Publico hoje com muito orgulho o guest post de uma leitora antiga aqui do blog, a Denise. Denise Gomes é advogada, mora em Sydney, Austrália, e tem um podcast super popular sobre contação de histórias para crianças. Não deixe de seguir sua página no Instagram , ainda mais se você é professora, mãe, pai, avó, tia… Enfim, este post espetacular é pra todo mundo que convive com crianças!
Desde que me tornei mãe, há sete anos, ando cada vez mais envolvida com a literatura infantil. No início de 2019 criei um perfil no Instagram para falar sobre literatura infantil e sobre os livros que leio com meus filhos. Crio meus filhos (um menino e uma menina) para que eles tenham respeito para com todas as pessoas, e também para que sejam livres para vestir/ usar/ ser o que quiserem, por isso diversidade sempre foi uma constante na nossa biblioteca.
Como moramos na Austrália e eu queria que meus filhos mantivessem o português como língua de herança, comecei a apresentar podcasts infantis em português pra eles. Na época não havia muitas opções, por isso no meio de 2019 criei meu próprio podcast , o “Livros que amamos – histórias para crianças”. Era pra ser algo despretensioso, mas em 2020 o podcast estourou e passou a figurar na lista dos top 5 mais ouvidos na categoria família (onde permanece até hoje), chegando inclusive a lista dos top 200 da Apple podcast pra todas as categorias!
Eu sempre falei de diversidade tanto no meu perfil do Instagram quanto no podcast, porque acho muito importante darmos as crianças uma educação antirracista, anti-homofóbica e mostrarmos a diversidade que existe no mundo. Acredito muito na máxima de que livros são espelhos, mas também são janelas (conceito criado por Emily Style em 1988). Os livros são espelhos porque refletem a própria cultura dos leitores e os ajudam a construir sua identidade (daí a necessidade de representatividade nos livros). Mas são também janelas por mostrar uma visão da experiência de outra pessoa.
Nunca é cedo demais para se falar com as crianças sobre raça e minorias! Existem estudos bem interessantes sobre racismo que demonstram que bebês notam diferenças físicas, incluindo cor de pele, antes dos 6 meses de idade. E ainda que, ao chegarem aos 5 anos de idade, as crianças já mostram sinais de preconceito racial. Assim, “Ignorar ou evitar o assunto não é proteger as crianças, mas sim deixá-las expostas ao preconceito que existe onde quer que vivamos”.
Eu faço sempre posts no Instagram sobre bibliodiversidade, e também tenho esse foco no podcast. Procuro escolher livros que sejam boa literatura e ao mesmo tempo tragam essa diversidade. Então já gravei livros na temática indígena, com protagonismo negro, biografias diversas que trazem empoderamento feminino, etc. O público do podcast vai de 1-12 anos, então alterno livros mais curtos pros menorzinhos e livros um pouco mais longos pros maiores (normalmente entre 5-20 minutos cada episódio).
No fim de outubro, fiz uma sequência de posts no meu Instagram sobre bibliodiversidade com foco na temática LGBTQIA+. Existem poucas opções de livros infantis nessa temática no Brasil, então fiz um apanhado do que eu achei no cenário nacional, mas também dos nossos favoritos publicados apenas em inglês (como a biografia do RuPaul ), ou Love Around the World ), só pra citar alguns dos livros favoritos dos meus filhos). Como sempre acontece quando faço posts sobre bibliodiversidade no meu perfil, perco seguidores. É incrível como falar de minorias incomoda tanta gente! O que pra mim só reforça a urgente necessidade de falarmos sobre diversidade, respeito e tolerância com as crianças!
Pausa para um adendo: quando meu filho tinha 4 anos, na creche que ele ia a professora levou o livro Heather has two mommies (Heather tem duas mães) para ler e debater com as crianças (a turma tinha entre 3-6 anos). Depois ela fez um relatório pros pais sobre o que as crianças acharam e falaram (não teve nenhuma estranheza ou comentário homofóbico por parte das crianças). Os pais amaram! Eu fui falar com a professora e ela estava super feliz de estar recebendo um retorno tão positivo dos pais.
Aproveitei e levei outro livro que temos – Julian is a mermaid (lançado recentemente no Brasil — Julian é uma sereia — para que a professora debatesse com as crianças também sobre gênero. Aqui na Austrália isso é um debate normalizado (apesar de óbvio que ainda existe muito preconceito), e meu sonho seria ver todas as escolas no Brasil também debatendo diversidade.
Enfim, seguindo com meu intuito de diversificar as histórias do podcast, publiquei no início de novembro um episódio com um livro infantil sobre amizade entre meninos (aborda lindamente masculinidade tóxica, uma pérola!). Só que nesse livro um dos meninos cresce e se casa com outro homem (esse é o livro , lançado apenas em inglês). Tem outros detalhes lindos na história, mas o casamento gay em si bastou pra eu sofrer um ataque no Instagram. Perdi dezenas de seguidores, e isso em si não me abala, mas fiquei muito triste pensando em todas as pessoas que vivenciam esse ódio todos os dias — como você, Lola!
Teve ainda muita gente que me mandou mensagem privada sem ataques mas dizendo que discordava de tratar sobre homofobia com os filhos porque eram religiosos, ou porque a criança era pequena, e ainda pedindo pra eu colocar um “alerta de conteúdo” no podcast (!?!?). Eu acho curioso como muitas pessoas são homofóbicas (ou racistas) mas defendem com unhas e dentes que não o são. Uma querida amiga fez uma excelente colocação: “homofobia é tratar uma pessoa diferente pela opção sexual dela. Aí a pessoa diz “tem que fazer alerta” para uma situação que deveria ser normal, mas o mesmo alerta não é necessário para outras situações. E ao exigir tratamento diferenciado para algo que não deveria ser tratado diferente se está sendo homofóbico. Mas tenta dizer pra essa pessoa que ela foi homofóbica! O processo de negação das pessoas é forte, e assim a homofobia do dia a dia destilada em pequenas doses segue firme e forte.
Fiquei arrasada pensando em todos os meus amigos gays que sofrem ou já sofreram ataques. Em todas as crianças que tem dúvidas quanto a sua sexualidade/ gênero e precisam lutar contra esse mundo homofóbico em que vivemos, onde pessoas gays são “apagadas” e tem seu amor por outra pessoa do mesmo sexo visto como “tabu” que precisa ser “escondido” de crianças pequenas.
Recebi muito apoio também, muitas mães (e pais!) que me escreveram dizendo que amaram o episódio, a forma natural e delicada como o assunto foi tratado. A maioria das crianças sequer questionou os dois homens se casando (a homofobia está mesmo na cabeça dos adultos), mas foi uma oportunidade para muitas famílias abrirem um diálogo sobre o assunto e repensarem sua bibliodiversidade.
Teve ainda uma seguidora (ouvinte do podcast com os filhos) que falou com o marido para ele aproveitar o alcance que ele tem no Twitter e no Instagram e falar sobre o ataque que eu recebi. Foi o suficiente pra eu receber uma avalanche de mensagens no Twitter e centenas de novos seguidores no Instagram. Fiquei feliz em ver o podcast chegando a mais famílias, e também em ver que o amor é poderoso! Acabei me inspirando pra entrar no Twitter e fiz meu primeiro tweet falando desse assunto.
Recebi mensagem também de uma editora brasileira de livros infantis, dizendo que meu trabalho a inspira a se posicionar nesse Brasil tenebroso. Por essas e outras que sigo na luta, Lola, inspirada por você e seu trabalho incansável por um mundo mais justo. Noutra semana publiquei mais um episódio antirracista , e em outra comecei uma série de episódios no podcast sobre liberdade religiosa (um passeio pelas quatro maiores religiões do mundo através de livros infantis encantadores).
Esses dias li uma frase no perfil da Mariska Hargitay que me tocou bastante: “Você não pode forçar alguém a compreender uma mensagem que eles não estejam prontos para receber. Ainda assim, você nunca deve subestimar o poder de se plantar uma semente.”
O post “LIVROS QUE AMAMOS DEVEM TRAZER A BIBLIODIVERSIDADE” foi publicado em 8th December 2021 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva