DO OC – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma fala correta na abertura do debate geral da 79a Assembleia Geral das Nações Unidas. Mas o líder climático que o mundo esperava não deu as caras. O clima foi um tópico a mais numa lista longa de temas abordados por Lula, que foram do recente conflito no Líbano à urgência de regular a inteligência artificial, passando pela grita de sempre por reforma da ONU. O presidente prometeu entregar neste ano uma meta climática brasileira (NDC) alinhada com 1,5oC, mas não ofereceu uma visão do que o Brasil pretende fazer como presidente da COP30 para acelerar o combate à crise.
Não foi só ele. A quantidade de problemas a entupir a agenda multilateral – dos conflitos armados no Oriente Médio, no Sudão e no Leste Europeu até a disseminação do populismo, as ameaças nucleares de Vladimir Putin e a AI fora de controle – foi chamada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, de “turbilhão”, e tirou em 2024 a centralidade da crise climática do debate. Os combustíveis fósseis, principais causas do aquecimento da Terra, não foram nem sequer mencionados pelo anfitrião do evento, o presidente dos EUA, Joe Biden, que focou sua fala em conflitos armados e na inteligência artificial.
Lula abriu sua fala sendo aplaudido ao mencionar a presença da Palestina como observadora da Assembleia Geral. Criticou a escalada militar global, cujos gastos anuais, de US$ 2,4 trilhões, poderiam ser usados “para combater a fome e enfrentar a mudança do clima”, condenou o atentado do Hamas em 2023 e a “punição coletiva” imposta por Israel ao povo palestino e chamou a invasão da Ucrânia pela Rússia do que ela é – uma invasão –, mas em seguida voltou a falar em “objetivos dos dois lados”, equiparação pela qual já foi criticado.
O brasileiro lembrou que é impossível “desplanetizar” a sociedade global – ou seja, a humanidade está condenada “à interdependência da mudança climática”. Disse que “o planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos não cumpridos”, de “metas de redução de emissão de carbono negligenciadas” e “do auxílio financeiro aos países pobres que não chega”.
Após listar os extremos climáticos que o próprio país vem sofrendo em 2024, Lula disse que o Brasil reduziu o desmatamento em 50% neste ano (na verdade, os alertas de desmatamento caíram 45%; ainda não se sabe qual será a taxa oficial de 2024, a ser anunciada no fim do ano) e repetiu a promessa de zerá-lo em 2030.
A sinalização é importante, já que a qualificação do desmatamento zero não é consenso nem mesmo em seu gabinete: a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) defende eliminar toda a devastação, enquanto seus colegas da Agricultura e das Relações Exteriores vêm falando em “ilegal zero”, o que no Brasil significa a possibilidade de legalizar no Congresso o que é ilegal. Essa vem sendo uma das batalhas em torno da construção da NDC brasileira.
Lula também falou em NDC pela primeira vez. Até fevereiro do ano que vem, todos os países precisam apresentar planos climáticos para 2035 alinhados com as recomendações do Balanço Global do Acordo de Paris, que incluem a eliminação gradual dos combustíveis fósseis e o alinhamento com a meta de limitar o aquecimento global a 1,5oC. É esperado que o Brasil, como presidente da COP30 e membro da “troika” de presidências formada para fazer lobby por aumento de ambição, seja um dos primeiros a entregar sua meta à ONU. Lula confirmou a expectativa: “Nossa Contribuição Nacionalmente Determinada (a NDC) será apresentada ainda este ano, em linha com o objetivo de limitar o aumento da temperatura do planeta a um grau e meio”, prometeu. E encerrou sua intervenção sobre clima mencionando a necessidade de “trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”.
“Lula fez uma fala tímida sobre a ambição climática necessária no atual momento, apesar de ter elencado os profundos e graves impactos que já vivemos”, disse Stela Herschmann, assessora de Política Internacional do Observatório do Clima. “Dizer que a meta climática do país [NDC] será alinhada à meta de Paris de manter o aquecimento do planeta abaixo de 1,5oC nada mais é do que repetir o entendimento conquistado em Dubai no ano passado e a própria proposta brasileira de ‘missão 1.5’. Se o Brasil quer liderar a agenda climática pelo exemplo, o presidente deveria estar dando sinais de que isso significa na prática, como vai se afastar dos combustíveis fósseis, por exemplo.”
“Infelizmente o clima foi deixado no banco de reservas diante do turbilhão de conflitos armados ao longo do último ano”, afirmou Marcio Astrini, secretário-executivo do OC. “Lula até que não fez feio nessa agenda em comparação a outros líderes globais. O problema é que medir a própria ambição pela falta de ambição dos outros foi o que nos trouxe à ultrapassagem de 1,5oC nos últimos 14 meses e ao caos climático que vivemos agora. Quem esperava liderança do Brasil se frustrou, mas o presidente ainda terá tempo de demonstrá-la nos próximos meses.”
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O post “Lula vai bem na ONU, mas líder climático não aparece” foi publicado em 24/09/2024 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima