China, Arábia Saudita e Índia se opuseram a uma proposta de alinhar a entrega com o cronograma do balanço global das ações climáticas
Os governos adiaram pela terceira vez uma decisão crucial sobre o momento da entrega de avaliações científicas sobre o clima do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Embora os países membros tenham concordado com o esboço dos três relatórios principais do IPCC na reunião do grupo em Hangzhou, na China, no sábado (01), não conseguiram quebrar o impasse sobre quando os relatórios devem ser entregues.
As discussões duraram uma semana, com uma sessão de quase 30 horas ininterruptas no último dia. A principal discordância foi em relação a um plano que propunha a conclusão dos três relatórios de destaque do IPCC até agosto de 2028, de forma a coincidir com o próximo “Balanço Global” das ações climáticas, no âmbito do Acordo de Paris.
A maioria dos países, incluindo nações europeias, Japão, Turquia e pequenos estados insulares, apoiaram a proposta. No entanto, potências como China, Arábia Saudita e Índia se opuseram fortemente ao cronograma, temendo que os relatórios pressionem seus compromissos climáticos.
China, anfitriã do encontro, intermediou um acordo temporário para iniciar a avaliação científica em 2025, enquanto as discussões sobre o prazo para concluir os relatórios serão retomadas na próxima sessão do IPCC ainda este ano, para a qual ainda não há data definida. As informações foram divulgadas pelo site Climate Home.
Durante a reunião, surgiram também polêmicas sobre o conteúdo dos relatórios do IPCC. A cientista húngara Diana Urge-Vorsatz criticou a tentativa de excluir termos essenciais, como “Acordo de Paris” e “combustíveis fósseis”, dos esboços. Ela alertou que essas alterações podem comprometer a eficácia das políticas climáticas globais.
Na reunião do IPCC, os países também não chegaram a um consenso sobre o esboço de um relatório metodológico sobre tecnologias para remoção de dióxido de carbono. A Arábia Saudita e outros países apoiaram a inclusão de intervenções de geoengenharia marinha, como a adição de substâncias alcalinas à água do oceano para aumentar sua capacidade de absorver dióxido de carbono (CO2). No entanto, a maioria dos países rejeitou a proposta, considerando prematuro dar destaque a tecnologias cujos impactos e efeitos colaterais ainda são desconhecidos.
A discussão sobre a geoengenharia marinha será retomada em uma próxima reunião, com a preocupação de que a ciência por trás dessas tecnologias ainda não esteja suficientemente desenvolvida. Mary Church, do Centro para o Direito Ambiental Internacional, ressaltou os grandes riscos associados a essas tecnologias, afirmando que os riscos são imensos e que a ciência ainda não está pronta para uma implementação em larga escala.
Divisão do grupo
O impasse reflete uma crescente divisão entre países desenvolvidos e emergentes. Enquanto nações mais pobres e vulneráveis às mudanças climáticas pressionam por uma ação mais rápida, os países em desenvolvimento, como China e Índia, resistem ao avanço dos relatórios, temendo que suas economias sejam prejudicadas por compromissos mais rígidos de redução de emissões.
Ao Climate Home, Zhe Yao, conselheiro de políticas globais da Greenpeace East Asia, manifestou grande frustração com o novo adiamento da decisão sobre o cronograma do AR7, destacando que os países mais vulneráveis às mudanças climáticas não podem continuar esperando por ações concretas. Ele afirmou que o impasse favorece aqueles que buscam atrasar a implementação de medidas climáticas essenciais, prejudicando os esforços globais de mitigação. Yao também expressou decepção ao ver que, mais uma vez, as divisões políticas resultam em decisões sendo postergadas, o que enfraquece o progresso em direção a um futuro mais sustentável e justo para os países em risco.
O IPCC está em seu sétimo ciclo de avaliação – conhecido como AR7 – que tem como tarefa compilar os aprendizados sobre a ciência climática global em três relatórios: um sobre a base científica física das mudanças climáticas, outro sobre a vulnerabilidade dos sistemas humanos e naturais, e um terceiro sobre opções para mitigar as emissões que estão aquecendo o clima da Terra.
O sexto relatório de avaliação do IPCC desempenhou um papel fundamental na formação do primeiro Balanço Global em 2023, que culminou com os países se comprometendo, pela primeira vez, a “transitar para longe dos combustíveis fósseis nos sistemas de energia”, conforme anunciado na conferência do clima da ONU (COP28) em Dubai, em 2023.
O papel da China como anfitriã da cúpula da semana passada foi destacado, já que os observadores buscavam sinais de liderança nas ações climáticas globais, enquanto os EUA se retiram da diplomacia climática internacional sob Donald Trump.
Liu Zhenmin, Enviado Especial da China para as Mudanças Climáticas, afirmou que fortalecer a ação climática global e o multilateralismo é essencial, e que o IPCC e a UNFCCC devem continuar a colaborar de forma ordenada. No entanto, delegados relataram um contraste entre as declarações públicas da China e suas posições nas negociações fechadas, onde o país teria defendido suas prioridades nacionais. A China, junto a outros países em desenvolvimento, parece resistir a incluir os relatórios do IPCC no próximo balanço global, temendo que as conclusões científicas aumentem a pressão para reduzir suas emissões.
Embora ainda seja incerto se os EUA irão se retirar completamente do IPCC, a ausência dos especialistas federais já levanta preocupações sobre a qualidade e profundidade das avaliações científicas do painel. Especialistas alertam que a interrupção do apoio técnico dos EUA ao IPCC pode comprometer os esforços para desenvolver soluções eficazes no combate às emissões globais.
Reportagem: Um Só Planeta
O post “Impasse sobre prazo de entrega de relatórios científicos do IPCC atrapalha avanço da agenda” foi publicado em 06/03/2025 e pode ser visto diretamente na fonte Frente Ambientalista