Vi e gostei pacas de
Marighella , a estreia do grande ator Wagner Moura na direção. É um filme vibrante, cheio de ação, que conta uma história real e importante da nossa história, e que hoje está mais atual do que nunca. Fico feliz que ele esteja indo tão bem na bilheteria. Certamente é uma obra que esse governo fascista fez de tudo para censurar.
Reproduzo aqui o texto muito informativo de Léa Maria Aarão Reis publicado na Carta Maior sobre o filme (aqui tem outro , lembrando quem são os verdadeiros patriotas).
Marighella, de Wagner Moura, não é apenas um bom filme. É o maior acontecimento cinematográfico de 2021. Rodado há quatro anos, só agora é lançado nos cinemas de todo o país e também exibido em sessões gratuitas para populações mais pobres que vivem no campo, favelas, assentamentos, ocupações e nas periferias das grandes cidades. Por conta da censura sofrida pelos neofascistas que manietam atualmente nossa cultura, e da retaliação, restrições, armadilhas e dos empecilhos colocados no caminho da sua exibição aqui, mesmo antes de nós as plateias internacionais já haviam assistido Marighella nos mais importantes festivais de cinema.
Marighella é emocionante, mas não é derramado; vem com roteiro e com um bom e enxuto elenco de atores, com direção de arte e reconstituição de época justas e é habilidoso na fusão equilibrada de sequências de ação (cinema dito ”popular”) com reflexão (narrações em off de textos de livros do guerrilheiro, deputado e escritor baiano Carlos Marighella).
É inspirado no bestseller do jornalista carioca Mario Magalhães, um livro de referência intitulado Marighella, o Guerrilheiro Que Incendiou o Mundo, de 2012, da Companhia das Letras.
“Há diferenças fundamentais entre o meu livro e o lindo filme do Wagner”, afirmou Magalhães, quando do lançamento nacional de Marighella. ”O meu livro é literatura de não ficção. Quando escrevo que o sangue corre da boca de Marighella, e ele sente um gosto adocicado, eu não inventei: Marighella escreveu sobre isso no livro dele, o Por Que Resisti à Prisão. Eu trabalho com literatura de não ficção/ jornalismo; o Wagner trabalha com outra arte: o cinema”.
A narrativa do escritor é a de não ficção, ele lembra. O filme é de ficção, baseado em fatos reais. ”É fiel à vida de Marighella e fiel àquilo que escrevi”. Linguagens distintas e de fôlegos diferentes, ele diz. ”Eu adorei o filme do Wagner”.
Críticos e especialistas na arte cinematográfica vêm dizendo e escrevendo praticamente tudo sobre esse primeiro trabalho como diretor de Wagner Moura, 45 anos, e de Felipe Braga, coautor do roteiro.
O grande evento de cinema, no entanto, é o fato de ele estar sendo visto pelas plateias brasileiras, em especial as plateias de jovens, depois de três anos de interdição e de luta contra a censura para trazer até nós, neste momento político de submissão, fraca resistência ao desmonte do estado e da depressão que assola o país, a figura íntegra e corajosa do político, escritor e guerrilheiro comunista baiano assassinado há 52 anos pela ditadura civil-militar de 64. Um dos ícones mais ilustres da nossa história de resistência às ditaduras, mas até aqui pouco conhecido das novas gerações.
Não é demais falar sobre esse evento que vem arrastando multidões aos cinemas: 36,7 mil espectadores nos quatro primeiros dias de exibição, 20 mil nas sessões de pré-estreia em 160 salas de cinemas do Brasil. Até agora, é o filme brasileiro que mais vendeu ingressos este ano.
A partir do prólogo, um plano sequência sem cortes e com o fundo musical de Chico Science, “
Monólogo ao pé do ouvido ” (‘Viva Zapata! Viva Sandino! Viva Zumbi!/ Viva Antonio Conselheiro!’),
Marighella sinaliza a narrativa que se estende pelos últimos cinco anos de vida do deputado pelo Partido Comunista Brasileiro, o Partidão — que o desligou por ter aderido á guerrilha — co-fundador da Aliança Nacional de Libertação, a ALN, e então caçado pelos serviços secretos das forças armadas e policiais do país. O ano: 1969, quando acabou assassinado numa emboscada, em São Paulo.
”O que a gente vê no filme é gente que foi lutar, que deu a vida por valores que são exatamente contrários aos valores que vigoram hoje no poder, no Brasil”, comenta Magalhães em suas entrevistas atuais.
Desde o começo, o filme resgata considerações de Marighella, na época, chamando à ação efetiva e urgente. ”Com quantos cadáveres uma situação política revolucionária se define”? pergunta o protagonista. E reclama: ”Quem não reage rasteja”. Ou então: “As pessoas precisam saber que no Brasil há gente resistindo porque”, diz ele, ”ficar esperando não leva a porcaria alguma”. E chamava a atenção para o apoio dado pelas populações da Argélia e do Vietnã, na mesma época, aos movimentos de resistência armada em seus países.
O seu Minimanual do guerrilheiro urbano tem tradução para dezenas de idiomas e é tido hoje como um clássico da literatura de combate político.
Para Magalhães, mesmo após o assassinato de Carlos Marighella, a “memória do revolucionário baiano nunca atormentou tanto quem está no poder” no Brasil. ”O filme chega num momento em que tem um impacto ainda maior do que teria há dois anos”.
O autor ouviu 256 pessoas para o seu livro, além de outras muitas fontes, e levou nove anos nesse trabalho de 732 páginas.
Wagner Moura, por sua vez, em entrevista à televisão, também trouxe a importância e o significado de iluminar a figura e a ação de Marighella para os penosos dias atuais.
No filme, a ênfase nos noticiários de época com notícias falsas e mentiras — as hoje rebatizadas de fake news, tão antigas e comuns às ditaduras. A pressão explícita, brutal, da embaixada dos Estados Unidos sobre a nossa mídia e sobre o governo brasileiro. O uso da tortura mais perversa em presos políticos. O terror das denúncias anônimas, de vizinhos, porteiros, conhecidos, até de ”amigos”. As famílias em risco. A coragem dos combatentes e a covardia dos discursos.
Discutir porque a produção do filme é de uma empresa do grupo Globo ou o fato de Marighella ser ”cinema de ação”, ou a violência gratuita das sequências de tortura (!), ou o tom escurecido da negritude da pele do ator (excelente, Seu Jorge) escolhido para protagonista, é debater no vazio. Discursos.
O filme é ”não apenas sobre quem resistiu à ditadura militar nas décadas de 1960 e 1970. É sobre os que resistem hoje no Brasil”, diz Moura, e dedicado ”aos explorados e aos ofendidos”, como é lembrado no imperdível Marighella.
Longa e frutuosa carreira ao filme que precisa ser mostrado, também, gratuitamente, a todos.