Com 10.500 quilômetros de trilhas planejadas e 3.500 quilômetros já implementadas, acolhendo de braços abertos mais de 8 mil participantes dentre as 90 trilhas espalhadas por todo o território nacional e com a conquista de duas portarias interministeriais (nº407/2018 e nº500/2020 ), a Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso tem pela frente o desafio de adotar um modelo de governança participativo, representativo, que promova o engajamento de seu coletivo ao mesmo tempo em que permita coordenar de forma coesa esta malha de trilhas em um país tão diverso e imenso como o Brasil. A Associação Rede Trilhas de Longo Curso (Rede Trilhas), concebida com esse propósito , foi institucionalizada prevendo em seu estatuto social uma organização estruturada com assembleia geral, diretoria executiva, conselho deliberativo e conselho fiscal. Cumprida a formalidade, resta à Rede Trilhas encontrar a sua alma, questionando-se sobre o que ela é, aonde pretende chegar e como será a sua atuação nesta relação com governos, instâncias estaduais e municipais, empresários, voluntários e proprietários de terras. A resposta, ao menos em parte, pode estar naquilo que constitui o seu corpo: as trilhas brasileiras.
A essência do que são as trilhas de longo curso no Brasil pode ser percebida no exemplo diário e no testemunho de pessoas espalhadas pelo país criando oportunidades para que a sociedade possa se reconectar com a natureza. São em geral motivadas por um espírito voluntário, pelo amor à sua terra e pela crença nas trilhas de longo curso como proposta de política pública e instrumento de conservação da biodiversidade. Para entender o modelo de governança adotado por cada trilha é preciso entender um pouco a sua gênese, a qual pode se dar tanto de forma espontânea, como foi o caso do Caminho da Fé e da Transcarioca, quanto como objeto de política pública de Estado para o desenvolvimento do turismo regional, como ocorreu com o Caminho de Cora Coralina.
O Caminho da Fé , que completa 18 anos em 2021, teve em sua origem cinco pessoas visionárias as quais, inspiradas em rotas peregrinas de outros cantos do mundo, conectaram o município de Águas da Prata ao Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, ambos dentro do estado de São Paulo. A participação do poder público municipal – por meio da criação de legislação reconhecendo o Caminho e pela participação direta na implementação do percurso – foi condição obrigatória para que o primeiro traçado, feito à régua sobre o mapa, se tornasse uma realidade. Para se ter uma dimensão do tamanho do sucesso, no ano de 2019 foram registradas oficialmente 12 mil peregrinações. De acordo com Camila Bassi, gestora executiva do Caminho da Fé, este número pode ser bem maior considerando que muitas pessoas utilizam o percurso para viajar. Estes resultados, associados a um bom planejamento e metas claras, são uma importante medida, pois permitem avaliar a eficiência não só da trilha, mas também da própria gestão.
Soma-se à eficiência, a legitimidade e a representatividade, como os três elementos-chave para uma boa governança. Para o presidente do Conselho do Movimento Transcarioca, Beto Mesquita, a legitimidade deve ser reconhecida pelo conjunto de atores envolvidos no processo e deve ser conquistada, sem imposição, por quem se propõe a coordená-lo. Quanto maior a representatividade, melhor a acomodação de toda a gama de sujeitos, que podem até ter objetivos distintos porém, com a devida sinergia contribuem para o avanço daquilo que possuem em comum, no caso, as trilhas de longo curso.
Há um ano, no dia três de março de 2018, era fundada a Associação Trilha Transcarioca , ato que institucionalizou um movimento de cidadania iniciado em 2013, congregou centenas de voluntários que zelam pelo manejo de uma das mais importantes trilhas de longo curso do país e que trouxe à vida a primeira pegada amarela e preta – um cristo redentor com sua mochila pronto para caminhar – que viria a ser adotada como padrão oficial da sinalização rústica das trilhas do Brasil. Na concepção da Transcarioca encontramos materializada uma tríade que inclui as unidades de conservação (UC), com seus gestores e voluntários; o Mosaico Carioca de Áreas Protegidas, com seu conselho e suas câmaras técnicas; e o Movimento Trilha Transcarioca, que coordena centenas de voluntários e dezenas de adotantes de forma sinérgica para um propósito em comum, o planejamento, a implantação, o manejo e manutenção da maior trilha urbana do país. O sistema de governança é fruto desta conjuntura e é acolhido neste berço como reflexo do dinamismo da gestão sem competir com os espaços de participação.
Diego Mendonça, diretor financeiro do Caminho de Cora Coralina , acrescenta que a transparência é outra peça-chave para o sucesso da governança. O Caminho foi concebido por iniciativa do Governo do Estado de Goiás, que descentralizou a governança com a criação da Associação do Caminho de Cora Coralina, que tornou o processo decisório mais horizontal e participativo, entre representantes do governo, empresários, voluntários e simpatizantes. Os empresários e guias atuam da mesma maneira que os voluntários no processo de implantação do Caminho, ao mesmo tempo em que se dedicam em receber os visitantes e mostrar a hospitalidade da região. Enquanto isso, estados e municípios agem em conjunto por meio de acordos de cooperação técnica, principalmente com a implantação da sinalização. Mesmo com a descentralização, a Goiás Turismo, instância governamental responsável pelo fomento do turismo no estado, mantém uma coordenação especificamente dedicada ao Caminho de Cora Coralina e contribui com o envolvimento das prefeituras como outros entes na governança do caminho.
“A trilha como política institucionalizada, facilita a captação de recursos que visam a melhoria da estrutura da trilha e a capacitação dos serviços presentes no caminho. O papel dos voluntários, empresários e simpatizantes nas trilhas é fundamental, contudo, quando o poder público local se envolve no processo, torna-se um fator capaz de contribuir para o sucesso e continuidade da trilha”, destacou Diego. Para ele, o maior desafio agora é aumentar o envolvimento da comunidade da zona rural ao longo do percurso, e segundo ele, isso se dará com comunicação, transparência nas ações e nas intenções.
Cada caminho a ser trilhado tem o seu tempo e forma de nascer e de amadurecer. A Rede Brasileira de Trilhas tem se sustentado sobre alicerces fincados em solo firme, construída de baixo para cima, pelo esforço individual e coletivo de pessoas comprometidas com seus respectivos territórios, porém dispostas a contribuir também em um contexto mais amplo. Uma política de governança alinhada ao interesse público pode dar corpo a esta trama reunindo estados e municípios – enquanto entes federativos em seu dever de implementar políticas públicas – e as diferentes frentes cidadãs empenhadas em conectar o país.
Apesar de não serem uma novidade no mundo, no contexto local as trilhas de longo curso – enquanto instrumento para o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e de fomento para arranjos produtivos turísticos locais – surgem como uma estratégia inovadora para o desenvolvimento regional e para a conservação da natureza, além dos limites das unidades de conservação. E a Rede Trilhas, enquanto governança nacional, tem pela frente um valioso papel de envolver em seu abraço, com as trilhas do Brasil, um mundo de sonho, poesia e fé.
Camila Bassi, que também é responsável pela diretoria de Rotas Peregrinas junto à Rede Trilhas, está à frente de um processo junto a direção chamado “Pensar em rede”. O trabalho tem como objetivo organizar o pensamento dos envolvidos da Rede Trilhas de forma criativa buscando sua modelagem de negócios. “Neste momento estamos desenhando e estruturando os pilares de desenvolvimento, sua forma de abordagem, método de atuação e prospecção da proposta da Rede. Por meio de um processo participativo e interativo, a direção envolvida manifesta de forma livre, o seu pensar e suas ideias para com os assuntos delineados, assim com opinião e manifestação do todo, poderemos alinhar conceitos, objetivos, visões e o que queremos no hoje e no amanhã para a Rede em nível, local, regional, estadual e nacional”, explicou a diretora.
Parte desse processo é a definição do método de implementação da Rede pela perspectiva das Instâncias de Governança, sejam elas públicas, institucionais ou da sociedade civil. O processo consiste no desenho da metodologia e na proposta de implementação da Rede pela perspectiva do Estado, como agente indutor e ponto focal no processo de articulação com as instâncias de governança em seu território. A proposta está disponível no site da Rede Trilhas e pronta para ser colocada em prática pelos Estados como forma de testá-la e no sentido de promover a melhora contínua do processo.
Assista a live da Rede Trilhas em parceria com ((o))eco sobre governança:
*Erick Caldas Xavier é secretário-geral da Rede Brasileira de Trilhas
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O post “Governança: A gestão compartilhada, integrada e participativa da Rede Trilhas” foi publicado em 7th March 2021 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco