A atuação do ITTC com mulheres migrantes em conflito com a lei resultou em um banco de dados , que visa não só sistematizar as informações coletadas ao longo dos anos de trabalho, mas também produzir conhecimento com vistas a garantir o direito dessas mulheres.
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Na terceira edição do nosso boletim especial sobre o banco, trouxemos algumas informações a respeito da situação socioeconômica das migrantes em conflito com a lei. O perfil socioeconômico é um indicador importante para se refletir sobre a condição de vulnerabilidade dessas mulheres e como esta condição muitas vezes antecede o cárcere, considerando que muitas recorrem à função de mulas no tráfico de drogas por não encontrarem alternativas para garantir seu próprio sustento e de sua família.
NOTA METODOLÓGICA
O Projeto Estrangeiras atua há mais de quinze anos com mulheres migrantes em conflito com a lei, aplicando desde 2008 questionários de forma sistematizada. Estes questionários sofreram alterações ao longo dos anos e algumas perguntas foram inseridas ou readaptadas nos anos posteriores. Deste modo, os dados apresentados a seguir se referem ao período de 2015 a 2017 quanto à informalidade do trabalho, de 2015 a 2018 quanto à responsabilidade pelo domicílio e à renda.
Entre 2015 a 2017, 422 novas mulheres passaram a ser atendidas pelo ITTC, sendo este número ampliado para 519 quando acrescentamos o ano de 2018. Entretanto, o total de respostas consideradas nos gráficos abaixo podem não totalizar estes números, pois às vezes não é possível aplicar todas as perguntas. Isso ocorre porque o questionário é realizado num momento de acolhimento e nem sempre as mulheres conseguem responder todas as questões.
QUAIS AS PRINCIPAIS NACIONALIDADES DAS MULHERES NO PERÍODO RECENTE?
Na primeira edição do boletim apresentamos as principais nacionalidades das mulheres atendidas ao longo dos anos. Todavia, essas informações variam ao longo do tempo. Nos anos recentes, apesar da maioria ainda ser composta por bolivianas e sul-africanas, outras nacionalidades ganharam destaque, como venezuelanas e filipinas.
ACESSO AO MERCADO DE TRABALHO: O PREDOMÍNIO DA INFORMALIDADE
Como apresentado na segunda edição , ainda que a maior parte das mulheres exercesse alguma atividade remunerada antes da prisão, 65% trabalhava de maneira informal e/ou por conta própria.
Entre as mulheres entrevistadas entre 2015 a 2017, é possível notar que o grau de informalidade é ainda maior entre aquelas que exerciam alguma ocupação tradicionalmente associada às mulheres, como cozinheira, doméstica, cuidadora ou babá, esteticista, cabeleireira ou manicure. Entre as mulheres nessas profissões, aproximadamente sete em cada dez eram trabalhadoras informais. Em outras ocupações a informalidade era de aproximadamente seis em cada dez, também um valor significativo.
Para além da questão de gênero, a informalidade também está associada com a escolaridade. Segundo os dados coletados no período, quanto menor a escolaridade das mulheres migrantes, maior seu envolvimento com o trabalho informal.
Entretanto, níveis de escolaridades maiores não são suficientes para garantir a inserção no mercado formal de trabalho. Entre aquelas que chegaram a cursar o ensino superior (mas não necessariamente concluíram), 42% delas trabalhavam informalmente ou por conta própria e 18% não estavam trabalhando.
A localização geográfica também é um ponto importante para se pensar nas dificuldades de acesso ao trabalho – especialmente ao trabalho formal – por parte das mulheres, considerando que as maiores taxas de informalidade se concentram nas regiões da América do Sul e Central, e na África, respectivamente.
Vale destacar também: 18% das mulheres que residiam no continente africano não estavam exercendo atividade remunerada no período que antecede a prisão. Mesmo que algumas não estivessem procurando emprego e concentrasse suas atividades na criação dos filhos e em outras tarefas domésticas, elas também estão sujeitas às condições de vulnerabilidade socioeconômica, especialmente em caso de adoecimento ou desemprego dos responsáveis financeiramente pelo domicílio.
SITUAÇÃO ECONÔMICA NO PAÍS DE ORIGEM
Há certa regularidade em relação às principais nacionalidades das mulheres migrantes em conflito com a lei atendidas ao longo dos anos, predominando bolivianas e sul-africanas. Entre 2015 e 2018, por exemplo, das 519 novas mulheres atendidas, 21% eram bolivianas e 14% sul-africanas. A média da renda mensal dessas mulheres nos anos analisados foi de 200 dólares para as bolivianas e 240 para as sul-africanas. Estes são valores aproximados, pois muitas delas têm renda irregular por conta do caráter informal de seus trabalhos.
A escassez de dados comparáveis sobre a renda mensal da população boliviana e sul africana dificulta uma análise mais profunda a respeito da renda das mulheres em conflito com a lei nascidas nesses países e da população em geral.
Contudo, olhando para a renda per capita da Bolívia e da África do Sul, é possível ver como possuem uma economia pouco desenvolvida, ainda mais se comparados com alguns países com um número próximo de habitantes. Nos casos retratados abaixo, por exemplo, a Bolívia é comparável com a Bélgica em relação ao número de habitantes, e a África do Sul com a Itália.
Consideramos importante olhar para variáveis de nível macroeconômico, pois muitas vezes elas restringem ainda mais as alternativas dessas mulheres na busca por melhores condições de vida, tendo em vista que suas opções muitas vezes já são limitadas em decorrência das desigualdades de classe, gênero e raça. Diante de tantas dificuldades para uma vida mais digna, o tráfico de drogas acaba sendo uma das alternativas possíveis para garantir o sustento dessas mulheres.
RESPONSABILIDADE PELO DOMICÍLIO
Para além do trabalho informal e das questões estruturais em seus países de origem, soma-se à condição dessas mulheres a responsabilidade pelo sustento do lar. Entre as que passaram a ser atendidas pelo projeto de 2015 a 2018, a grande maioria (81%) era responsável financeiramente pelo domicílio, sendo que 65% era a única responsável, e 16% compartilhava o sustento da casa com outra pessoa – geralmente com o cônjuge ou com os pais.
Os dados indicam que a mera prática de alguma atividade econômica não é suficiente para garantir condições de vida digna às mulheres. Elas têm que lidar com a informalidade no mercado de trabalho; a responsabilidade pelo lar não só do ponto de vista afetivo, mas também financeiro; além de oportunidades limitadas considerando a situação socioeconômica nos países de origem. Esses e outros fatores fazem com que as mulheres tenham que recorrer a meios não tradicionais para garantir sua sobrevivência, dentre eles o tráfico de drogas.
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O post “Gênero X Trabalho: olhando para as condições socioeconômicas de mulheres migrantes em conflito com a lei” foi publicado em 12th November 2019 e pode ser visto originalmente na fonte Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC