O discurso de Luiz Inácio Lula da Silva na abertura da 78ª Assembleia Geral das Nações Unidas, nesta terça-feira (19), mostrou que finalmente o Brasil voltou ao normal. Após quatro anos de sobressaltos, sem saber quais mentiras e atrocidades seriam proferidas naquela tribuna, os brasileiros puderam se deliciar (e aliviar) com uma fala morna e correta.
Como esperado, Lula focou no combate às desigualdades e na crítica ao “neoliberalismo falido”, que muitos no mundo inteiro tentaram substituir por um “nacionalismo primitivo, conservador e autoritário”. Defendeu a democracia, ameaçada pela ascensão de “aventureiros de extrema-direita”, e apontou, como de costume, para a necessidade de reforma de instituições multilaterais como o Conselho de Segurança da ONU.
Lula dedicou quatro dos cerca de 15 minutos de sua fala ao meio ambiente. Escorregou ao dizer que em 2003, quando estreou na ONU, o mundo ainda não havia se dado conta da gravidade da crise climática – o primeiro instrumento internacional para reduzir emissões data de 1997 – mas seu discurso indica que, pelo menos para o Brasil, esta é uma preocupação que veio para ficar. Cobrou, corretamente, os países ricos pelo financiamento climático jamais entregue; lembrou que a crise do clima também é uma crise de desigualdade (destacou que os dez maiores bilionários têm mais riqueza que os 40% mais pobres e 10% dos humanos emitem 50% do gás carbônico); e foi interrompido cinco vezes por aplausos, uma delas quando disse que em oito meses o Brasil reduziu em 48% os alertas de desmatamento na Amazônia.
Tudo somado, Lula e seus ministros, em especial Fernando Haddad (Fazenda) e Marina Silva (Meio Ambiente), devolveram o Brasil à civilidade no campo internacional. Ontem, na Bolsa de Nova York, Marina e Haddad lançaram títulos verdes da dívida pública brasileira – papéis emitidos pelo Brasil haviam se tornado radioativa na época do desgoverno anterior, mesmo com um ministro da economia queridinho dos “mercados”.
“Para a agenda de clima, foi um discurso esperado, dado o que o governo vem fazendo e os compromissos que vem assumindo. Mas, para a imagem do país, foi um discurso revolucionário, se comparado à vergonha que passávamos quando o presidente anterior usava a mesma tribuna”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Resta agora enfrentar as contradições dentro de casa: a insistência do próprio Lula em sua versão “herói do clima” em explorar petróleo da Amazônia; a resistência de seu próprio partido à agenda verde; e um Congresso poderoso e reacionário que corre para aprovar projetos de lei como o marco temporal, a anistia à grilagem e o fim do licenciamento, que têm potencial de tornar o discurso ambientalista do presidente muito difícil de implementar. “Espero que os presidentes da Câmara e do Senado, presentes e Nova York, tenham aprendido alguma coisa nessa viagem e parem com a sanha antiambiental que impera hoje no Parlamento”, disse Astrini.
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