantes é uma das maiores produtoras de fosfato do mundo. Além do Brasil, que concentra metade dos seus 15 mil funcionários, atua também na Austrália, Canadá, China, Estados Unidos, Índia e Paraguai, Peru e Arábia Saudita.
Disputa judicial
começou com a Vale Fertilizantes. Pressionados, moradores entregam até duas
terras por uma
Luizão Macaúba, líder da comunidade, contou à reportagem do Observatório da Mineração que a disputa judicial com as famílias começou quando a empresa Vale Fertilizantes respondia pelas operações, em 2016. A Mosaic concluiu a compra da Vale Fertilizantes em janeiro de 2018.
“Já tem 3
anos e meio que eles fazem as propostas. Aqui [na comunidade Macaúba] foram 26
propriedades, onde cada uma é negociada de uma forma”, conta.
À reportagem,
o líder da comunidade explica que um tio chegou a trocar duas terras por uma,
aceitando o acordo, e que após a recusa de uma tia em entregar a terra diante
dos valores e condições oferecidas, a empresa recorreu à justiça.
“A
justiça sabe que o juiz é das empresas grandes, igual essa liminar agora, ela
foi rápida, de momento, eles jogam lá e não pensam duas vezes”, lamenta.
Em
solenidade realizada em janeiro de 2019 no Fórum de Catalão, o governador de
Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), recebeu o título de cidadão da cidade. Marcos
Vinícius Ayres Barreto, juiz responsável pela liminar em favor da Mosaic e
diretor do Fórum, agradeceu Caiado por sua presença, pelas “parcerias de sucesso desenvolvidas entre os
poderes Executivo e Judiciário”, e desejou ao governador uma
“administração exitosa”, e a “superação da escassez de
recursos”.
Estavam presentes também o presidente do Tribunal de Justiça de Goiás, desembargador Gilberto Marques Filho e o prefeito de Catalão, Adib Elias (Podemos, ex-MDB), que afirmou que Ronaldo Caiado “é merecedor de tudo o que está acontecendo na sua vida, de todas as suas vitórias”.
Violações desde a década de 70. Comunidades tem o seu modo de vida destruído
Desde 1976
mineradoras fazem a extração de nióbio e fosfato em Catalão e Ouvidor. Com o
início da atividade extrativista, as empresas responsáveis retiraram pequenos
agricultores de comunidades locais, entre elas as comunidades do Chapadão,
Macaúba, Mata Preta e Coqueiros, em Catalão, e Paraíso de Cima e Paraíso de
Baixo, em Ouvidor, principais povoados ao redor das minas.
Os relatos
dos moradores mostram os fortes impactos ambientais com as atividades
extrativistas até às pressões feitas pelas empresas para que os proprietários,
juntos das famílias, deixem a terra em direção a outro local. O espaço, com grande
potencial produtivo e presença da agricultura familiar, agora pode virar
depósito de rejeitos.
Luiz Macaúba também
conta que, há 20 anos, foi um dos maiores produtores de hortaliças de Catalão,
chegando a abastecer o município – na época com cerca de 60 mil habitantes e
ainda fazendo entregas na Central de Abastecimento (CEASA) de Uberlândia (MG),
distante 100 quilômetros de Catalão.
“Eu tive que
parar, pois negociamos a beira do córrego, e sem água não teve como tocar
hortaliça, tem uma nascente que na época da seca ela desaparece, então a
propriedade hoje ficou inválida, só mesmo para criar gado”, conta.
De acordo com
Luiz, as comunidades Chapadão, Córrego do Fundo e Córrego do Meio já foram
dizimadas. A resistência ao processo de reintegração envolve todos. Vizinhos,
tios e primos, pois, para ele, é muito difícil sair do habitat “praticamente
com uma mão na frente e outra atrás”.
“Tem casa de familiar que hoje está precisando de ajuda, passando dificuldade, pessoas que viviam bem nessas terras onde é a mina e hoje passam dificuldades. Já saíram umas 60 famílias, e hoje a comunidade Macaúba só tem 20% dos moradores iniciais, e o que resta, se a gente não acudir, vai ser do mesmo jeito, aceitar a proposta ou esperar a ordem da justiça”, falou.
Resistência organizada em diversas
frentes
Em resposta
às tentativas de desapropriação movida pela mineradora Mosaic, os moradores da
comunidade Macaúba, juntamente com a Comissão de Meio Ambiente de Catalão,
criaram um Grupo de Trabalho (GT) para discutir a situação das famílias.
Recentemente, membros da ONG belga Entraide Et Fraternitéparticiparam de uma
reunião do grupo.
Entre os
membros do GT, que se reuniu na tarde desta quarta-feira (19), estão vizinhos,
tio, primos e filhos. “Essa é a nossa luta. Eu era um dos maiores produtores e
hoje eu pego lote para limpar, pego qualquer serviço de fazenda para fazer.
“Vamos ver que decisão tomar, pois sozinhos não temos força e nem poder para
nada”, afirma Luiz Macaúba.
Para Marcelo
Rodrigues Mendonça, professor doutor do departamento de geografia da
Universidade Federal de Goiás (UFG), vereador em Catalão pela Rede Sustentabilidade
e Presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara Municipal, o GT é resultado
dessa luta. “O grupo trata de três temas principais: a poluição atmosférica – o
“cheiro de barata”, a questão da água e a questão da judicialização das
terras”, explica.
Segundo
Mendonça, a presença muitas vezes indesejada das mineradoras obriga as
comunidades a lutar e resistir em suas terras.
“A
contaminação do ar, do solo, da água, o barulho intenso, a pressão para
adquirir as terras, todos esses são elementos que hoje empurram essas
comunidades em duas direções: uma a resistência, que é o que nós estamos
fazendo, pois apoiamos as comunidades nesse movimento e outra é o enfrentamento
mesmo”, falou.
O professor
lembra que as comunidades que hoje estão ao redor das operações da Mosaic
Fertilizantes vem sendo cercadas pela empresa há meio século.
“Em Catalão e Ouvidor as
comunidades vem sofrendo um processo de destruição há 50 anos, e que se
intensificou nos últimos 30 com a territorialização muito forte das mineradoras
na região”
O processo de
resistência das comunidades atua em várias frentes: política, judicial, do
cotidiano e da cultura, com o reavivamento de festas das mais diversas, como as
pamonhadas, por exemplo.
“A minha
leitura é de que é preciso fortalecer essas resistências para que essas
comunidades continuem existindo e produzindo comida. Elas são muito
importantes, seja na produção, todas em pequenas propriedades, não só de leite,
mas hortifruti, muitas com sementes crioulas e práticas agroecológicas
extremamente valiosas para o meio ambiente”, afirma Mendonça.
Em resposta à
reportagem, a assessoria de comunicação da Mosaic Fertilizantes disse que a
empresa “não comenta processos judiciais em
andamento” e ressaltou que vem tentando soluções amigáveis para ocupar os
terrenos. “Desde 2011 a empresa tenta uma resolução amigável e segue aberta ao
diálogo, sempre atuando de acordo com as normas da legislação vigente e de
forma responsável”, encerra.
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