Após meses de deliberação e negociações, o Fundo Soberano da Noruega , controlado pelo Norges Bank, com mais de 1,1 trilhão de dólares sob a sua administração, excluiu a Vale, a suíça Glencore e a inglesa Anglo American da sua carteira de investimentos.
Trata-se de três das maiores mineradoras e negociadoras de commodities do planeta.
A justificativa para a exclusão, no caso da Vale, foram os rompimentos das barragens de Mariana e Brumadinho. No fim de 2018, segundo o comunicado oficial, o Fundo tinha cerca de 650 milhões de dólares em investimentos na Vale. Na cotação de hoje, representa cerca de R$ 3,7 bilhões de reais. Toda a participação foi vendida no mercado.
“O incidente (de Mariana) causou a morte de 19 pessoas e teve sérias conseqüências ambientais. O relatório de um inquérito encomendado pela BHP Billiton apontou graves falhas na barragem. Os defeitos eram de natureza tal que tornava provável que a empresa tivesse conhecimento deles”, diz o comunicado.
A recomendação do Conselho de Ética foi feita em junho de 2019 no caso da Vale. De lá para cá, o Fundo de Pensão do Governo na Noruega decidiu vender a sua participação na mineradora, processo concluído em anúncio desta quarta-feira.
O fundo, criado em 1996, concentra as receitas da Noruega com a produção de petróleo e gás. Ele está entre os maiores investidores do mundo, possuindo cerca de 1,5% de todas ações listadas globalmente em mais de 9,2 mil empresas de 74 países .
O conselho de Ética do Fundo recomenda a exclusão de empresas que não respeitem suas diretrizes éticas. O conselho do Banco Central da Noruega então decide quando agir. Por seu tamanho e importância global, é comum que as decisões do Fundo Soberano norueguês sejam vistas com atenção pelo mercado – e eventualmente outros fundos de investimento podem seguir o mesmo caminho.
Em matéria recente do Observatório, mostrei em entrevista com o diretor de Ética da Church of England, como uma reunião de 110 fundos de investimento em todo o planeta, que controlam mais de R$ 76 trilhões de reais, estão justamente abandonando investimento em mineradoras e criaram uma iniciativa para pressionar por mais segurança em barragens. A decisão do Fundo de Pensão do Governo na Noruega vai justamente nessa linha.
O comunicado cita Brumadinho. “Em janeiro de 2019, outra das barragens da Vale no Brasil entrou em colapso. A investigação deste acidente ainda não foi concluída, mas há várias semelhanças entre os dois incidentes. Defeitos foram identificados na construção, manutenção e monitoramento das barragens. A Vale possui um total de 45 barragens no Brasil”.
Importante lembrar, contudo, que o governo da Noruega, que é dono da mineradora Norks Hydro, responsável pela despejo ilegal de rejeitos em Barcarena no Pará dois anos atrás , não parece aplicar os mesmos “padrões éticos” para empresas da casa que lucram bilhões explorando minerais em países como o Brasil.
Até o momento, a Hydro cumpriu apenas 17 das 34 obrigações de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) assinado com o Ministério Público. Ameaças a moradores atingidos pelos rejeitos da Hydro estão documentas. Um relatório produzido por uma comissão externa da Câmara dos Deputados , recomendando investigações civil e criminal, não deu em nada até o momento.
BHP, Glencore e Anglo American
A BHP Billiton, parceira da Vale na Samarco e corresponsável pelo rompimento da barragem em Mariana em 2015, foi colocada “sob observação” por seus investimentos em carvão. O fundo norueguês é dono de 5% da BHP , a maior mineradora do planeta. A BHP produz 27,5 milhões de toneladas de carvão por ano. A Vale também é dona de uma das maiores minas de carvão a céu aberto do planeta, em Moçambique na África.
A nova diretriz do fundo em relação aos investimentos em carvão também foi a justificativa para a exclusão da Glencore, que o Fundo possui 1,2% de participação e da Anglo American, que tem 2,4% das ações, ambas com investimentos espalhados pelo Brasil.
A Glencore, por exemplo, presente em 35 países e com lucro de 11,6 bilhões de dólares em 2019, é um player central do setor mineral.
Em 2019, a CSN Mineração, que não parou durante a pandemia e coloca em risco mais de 6 mil funcionários em Minas Gerais , fechou dois contratos de longo prazo para o fornecimento de minério de ferro à Glencore e recebeu por isso um pagamento adiantado total de 750 milhões de dólares ou R$ 3,75 bilhões. Com isso, a CSN se comprometeu a entregar para a trader suíça 32 milhões de toneladas de minério de ferro nos próximos 5 anos.
A inglesa Anglo American, que resolveu não responder o que está fazendo para evitar que seus 2,2 mil funcionários brasileiros contraiam a Covid-19 , é dona de um grande projeto de extração de minério de ferro em Minas Gerais, com capacidade para 26,5 milhões de toneladas por ano e opera um dos maiores minerodutos do mundo, entre Minas e o Rio de Janeiro.
A Anglo American e suas subsidiárias também tem centenas de requerimentos para explorar terras indígenas na Amazônia , inclusive requerimentos que incidem sobre povos isolados , os mais vulneráveis.
Durante a sua reunião anual de acionistas, realizada na semana passada, a Anglo American foi questionada sobre esses requerimentos pela London Mining Network a partir de matéria que fiz para a Mongabay.
Em resposta , a Anglo American assumiu apenas 4 das centenas de requerimentos que, segundo ela, tem “uma pequena sobreposição” em terras indígenas. E não comentou o projeto de lei de Jair Bolsonaro que autoriza a mineração em terras indígenas , encaminhado ao Congresso.
“A tentativa da Anglo American em renomear suas práticas destrutivas de alguma maneira como “éticas” se choca com o contínuo fracasso da empresa em assumir a sua responsabilidade. Para as comunidades que já enfrentam os impactos mortais de suas operações ano após ano e que agora enfrentam uma crise de saúde pública, isso não é apenas um insulto, mas terá consequências letais”, afirma Asad Rehman, diretor executivo da ONG de justiça global com sede em Londres War on Want.
Aém do Brasil, a Anglo American opera também na Colômbia, no Peru e no Chile na América Latina.
“À medida que a pandemia se aprofunda, empresas de mineração como a Anglo American estão aproveitando a oportunidade para obter boas relações públicas. Mas oferecer alimentos ou álcool em gel para as comunidades não pode resolver os problemas crônicos de saúde e ecológicos criados pela mineração em primeiro lugar. A pandemia está deixando bem claro que as necessidades das comunidades, e não das empresas de mineração, são essenciais”, diz Hannibal Rhoades, Coordenador Regional Europeu da Rede Yes to Life, No to Mining Network.
A Eletrobrás também foi excluída dos investimentos do fundo norueguês por sua participação na usina de Belo Monte e a violação aos direitos indígenas.
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O post “Fundo Soberano da Noruega, maior do mundo, exclui Vale, Glencore e Anglo American dos seus investimentos” foi publicado em 13th May 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Observatório da Mineração