Hoje faz uma semana que minha mãe morreu.
Muita gente se manifestou, contando como gostava dela, como ela iluminava a sala onde foi aluna. Até quase o final da vida ela foi aluna — de cursos de extensão, de idiomas, de artes.
Uma dessas pessoas foi o Getúlio, hoje professor de Filosofia num Instituto Federal no Ceará. Eu tive o prazer de conhecê-lo de peruca na primeira Marcha das Vadias de Fortaleza, dez anos atrás. Depois foi meu aluno no curso técnico de inglês, o único aluno assumidamente gay no meio de um monte de rapazes da engenharia, alguns bem conservadores, mas que ele conquistou totalmente. Mais tarde fomos à praia algumas vezes — eu, ele, minha mãe e Silvio.
Lembro que a gente tirou algumas fotos, mas não consigo encontrá-las. Então vou ilustrar o post com fotos que encontrei da minha mãe recentemente pela casa.
Tenho que confessar que o falecimento de Nelly realmente mexeu comigo, mais do que eu esperava, tendo em vista que fazia já alguns anos que nós não nos víamos. Na verdade, em 2019 eu tive um chat com ela pelo Messenger, sobre máquina de costura, e sempre acompanhava as postagens dela pelo Facebook, sobre a Isabel, e tal [Isabel foi uma linda gatinha dela que morreu precocemente de Aids felina, com apenas 3 anos e meio, em 2016].
Depois que enviei o email pra você [dizendo “Eu gostava muito da sua mãe e pude aprender com o pouco de tempo que estive com ela o jeito com que ela encarava as coisas da vida, que a mim me transmitiu muita força”], li os posts no blog , o seu e o de seu irmão , e me deu aquela saudade triste que dá na gente, porque por um lado, é natural a vida ir embora e o suspiro se acabar, mas por outro tudo é muito triste e dá muita pena se despedir.
Sua mãe era uma força e tanto, uma presença e tanto, com uma mente obstinada e um pensamento afiado. Lembro até hoje de uma conversa em que ela falou ter sido aluna do Jorge Luis Borges, ao que eu fiquei chocado e uaaau, mas ficou entendido no jeito como ela disse que ela não guardava muita simpatia por ele, mesmo ele sendo um monstro sagrado da literatura e eu fazendo tietagem ali, hahaha. A Nelly era independente.
Quando eu morava pelo Benfica, de vez em quando eu encontrava ela no mercadinho São Luiz, e aí nós conversávamos um tiquinho. Teve um inverno que ela reclamou porque tinha chovido em cima da roupa no varal e teria de lavar tudo de novo, ao que eu disse que se fosse eu, eu só esperava secar de novo, e ela me olhou chocada, hahaha, com esse testemunho de preguiça.
De modo que eu sempre esperava, um pouco, encontrá-la por acaso por lá e depois, eu tendo ido pra outros bairros e outras cidades, em sempre que via uma senhorinha baixinha, com cabelo loiro fosco, que nem ela, pensava que podia ser a Nelly, aí eu me lembrava que não estava no Benfica.
Ontem, fui ao mercado comprar tomate e achei uma dessas Nellys na parte das frutas e verduras. Aí me lembrei que não poderia ser a Nelly. Mas sim, ela teve uma vida longa e feliz, teve você e o Sílvio, e o Ignácio e o neto, e a Consuelo, claro, e ela gostava tanto da Isabel, tanto, falando dos remédios dela e tudo. Fiquei muito mexido, Lola, mas é isso, né?
Aqui estamos bem, tanto quanto é possível debaixo do genocida, com tantas mortes e problemas. Minha depressão recrudesceu com a pandemia mas já tô em tratamento há seis meses e tá dando certo.
Eu realmente espero poder encontrar você e o Sílvio depois que isso passar e estivermos todos vacinados. Qualquer coisa, estou aqui.
Minha mãe Nelly e meu pai Bernardo num restaurante em Buenos Aires em junho de 1964, no que deve ter sido um de seus primeiros encontros. Foi três anos antes de eu nascer! (clique para ampliar qualquer foto)