No final de 2019, o Departamento Nacional Penitenciário (DEPEN) divulgou a 3ª edição do Infopen Mulheres, com dados relativos à população prisional feminina no Brasil em junho de 2017.
Não houve mudanças em relação à metodologia utilizada no relatório de 2016 . A coleta dos dados continuou a ser feita através de um formulário online preenchido pelos gestores das unidades prisionais.
Houve, porém, uma ampliação no número de unidades prisionais cadastradas, tornando os dados mais representativos. Em 2016 havia 1.418 unidades cadastradas no Infopen, e em 2017 esse número foi para 1.507. Apesar desse aumento, o último relatório não informa se todos os estados participaram igualmente de todas as etapas do levantamento. Além disso, é importante ressaltar que não há obrigatoriedade para que todas as unidades preencham o formulário.
Segundo os dados do relatório, pela primeira vez desde 2006 houve uma redução no número de mulheres presas em relação ao ano anterior. Em 2016 havia cerca de 40.970 mulheres em privação de liberdade, e em 2017 esse número foi para 37.830, representando uma redução de 7,7%.
Uma das justificativas para esta redução é a aplicação do Marco Legal da Primeira Infância a partir de 2016, que prevê a substituição da prisão provisória em prisão domiciliar para gestantes, mulheres com filhos até 12 anos ou responsáveis por pessoas portadoras de alguma deficiência. Entretanto, ainda é uma redução bastante tímida se levarmos em consideração que a maioria das mulheres em conflito com a lei têm filhos e foram acusadas por crimes não violentos.
Também é importante pontuar que o relatório não fornece informações a respeito das mulheres que estão em conflito com a lei mas fora de estabelecimentos penais diretamente administrados pelo poder executivo, como os albergues domiciliares. Também não há informações a respeito das mulheres que estão em prisão domiciliar aguardando a sentença. Neste sentido, a redução de mulheres nas unidades prisionais não necessariamente indica que mulheres estão sendo menos criminalizadas.
Não há introdução de nenhum novo tópico no relatório de 2017, mantendo os mesmos itens em relação ao ano anterior:
- Considerações metodológicas
- Dados gerais
- Estabelecimentos penais
- Ocupação
- Perfil da população prisional feminina
- Gestão de serviços penais e garantias de direitos.
Apesar da diminuição do número de mulheres custodiadas, o sistema prisional feminino segue sobrecarregado, com taxa de ocupação de 118,4% em 2017 [1]. Além disso, tráfico de drogas continua como principal responsável pelo encarceramento de mulheres no Brasil, representando cerca de 60% dos crimes pelos quais as mulheres foram acusadas.
Em relação aos dados sobre perfil da população prisional feminina, o relatório de 2017 não informa as bases utilizadas para o cálculo das porcentagens, isto é, para quantas mulheres dentro do sistema prisional aquelas informações estavam disponíveis. A ausência de informações desse tipo impede uma avaliação adequada sobre a qualidade da amostra e consequentemente dos dados disponibilizados pelo Infopen, além de dificultar o acompanhamento do impacto de políticas públicas sobre o perfil da população prisional.
Podemos citar como exemplo a ausência ou fragilidade de dados do Infopen a respeito da maternidade, o que impõe uma série de desafios para monitorar a aplicação do Marco Legal da Primeira Infância. O relatório de 2016, por exemplo, aponta que cerca de 74% das mulheres presas naquele período eram mães. Contudo, esse dado estava disponível somente para 7% do total de mulheres presas e não havia informações a respeito da idade dos filhos. Por sua vez, o relatório de 2017 sequer menciona a porcentagem de mulheres com filhos, ainda que indique o percentual da quantidade de filhos. Neste sentido, como avaliar a efetividade de políticas desse tipo se não há dados suficientes a respeito da população elegível?
Reconhecendo as limitações do Infopen, foi criado o SisDepen , um sistema unificado que pretende agregar informações a respeito da população prisional no país, capaz de cruzar informações e orientar políticas públicas. Entretanto, o sistema está disponível apenas para profissionais vinculados às instituições do sistema de justiça, em especial aquelas relacionadas à gestão prisional, dificultando que organizações da sociedade civil, universidades e cidadãos possam ter acesso a informações de interesse público. Até o momento não localizamos nenhum relatório apresentando as novidades e sistematizando os dados disponíveis na plataforma, com exceção de tutoriais de uso para profissionais do poder público, indicando assim um sistema pouco acessível e transparente para a sociedade civil.
Outra iniciativa recente do DEPEN é a publicação de painéis interativos com alguns dados gerais a respeito da população prisional, como a taxa de ocupação nas unidades prisionais, prisões provisórias, acusações mais recorrentes etc. Apesar da maior periodicidade da publicação, estes painéis não contemplam todas as informações relevantes a respeito do sistema prisional, especialmente aquelas que dizem respeito às especificidades de gênero. A principal novidade do painel em relação ao relatório tradicional do Infopen é a possibilidade de filtrar algumas informações conforme a cidade e a unidade prisional.
Apesar das suas limitações, o Infopen Mulheres ainda é a ferramenta mais completa e transparente para que atores fora do sistema de justiça tenham acesso às informações sobre encarceramento feminino no país. Deste modo, é importante não só garantir a periodicidade da publicação, mas também aprimorar a coleta dos dados de forma que as informações contemplem todas as mulheres em privação de liberdade. Além disso, é fundamental ampliar as informações disponíveis nos relatórios, explicitando as especificidades de gênero dentro do sistema prisional, introduzindo dados a respeito da população LGBTQ+ e aprofundando as informações sobre indígenas em conflito com a lei.
A disponibilidade de dados públicos e confiáveis a respeito da população em privação de liberdade e conflito com a lei é crucial não só para os atores sistema de justiça, mas também para diversos atores da sociedade civil que reivindicam políticas públicas alternativas ao cárcere para a resolução de conflitos e a garantia de direitos fundamentais.
Foto original: © Luiz Silveira/Agência CNJ/Direitos Reservados.
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[1]: Vale apontar que essa taxa pode estar subrepresentada, pois os dados sobre mulheres presas em delegacias não foram validados até a data da publicação, fazendo com que os analistas utilizassem os dados obtidos em 2016.
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O post “Infopen Mulheres 2017: O que mudou em um ano?” foi publicado em 22nd June 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC