DO OC – “A carreira completa do Dr. Sultan (nas áreas de energia, clima e diplomacia) lhe confere a experiência necessária para construtivamente mobilizar, inovar e unir os diversos setores indispensáveis para alcançar uma ação significativa”. É assim que, segundo o jornal The Guardian, o governo dos Emirados Árabes Unidos pretende justificar a dupla posição de Sultan Al-Jaber, presidente da próxima Conferência do Clima da ONU e, ao mesmo tempo, CEO da petroleira estatal Adnoc. Nesta terça-feira (1/8), o jornal britânico publicou trechos de um documento vazado que lista “pontos sensíveis” ao governo emiradense e a estratégia de comunicação oficial para respondê-los.
Rodeado de desconfianças e criticado por conflito de interesses, Al-Jaber desembarca no Brasil na semana que vem para participar da Cúpula da Amazônia, em Belém. Nos dias 8 e 9 de agosto, o evento reunirá chefes de Estado sul-americanos para discutir o Tratado de Cooperação Amazônica. O “Dr. Sultan”, como ele mesmo se chama, encontrará uma Belém lotada (literalmente, pois já não há mais hotéis disponíveis na capital paraense) de ativistas climáticos. Nos dias que precedem a cúpula, um evento preparatório reunirá organizações da sociedade civil, universidades e centros de pesquisa em centenas de atividades autogestionadas para discutir o futuro da floresta, do clima e do planeta.
A notícia desta terça-feira não ajuda a minimizar as críticas ao presidente da próxima COP, que acontece em novembro, em Dubai. O documento, segundo o The Guardian, começa com três páginas que apresentam as “mensagens-chave da COP28” e não trazem sequer uma referência aos combustíveis fósseis. O foco está na promoção de energias renováveis — que, sozinhas, não são suficientes para alcançar a meta do Acordo de Paris e controlar o aquecimento do planeta.
O último relatório-síntese do IPCC foi enfático ao apontar que é preciso frear com urgência a produção e queima de fósseis para estabilizar o aumento da temperatura global em 1,5ºC. Como mostrou o levantamento do Energy Institute deste ano, apesar do aumento recorde nas energias renováveis em 2022, as emissões de gases de efeito estufa resultantes da queima de combustíveis fósseis continuaram subindo .
Entre fragilidades relacionadas ao clima listadas ao longo do documento, há uma referência ao “aumento da capacidade de produção [de fósseis] versus ambição climática”. Os Emirados Árabes Unidos têm um dos maiores planos de expansão da produção de petróleo e gás no mundo, como revelou o mesmo The Guardian em abril deste ano. Em sua NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, a meta para o Acordo de Paris), falam apenas em reduzir emissões da produção utilizando “melhores tecnologias”, sem indicar intenção em reduzir o volume da produção. É o mesmo caso de outros líderes mundiais na produção de fósseis, como Estados Unidos, Canadá e Arábia Saudita e o próprio Brasil .
A única menção direta aos combustíveis fósseis no texto é o item “Os Emirados Árabes Unidos, como uma economia baseada em hidrocarbonetos (lobby de combustíveis fósseis)”, indicado também como ponto sensível. A resposta prevista a possíveis questionamentos sobre isso, em consonância com o que país apresenta em sua NDC, é dizer que o país está “ajudando a construir o sistema de energia do futuro ao reduzir a intensidade de carbono da produção de óleo e gás” — ou seja, pretende diminuir a quantidade de emissões de CO2 na produção e ignorar a poluição climática gerada pela queima desses combustíveis.
Na mesma linha, outra vulnerabilidade listada é a taxa de emissões de CO2 por habitante dos Emirados Árabes, que está entre as mais altas do mundo. A resposta, “reconhecemos que há um espaço significativo para melhorias, e é por isso que nossa liderança nos colocou no caminho para atingir a neutralidade de carbono até 2050”, é vaga. A NDC do país não indica caminho viável para zerar emissões líquidas, ao mesmo tempo em que expande a produção de fósseis.
Além disso, o documento cita que a Adnoc não apresenta relatório de suas emissões ou um plano de sustentabilidade desde 2016. A isso, o governo pretende responder afirmando apenas que “a Adnoc está conduzindo os estudos necessários”.
A estratégia vazada indica uma liderança muito mais comprometida com a indústria fóssil do que aquela promovida por Al-Jaber duas semanas atrás , quando apresentou uma carta de intenções a diplomatas do mundo inteiro. Ali, o presidente da COP28 falava em defender corte de emissões antes de 2030, incluindo um chamado aos países para melhorarem suas NDCs, pressionar os países por financiamento climático e em reduzir os combustíveis fósseis, avançando em relação a posição apresentada no começo do ano (que se resumia justamente ao que aparece no documento interno, a redução de “emissões dos combustíveis fósseis” sem prever redução no volume da produção).
Aparentemente, há um conflito entre o que se disse ao mundo e o que se combina nos bastidores da liderança emiradense. Nos próximos dias, a sociedade civil brasileira terá uma oportunidade de perguntar pessoalmente a Al-Jaber qual das duas versões devemos esperar para a próxima COP. Aguardamos os desdobramentos. (LEILA SALIM)
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