O Ministério do Meio Ambientei publicou, no final de janeiro, três Instruções Normativas que regulamentam as mudanças trazidas pelo Governo Federal desde o início de 2019 na forma como as multas ambientais são apuradas e cobradas no país. “Tirar o Estado do cangote de quem produz” e acabar com a “indústria da multa” eram promessas de campanha de Bolsonaro. As novas normas, no entanto, representam risco para a área ambiental, defendem especialistas.
As Instruções Normativas nº1 , nº2 e nº3 , de 30 de janeiro, disciplinam a execução de duas normas: o decreto 9.760/2019 , que, dentre outras mudanças, criou os “Núcleos de Conciliação” para a apuração de infrações e modificou o programa de conversão de multas, e a Medida Provisória 900/2019 , que criou um “fundo privado” para operar o dinheiro da conversão das infrações ambientais.
Entenda como esses mecanismos eram operados e como eles passarão a funcionar com o novo regramento:
O decreto que criou os Núcleos está em vigor desde outubro de 2019, mas, segundo levantamento da Human Rights Watch, publicado no dia 14 de janeiro deste ano, até o dia 7 do mesmo mês, nenhuma audiência de conciliação havia sido realizada no país.
Segundo Cesar Muñoz, pesquisador da entidade responsável pelo levantamento do relatório no Brasil, o MMA justificou a não realização das audiências por uma “falha técnica no sistema”.
A paralisação da apuração das multas significa que todos os novos processos administrativos contra pessoas e empresas que tenham violado leis ambientais estão, na prática, suspensos, até que a “falha técnica” seja resolvida.
A aplicação de multas no país já havia apresentado uma queda vertiginosa nos primeiros meses do governo Bolsonaro. Segundo levantamento da Human Rights , o número de multas por desmatamento ilegal emitidas pelo Ibama caiu 25% de janeiro até setembro de 2019. Nesse mesmo período, o desmatamento na Amazônia teve aumento de cerca de 80%, quando comparado ao mesmo período de 2018.
Além de o infrator ganhar mais uma instância para recorrer com a “conciliação” nos Nucam, especialistas temem que o fato de a responsabilidade de julgamentos recair sobre poucas pessoas – como os coordenadores regionais e superintendentes do ICMBio e Ibama, na 1ª instância administrativa, e os presidentes destes órgãos, no caso da 2ª instância administrativa – aumente o risco de que essas multas não sejam aplicadas de fato.
“A sobrecarga do julgamento de milhares de processos em poucas autoridades julgadoras aumenta o risco de prescrição dos processos, aumenta o tempo de julgamento e provavelmente torna mais ineficazes as medidas punitivas. Além disso, a maior parte dos cargos que têm poder julgar os autos de infração está sendo ocupada por pessoas externas aos órgãos de meio ambiente, o que pode colocar em suspeição a consistência e a imparcialidade das suas decisões”, diz Suely Vaz de Araújo, doutora em Ciência Política e ex-presidente do Ibama.
“Na prática, não fica claro como projetos de empresas privadas poderão receber esses recursos, pois não é feita relação com o Fundo previsto na MP 900/2019. Outra questão é que os projetos públicos tendem a abrir diálogo com os municípios em ano eleitoral […] Acredito que haverá tendência à pulverização de projetos no país, afastando o olhar para projetos mais estruturantes que marcava a concepção original da conversão de multas”, diz Suely Araújo.
“A IN nº 3 não completa a regulamentação da conversão indireta, exatamente a modalidade que tem relação com o fundo previsto na MP 900/2019. Não faz muito sentido, porque parecia, com a MP, que a prioridade recairia sobre a modalidade indireta”, explica a ex-presidente do Ibama.
A MP 900/2019 foi duramente criticada por especialistas à época de sua publicação, por não deixar claro como se dariam os mecanismos de transparência da gestão dos recursos.
Em sua tramitação no Congresso, a Medida recebeu 94 emendas, muitas delas com o objetivo de trazer critérios e recuperar regras do modelo que vigorou até o início de 2019, como estabelecimento de órgão colegiado com participação da sociedade civil para definição de temas e territórios prioritários, por exemplo. Algumas das emendas, inclusive, são cópias da lei anteriormente em vigor.
Repercussão
Segundo a advogada Roberta Danelon Leonhardt, especialista em Direito Ambiental e sócia do Escritório de Advocacia Machado Meyer, as novas normas não necessariamente trazem facilidades para o autuado ou são contra o meio ambiente, em sua visão. Elas funcionarão, de acordo com ela, como uma forma de facilitar o recebimento dos valores das multas.
“A normatização que traga maior segurança jurídica ao autuado é bastante positiva. A gente acredita que, com a nova regulamentação, o órgão federal vai poder se valer de alguns instrumentos que ele não tinha acesso, para que os processos de análise dos processos administrativos resultados dos autos de infração lavrados possam ocorrer de uma maneira mais célere. Acredita-se que as mudanças tragam maior efetividade par o processo sancionatório”, disse.
Para Carlos Bacuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Preservação Ambiental (Proam), no entanto, as mudanças trazidas por Bolsonaro vão facilitar a impunidade.
“No fim, [as novas normas] vão beneficiar a grilagem. O governo está anistiando multas e sinalizando previamente essa anistia, ele está dizendo para a sociedade que o crime compensa. O que temos nesse processo é um completo desgoverno. Já era ruim antes, porque a realidade anterior já não dava conta do dano. […] E do modo como está sendo feito agora, está se cumprindo o que o Bolsonaro falou, de acabar com as multas ambientais. Na verdade, é isso que está acontecendo”, disse.
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