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As notícias não são boas. Na última semana, soube de jornalistas que foram assediados nos aeroportos americanos e questionados, inclusive, sobre seu trabalho jornalístico, além de terem que entregar suas senhas de redes sociais. Vi outros colegas, que ainda moram nos EUA, mudarem suas configurações no Signal para que as mensagens fossem apagadas depois de lidas, com medo de que suas críticas ao governo de Donald Trump sejam motivo de retaliação. Ouvi outros profissionais, inclusive professores, dizerem que estão considerando tirar seu dinheiro dos EUA e talvez buscar trabalho fora, certos de que serão alvejados pela repressão trumpista. É inegável. The land of the free já não é mais um país livre.
Para quem vive lá, é exasperante a compreensão – que nós, aqui na América Latina, já adquirimos há gerações – de que um regime autoritário se sustenta não do que se decide no topo, apenas, mas de como esse autoritarismo se infiltra na sociedade; de como a ambição de poder sobe à cabeça do guarda da esquina e do cidadão de bem que mora no apartamento ao lado e, com um governo de extrema direita, resolve te vigiar.
Embora os neofascistas da Casa Branca queiram que todos acreditemos que têm todo o poder não só para comandar os EUA, mas o mundo, a verdade é que a política não é decidida apenas no palácio. Assim, os norte-americanos ainda vão precisar aprender que resistência também se constrói no pequeno e que ceder voluntariamente suas liberdades apenas por medo do regime é o primeiro passo para a derrota total. Já se costura alguma resistência, como demonstrou o brasilianista James Green na estreia da sua coluna na Agência Pública.
É pouco, diante da violência retórica e real deste regime, e ainda mais pelo fato de que sua principal máquina de neutralização de qualquer oposição segue sendo o controle absoluto da narrativa, pela constante criação e propagação de desinformação que convence seus partidários e imobiliza todos os demais. (Sobre esse tema, e sobre o papel de Elon Musk em “criar conteúdo para redes” e liberar Trump para focar no que de fato lhe interessa, vale ler este artigo de Tressie McMillan Cottom no New York Times).
Mas, para aqueles que não veem uma saída possível ao horror do autoritarismo aliado à tecno-oligarquia, quero lembrar que o mundo não está parado, à mercê desse punhado de homens brancos. Trago palavras de alento, a pedidos. Na sexta-feira passada, dei uma aula magistral para os alunos da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, e uma das presentes me pediu, direta: “Natalia, nos dê algumas palavras, um tiquinho de esperança sobre o problema da desinformação”.
Pois, na semana passada, ocorreu em São Paulo a conferência Control+J Latin America , que reuniu jornalistas, acadêmicos, políticos e sociedade civil para discutir como a regulação das plataformas pode ajudar na sustentabilidade do jornalismo. Promovido pela Momentum, think tank fundado por Paula Miraglia, e pela Associação de Jornalismo Digital (Ajor), dirigida por Maia Fortes, o evento foi o primeiro de uma série de quatro encontros internacionais que visam unificar grupos do Sul Global para melhorar sua capacidade de negociar com as plataformas.
O que ficou claro no encontro é que as pressões pela regulação das Big Techs não vão desaparecer. Havia palestrantes da Indonésia, África do Sul, Quênia, Canadá, Austrália, Argentina, Colômbia, Equador, Paraguai e Uruguai – uma mostra de como a pauta continua mobilizando grupos em diversos países. Houve também avanços concretos.
A Comissão de Competição da África do Sul publicou no final de fevereiro um relatório exigindo o pagamento de 25 milhões de dólares durante pelo menos três anos do Google para a imprensa local por práticas anticompetitivas no mercado de anúncios. Além disso, segundo o relatório, a plataforma terá que trabalhar para melhorar seus algoritmos para retirar vieses favoráveis à imprensa estrangeira na busca, por exemplo. O Facebook, por sua vez, deve deixar de desfavorecer conteúdo jornalístico em suas plataformas. Outra exigência é que as empresas de IA devem fazer negociações coletivas com a imprensa sul-africana para o pagamento de direitos autorais pelo uso de seu conteúdo para treinar suas ferramentas.
No dia 19 de março, a Comissão Europeia deixou claro que, apesar das diversas ameaças de Donald Trump, vai seguir fazendo seu trabalho em aplicar as leis antitruste contra as Big Techs: em decisão preliminar , avaliou que a Apple e o Google violaram a lei Digital Markets. O Google, por usar seu mecanismo de busca para enviar os usuários para outros serviços do grupo; já a Apple deveria permitir que produtos de outras marcas se sincronizassem com seus celulares. Se as empresas não mudarem seu comportamento, elas podem receber multas.
Além disso, o próprio Departamento de Justiça dos Estados Unidos voltou à carga. Em março, reiterou seu apoio à quebra de monopólio do Google em um processo judicial que pretende forçar a empresa a abrir mão de partes do seu negócio para cumprir a lei antitruste americana. Numa conduta julgada ilegal, a empresa teria pago a fabricantes de celulares e navegadores para exibirem a sua ferramenta de busca como padrão. A decisão veio uma semana depois de representantes da Alphabet terem se encontrado com representantes do governo Trump para pedir ajuda, segundo a agência Reuters.
Aqui no Brasil, o governo federal está preparando uma nova proposta de regulação das redes sociais, serviços de mensageria e ferramentas de buscas, assim como uma proposta de regulação pelo viés das práticas anticompetitivas. Teremos ainda o PL da IA, aprovado no Senado no ano passado, que deve entrar em pauta ainda este ano. E a votação do artigo 19 do Marco Civil da Internet – aquele que garante que as plataformas não são responsáveis pelo que publicam – será pautada no STF ainda neste primeiro semestre, depois do pedido de vista de André Mendonça.
Afinal, talvez a era do oligopólio não dure para sempre. Desde o seu surgimento, boa parte das benesses entregues a essas empresas foi garantida pela boa vontade do público, que acreditava que elas estavam aí para melhorar o mundo. That ship has sailed – essa maré mudou. Não sou eu quem está dizendo. Segundo diversas pesquisas feitas nos EUA, a confiança do público nas Big Techs tem entrado em declínio nos últimos anos. Ressalto uma pesquisa do Pew Research Center do ano passado, na qual 78% dos entrevistados disseram acreditar que elas têm poder exacerbado sobre a política.
Ao abraçarem o governo lunático de Trump, elas podem apenas estar acelerando essa tendência – e perdendo seu maior escudo, a paciência de todos nós, usuários.
Fonte
O post ““Me dá um tiquinho de esperança?”” foi publicado em 24/03/2025 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública