Entre 4 e 8 de novembro, 28 especialistas em serpentes de todo o país se reuniram na sede do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em Brasília, para avaliar o estado de conservação de 414 espécies durante a Oficina de Avaliação do Estado de Conservação das Serpentes Brasileiras. O evento foi coordenado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios (RAN) do ICMBio.
Uma das espécies avaliadas foi a jararaca-de-alcatrazes (Bothrops alcatraz), que atualmente está como Criticamente em Perigo (CR) de extinção , mas poderá ter seu status de conservação modificado para uma categoria menos crítica. De acordo com Carlos Eduardo Guidorizzi de Carvalho, analista do RAN/ICMBio e coordenador do processo, a avaliação é uma etapa técnica que subsidia o Ministério do Meio Ambiente (MMA) na publicação da lista oficial de espécies ameaçadas. “Uma consequência para as espécies consideradas ameaçadas é a sua inclusão em Planos de Ação Nacional para a Conservação de Espécies Ameaçadas (PAN). As espécies são avaliadas em oficinas por especialistas que, com as melhores informações disponíveis sobre distribuição, uso de habitat, ameaças, entre outras, atribuem alguma categoria de risco de extinção. Para essa categorização é utilizado o método de categorias e critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) , que é rigoroso e objetivo. O resultado da oficina ainda passa por uma etapa posterior, de validação da categoria atribuída pelos especialistas. No caso das serpentes, que foram avaliadas em novembro, essa etapa ainda não aconteceu”, esclareceu Guidorizzi.
Das 414 serpentes avaliadas, 28 foram consideradas ameaçadas de extinção, sendo cinco Criticamente em Perigo (CR), 11 Em Perigo (EN) e 12 Vulnerável (VU). Outras seis foram consideradas Quase Ameaçadas (NT) e 23 como Dados Insuficientes (DD). A maior parte (357 espécies) foi avaliada como Menos Preocupante (LC). Atualmente, 29 serpentes estão na “Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção”, conforme a Portaria MMA Nº 444 , de 17 de dezembro de 2014.
Para Thaís Guedes, professora do Programa de Pós-graduação em Biodiversidade, Ambiente e Saúde da Universidade Estadual do Maranhão (PPGBAS/UEMA) e uma das avaliadoras, a Oficina é o momento onde todas as informações científicas disponíveis para cada espécie são reunidas. “É feita uma avaliação minuciosa sobre se os impactos provocados pelo homem estão levando determinada espécie à extinção. Procuramos identificar as espécies mais afetadas e os principais impactos e o ICMBio usa essa informação para conduzir Planos de Ação para promover a conservação das espécies ameaçadas e suas áreas de vida”.
Guedes esclarece que, para realizar a avaliação, todas as 414 espécies foram mapeadas. “A extensão de ocorrência de cada espécie foi calculada e sua distribuição foi confrontada com mapas de perda recente de vegetação nativa e com os limites das unidades de conservação (UC). O objetivo é saber o tamanho da área de vida da espécie, se onde ela ocorre está havendo perda ou declínio da qualidade do habitat e se essa espécie está ou não protegida por alguma UC. Além de informações sobre distribuição, utilizamos (quando possível) informações populacionais das espécies. Todas essas informações fornecem subsídios robustos para que a espécies sejam avaliadas por meio da aplicação de categorias e critérios em acordo com as normas da IUCN”.
Para a pesquisadora, as oficinas promovem momentos únicos de imersão e discussão da temática ambiental. “O Brasil é destaque pela sua elevada biodiversidade e variedade de paisagens naturais, que fornecem alimento, água, energia, medicamentos, materiais diversos, regulação do clima, qualidade da água, do ar e evita ou minimiza catástrofes naturais como os alagamentos. Essas paisagens vêm sendo destruídas e substituídas por lavouras como de soja e cana-de-açúcar (com uso indiscriminado de agrotóxicos) e pela pastagem extensiva. Muitas espécies não sobrevivem em ambiente alterado e tais modificações resultam na perda de espécies cuja sobrevivência depende da variedade e peculiaridades do ambiente natural. A destruição de habitats é tratada pela IUCN como a principal causa de perda de biodiversidade, e no Brasil não é diferente. Estamos perdendo em velocidade recorde uma das maiores biodiversidades do mundo”.
Jararaca-de-alcatrazes
A jararaca-de-alcatrazes ocorre somente na Ilha dos Alcatrazes, no litoral do estado de São Paulo, próximo ao município de São Sebastião. Possui uma população pequena e vulnerável a alterações ambientais, estando mais propensa à extinção do que as espécies do continente. Apesar de a principal ameaça a essa população ter sido eliminada, a espécie continua em risco de extinção. Carlos Abrahão, analista do ICMBio e coordenador do PAN da Mata Atlântica do Sudeste, que trata da jararaca-de-alcatrazes, acompanha a situação da espécie desde 2010 e esclarece o motivo da possível mudança. “O que levava a espécie à categoria de CR era uma ação da Marinha, que usava a ilha como alvo para treinamento de tiro. Estes tiros podiam ocasionar queimadas. Então o critério que havia era o de perda continuada de qualidade de habitat, além dos critérios de extensão de ocorrência restrita e o fato de só ocorrer em uma única localidade. A soma destes fatores resultava em uma avaliação CR”.
Abrahão esclarece que, atualmente, a área terrestre da ilha virou uma UC (Refúgio de Vida Silvestre , REVIS) e os treinos de tiro foram encerrados. “Existe ainda um plano de recuperação da área degradada que deve ser iniciado. Estes fatores somados cancelaram o critério de perda continuada da qualidade de habitat e a espécie passa a ser VU, com o critério D2 que se baseia em uma população com extensão de ocorrência reduzida (usualmente menor que 20km²) e com número reduzido de localidades (menor que 5). A Marinha foi notificada e cessou a atividade ainda em 2013. Mas ainda não temos um levantamento da população de B. alcatraz o que é algo importante de ser feito”.
Segundo o analista, “a espécie está em Alcatrazes a milhares de anos e tudo indica que ela deve continuar assim se não houver interferência antrópica. Claro que um incêndio por um raio ou uma doença levada para a ilha poderia tornar novamente a espécie CR ou mesmo EX. Por isso as ações para conservação são discutidas dentro do PAN da Herpetofauna da Mata Atlântica do Sudeste Brasileiro”.
De acordo com o ICMBio, ainda haverá mais uma avaliação em 2020 para que a mudança de categoria ocorra. Abrahão explica que a decisão não é atribuída a um gestor ou pesquisador, e sim de toda uma equipe que acorda com a decisão em plenária. “A ficha de avaliação segue para um grupo externo que avaliará se os critérios foram bem aplicados e condizem com a informação dada na ficha. Estas equipes já têm bastante experiência, pois já estamos no segundo ciclo de avaliação. E a maioria já tem familiaridade com os critérios. Acho que a decisão de cair para VU neste caso é acertada e vai ser mantida, a menos que exista alguma outra informação que não se conhecia no momento da oficina de avaliação. Este caso é bem específico e não acho que seja polêmico. Não foi alvo de debates na plenária. Um caso clássico onde a gestão da UC fez sua parte e conseguiu reverter uma situação perigosa para a espécie. Estratégias de conservação sendo implementadas de forma correta e competente”, concluiu o analista.
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O post “Jararaca-de-alcatrazes poderá ter reduzido seu risco de extinção, conforme avaliação do ICMBio” foi publicado em 2nd January 2020 e pode ser visto originalmente na fonte ((o))eco