Apuração, texto e edição: Maurício Angelo e Lúcio Lambranho
Revisão jurídica: Bruno Teixeira Peixoto e André Matheus
Fotos: Ísis Medeiros
O Observatório da Mineração foi procurado no segundo semestre deste ano por Calvyn Gardner, engenheiro inglês que é fundador da Sigma Lithium e ex-marido da atual mandatária da mineradora, a CEO Ana Cabral-Gardner, com laudos técnicos que denunciavam uma série de irregularidades e falta de segurança nas operações de lítio da Sigma em Minas Gerais.
Nos últimos meses, o Observatório empreendeu uma investigação para confirmar com fontes independentes as acusações de Calvyn Gardner. Após diversas tentativas com a própria Agência Nacional de Mineração (ANM), que recebeu formalmente as denúncias de Calvyn, protocoladas em forma de relatório técnico, obtivemos via Lei de Acesso à Informação uma resposta detalhada da ANM que indica que as denúncias do criador da Sigma têm fundamento.
Afinal, Calvyn não é um personagem qualquer. Sua saída do comando da Sigma Lithium, em janeiro de 2023, foi turbulenta, com acusações de ambas as partes . A Sigma alega que Calvyn negociou ações da empresa durante um período de restrições. Expulso da empresa que fundou ainda em 2012, Calvyn Gardner mantém investimentos minoritários na Sigma, assim como é dono de fazendas no Vale do Jequitinhonha que foram arrendadas para a empresa.
O que leva Calvyn Gardner a denunciar a empresa que fundou, segundo o executivo, é que funcionários da mineradora o procuraram e relataram “preocupações urgentes” sobre a segurança das operações em MG. Isso inclui a suposta instabilidade das paredes das cavas, repetidas quedas de rochas e pelo menos um incidente em que foi preciso evacuar uma das áreas de operação.
Esta é apenas parte das acusações do fundador da empresa contra a atual gestão da multinacional sediada no Canadá e que explora a segunda jazida com maior teor de lítio do mundo, em Minas Gerais. Há que se considerar também que, caso a mineradora se complique por questões de segurança e ambientais e entre em derrocada financeira, isso afetará parte do patrimônio do próprio Calvyn. Como mostrou este Observatório em outubro de 2024, por exemplo, o empréstimo de quase R$ 500 milhões que o BNDES aprovou para a Sigma após alterar o Fundo Clima não foi de fato concluído mesmo passado um ano porque a Sigma não conseguiu garantias bancárias no mercado.
Por trás do conturbado divórcio litigioso e troca de acusações em ações judiciais no Brasil e nos Estados Unidos entre Gardner e sua ex-esposa e atual CEO de mineradora, Ana Cabral, estão laudos técnicos contratados pelo engenheiro inglês que apontam para a falta de segurança na fase 1 da operação, conhecida como mina Xuxa, no município de Itinga, no Vale do Jequitinhonha.

“A irregularidade mais grave é o fato de a Sigma não seguir o plano de lavra aprovado pela Agência Nacional de Mineração (ANM), especialmente no que diz respeito à estabilidade das paredes das cavas. As cavas Norte e Sul não possuem degraus adequados (bancadas), o que deixa as encostas perigosamente íngremes e instáveis. Isso representa uma ameaça imediata à segurança dos trabalhadores, muito mais grave do que questões secundárias como poeira, estabilidade de pilhas de rejeito ou conformidade das vias de transporte“, revela Gardner em entrevista exclusiva ao Observatório da Mineração.

Veja abaixo na matéria as demais respostas do ex-CEO da Sigma.
Para o engenheiro, a ANM deveria exigir que a Sigma estabilize “imediatamente” as paredes das cavas, reduzindo os ângulos das encostas, construindo degraus e bermas, além de realizar testes sistemáticos de estabilidade em todas as áreas.
“Essas medidas são essenciais para garantir operações seguras e evitar os piores cenários descritos no relatório”, diz Gardner ao citar o documento encomendado por ele e assinado por dois especialistas da Chiavini & Santos em agosto deste ano.

ANM confirma exigências técnicas pendentes, PAE insatisfatório e autos de infração contra a Sigma. Agência indica fiscalização ausente em 2025 por falta de recursos.
Em resposta à reportagem sobre o caso, a ANM informou que o Plano Integrado de Aproveitamento Econômico (PAE) protocolado pela Sigma em 2023 foi considerado “insatisfatório” e que foram emitidas 23 exigências técnicas, a maior parte delas ainda pendentes de atendimento pela companhia.
Desde 2010, segundo a ANM, foram realizadas sete vistorias técnicas presenciais na área atualmente em lavra, a mais recente em agosto de 2024. A agência reguladora também informa que aplicou autos de infração contra a empresa em “diferentes ocasiões”, incluindo em 2025, em função de descumprimentos identificados no PAE.
Entre as multas aplicadas está uma que remete ao descumprimento da norma técnica que regula as normas de segurança sobre as pilhas de rejeito. Informa a ANM nos seguintes termos: “deixar de executar os trabalhos de mineração com observância das normas regulamentares – alíneas 19.1.2 e 19.1.3 da NRM 19 (as pilhas de rejeitos e as pilhas de estéreis não estão dispostas segundo plano apresentado no PAE do processo 824.692/1971, nem como aquele apresentado na última atualização do PAE no Grupamento Mineiro 931.021/1983)”.
O laudo contratado por Calvyn pede que as atividades sejam paralisadas para uma avaliação “mais detalhada”, já que a situação atual é “perigosa e oferece risco à vida” dos trabalhadores. A Sigma nega as acusações e diz que o laudo foi baseado em informações e dados antigos. Veja a resposta completa da empresa abaixo.
A ANM, porém, informou via LAI que começou um planejamento de fiscalização para apuração das denúncias feitas, mas, por falta de recursos financeiros para atividades de campo, a solicitação ainda não pode ser atendida em 2025. “A princípio, diante do contingenciamento imposto pelo Governo Federal, não há previsão de vistoria para este ano”, diz a ANM.
No quesito relacionado com as pilhas de rejeitos, a ANM relaciona uma exigência: “detalhar como será a disposição dos rejeitos em pilhas de estéril e rejeitos (PDERs), demonstrando que os projetos destas PDERs foram concebidos considerando essa disposição conjunta”.


Lavra ambiciosa e pedido da ANM para novo cálculo sobre preço do lítio
Outra acusação contra a Sigma apresentada no laudo da Chiavini & Santos encomendado por Calvyn e registrado formalmente na ANM é a de que a mineradora está praticando lavra ambiciosa. O termo é usado na mineração para descrever a extração de minério que não segue o plano preestabelecido, o que pode comprometer o futuro do aproveitamento econômico de uma jazida.
“A opção pela lavra seletiva, onde o desenvolvimento da cava visa o ataque ao minério superficial, não ocorrendo o decapeamento gradual, faz com que a situação atual das cavas apresente um enorme volume de estéril a ser removido, para que a configuração final seja atingida. O grande volume de estéril e o custo de remoção podem inviabilizar a lavra, configurando lavra ambiciosa”, informa o laudo contratado por Calvyn Gardner.
Segundo valores apresentados no PAE, diz o laudo, está previsto um custo de US$ 1,75 por tonelada de estéril e US$ 140 milhões para a remoção total do estéril. “Valor este que pode inviabilizar essa retirada, prejudicando o aproveitamento ulterior da jazida. Além do custo, o tempo necessário para remoção de todo o estéril, baseado na estimativa de decapeamento apresentada no PAE de 15 milhões de toneladas anuais, será de pelo menos 5,3 anos”, dizem os especialistas contratados pelo ex-CEO da Sigma.
Entre as 23 exigências de revisão do projeto, segundo a ANM e que está contida em uma das respostas da agência reguladora recebidas pela reportagem por meio da LAI, está uma questão sobre os valores apresentados pela mineradora sobre o concentrado de lítio, indicando necessidade em mudanças no fluxo de caixa, incidência de impostos e dados que poderiam tornar o projeto “inviável economicamente”:
“Representar fluxo de caixa considerando o preço praticado atualmente para o concentrado de lítio. Por ocasião da fiscalização de agosto de 2024 este preço estava em 780 US$/t, bem abaixo dos valores utilizados na avaliação econômica do novo PAE 2023, mesmo considerado o estudo de sensibilidade. Calcular o preço do concentrado de lítio que torna o projeto inviável economicamente. Nesta revisão do fluxo de caixa, discutir e apresentar impostos incidentes sobre a receita bruta da venda do concentrado de lítio, tais como, ICMS, PIS e COFINS”, diz a resposta assinada por Marcelino Amando Da Silva Gomes, especialista em recursos minerais e engenheiro de Minas da ANM em 24 de outubro deste ano.
Leia na íntegra as respostas da assessoria de imprensa da Sigma, da ANM e da SEMAD.
Confira com exclusividade a resposta detalhada sobre as atividades da Sigma obtidas pelo Observatório da Mineração via LAI com a ANM em dois documentos: a resposta aos questionamentos do Observatório e o plano completo das vistorias realizadas pela ANM até o momento.
Leia outros trechos da entrevista exclusiva em que Calvyn Gardner confirma denúncias e fala sobre a relação litigiosa com a empresa que fundou
Observatório da Mineração – Como cofundador da empresa, ainda acionista minoritário e parceiro em terras arrendadas para a mineradora, há diferença entre os objetivos inicialmente planejados para o projeto e a realidade das práticas implementadas pela Sigma até hoje?

Calvyn Gardner – Sim, há uma diferença profunda. A visão inicial para a Sigma era criar uma empresa de mineração com vida útil superior a 50 anos, capaz de gerar empregos, riqueza e desenvolvimento de longo prazo para uma região historicamente carente. O foco sempre foi a sustentabilidade: operar de forma responsável, reinvestir na comunidade e garantir que a mina proporcionasse oportunidades estáveis para as futuras gerações. Infelizmente, essa visão parece ter sido abandonada sob a gestão de Ana Cabral.
Nos últimos anos, profissionais técnicos com experiência em mineração, geologia e engenharia foram afastados da liderança e substituídos por pessoas com formação majoritariamente financeira e jurídica. Essa mudança levou a decisões focadas quase exclusivamente em lucros de curto prazo, em vez de criação de valor a longo prazo.
O resultado é uma gestão que prioriza o aumento rápido da produção e a valorização das ações, com pouca atenção à sustentabilidade operacional ou à segurança. Por exemplo, a extração agressiva nas cavas Xuxa, sem o manejo adequado dos taludes e degraus, já comprometeu tanto a segurança dos trabalhadores quanto a longevidade da mina. Em vez de construir um projeto capaz de sustentar a economia local por décadas, as práticas atuais da Sigma correm o risco de encurtar drasticamente a vida útil da mina, deixando para trás custos ambientais e sociais para a comunidade.
Isso é ainda mais preocupante considerando que a mina de lítio Xuxa é um verdadeiro tesouro brasileiro, sendo a segunda mina de minério de lítio de maior teor do mundo — ficando atrás apenas da mina de Greenbush, na Austrália.
Este não é o projeto que eu fundei. Minha intenção era construir algo duradouro para o povo de Araçuaí e Itinga. O que existe hoje é uma empresa movida por ganhos especulativos, e não por uma gestão responsável dos recursos.
Observatório da Mineração – Com base em sua experiência com diferentes projetos, empresas e localidades ao longo de décadas na mineração, e no atual contexto dos chamados minerais críticos, o que representa a exploração de lítio no Jequitinhonha? Seria possível desenvolver as cidades locais, melhorar a qualidade de vida das pessoas e gerir de forma responsável? Se sim, como?
Calvyn Gardner – O Vale do Jequitinhonha tem um potencial extraordinário. Pode se tornar um dos principais fornecedores mundiais de lítio, um mineral essencial para a transição energética global. Se for feito da maneira correta, essa exploração pode transformar economicamente a região: gerar milhares de empregos, estimular negócios locais e melhorar a infraestrutura de cidades como Araçuaí e Itinga. Mais importante ainda, pode oferecer às comunidades, historicamente marcadas pela pobreza e falta de desenvolvimento, um caminho de prosperidade duradoura.
Mas a palavra-chave é “responsavelmente”. Para que essa transformação ocorra, a mineração precisa ser conduzida com rigor técnico, governança transparente e compromisso genuíno com o desenvolvimento local. A estabilidade das encostas, a gestão de rejeitos, o controle da poeira e o uso da água precisam seguir os mais altos padrões. Autoridades como ANM e Semad devem fazer cumprir as normas de forma rigorosa. Sem essas garantias, os riscos são enormes: redução da vida útil da mina, acidentes de trabalho, degradação ambiental e frustração econômica.
Infelizmente, a realidade atual da Sigma demonstra o oposto.A mina Xuxa, que se esperava operar por pelo menos 12 anos, agora enfrenta o risco de fechamento após pouco mais de dois anos, devido a métodos de extração imprudentes e engenharia inadequada. Os consultores estimam que estabilizar as paredes das cavas custará cerca de US$ 140 milhões na cava Norte e um valor semelhante na cava Sul, e que essa recuperação pode levar anos antes que as operações seguras sejam retomadas. Este é um exemplo clássico de como o oportunismo de curto prazo destrói o potencial de longo prazo de projetos de minerais críticos.
Ainda assim, continuo convencido de que o Vale do Jequitinhonha pode prosperar como um polo responsável de produção de lítio, se houver mudança nas práticas de gestão. Com planejamento de longo prazo, reinvestimento comunitário e fiscalização real, a região pode abrigar operações que durem décadas — não apenas anos — melhorando a qualidade de vida dos moradores e contribuindo de forma significativa para a transição energética global.
Observatório da Mineração – Circularam diversos relatos na mídia sobre a sua saída da Sigma. Gostaria de comentar sobre isso?
Calvyn Gardner – Sim. Muitos desses relatos foram enganosos, e o processo judicial movido contra mim nos Estados Unidos foi arquivado. A questão real era um desacordo fundamental sobre como a Sigma deveria ser administrada. Eu me opus de forma firme e vocal a práticas que priorizavam lucros imediatos e valorização das ações em detrimento da segurança, da estabilidade ambiental e do futuro de longo prazo da mina.
Quando me recusei a apoiar esses métodos, Ana Cabral preencheu o conselho com pessoas leais a ela, sem experiência anterior em gestão de projetos de mineração. Com o apoio desses conselheiros, Ana moveu-se para me remover injustamente da Sigma. Essas mesmas pessoas acabaram se beneficiando financeiramente de maneira significativa e saíram ilesas das consequências de suas ações.
Enquanto isso, Ana e seu círculo mais próximo vêm vendendo centenas de milhares de ações da Sigma, até maio deste ano, mesmo cientes do estado de deterioração e da destruição inevitável da mina Xuxa. Minha saída não teve relação com nenhuma conduta indevida da minha parte — foi uma questão de valores e governança. Infelizmente, os acontecimentos posteriores em Xuxa confirmaram os riscos que eu havia alertado.
MPF pede suspensão da extração de lítio em MG por falta de consulta à comunidades tradicionais, impactos em recursos hídricos e racismo sistêmico
Em setembro, o Ministério Público Federal enviou duas recomendações, uma à ANM e outra à SEMAD (Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais) e órgãos estaduais de MG pedindo a suspensão, revisão ou anulação das autorizações de pesquisa e extração de lítio em Araçuaí e cidades vizinhas. A medida, afirma o MPF , busca garantir a consulta prévia, livre, informada e de boa-fé de comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais que não foram ouvidas antes da liberação dos projetos.
No caso da Sigma, a notícia do Ministério Público cita que um laudo técnico elaborado pelo MPF apontou “deficiências no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentado pela Sigma Mineração, em 2021, em relação aos impactos nos recursos hídricos pela exploração de minério na região de Araçuaí e Itinga”.
A perícia aponta quea localização das duas cavas – locais de retirada de material para explorar o minério – levanta sérias preocupações quanto à interferência no Ribeirão Piauí, em especial pelo rebaixamento do nível d’água para a lavra, indicando que a situação é crítica, visto que o Ribeirão Piauí constitui a principal fonte de abastecimento de água para os moradores da área e comunidades rurais no entorno, especialmente em períodos de estiagem. “As perícias também constataram a tomada irregular de territórios de comunidades tradicionais, o que causa a desestruturação das economias locais e a devastação de ecossistemas nativos”, completa o MPF .
Para o procurador da República Helder Magno da Silva, autor da recomendação, “a exploração do lítio não pode repetir um ciclo histórico de exploração predatória e exclusão social no Vale do Jequitinhonha”.

Na recomendação enviada à Semad , o MPF reforça os pedidos anteriores e solicita o mapeamento de comunidades indígenas, quilombolas e chapadeiras, entre outras, afetadas. Para o Ministério Público, “a recomendação tem como objetivo a proteção dos direitos humanos, étnico-raciais e territoriais de povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais na região, que estão sendo afetados pela expansão da mineração de espodumênio/lítio, metal utilizado na fabricação de baterias”.
O documento abrange diversas comunidades quilombolas em Araçuaí, como Córrego do Narciso do Meio, Baú, Jirau e Malhada Preta, além de agrupamentos indígenas Pankararu/Pataxó, Aranã Índio, Aranã Caboclo e Canoeiros Maxakali.
O MPF aponta “erro no licenciamento” , com omissão do Estado, destacando que havia a presunção de “ausência de impacto com base em documentos produzidos pela própria empresa interessada, sem considerar estudos antropológicos independentes”.
A MPF ressalta que a Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) é um direito fundamental assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que no Brasil tem força de lei, o que não foi respeitada.
A ANM pediu a extensão do prazo original para mais 180 dias para poder responder ao MPF, o que foi aceito. A Semad afirma que “a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais (AGE) irá se manifestar nos autos do processo”.
Observatório foi alvo de tentativa de censura prévia e intimidação judicial por parte da Sigma. Ação no STF questiona atuação da empresa.
O Observatório da Mineração investigou, apurou e publicou uma série de reportagens sobre a expansão do lítio no Vale do Jequitinhonha desde o início de 2023. Como maior mineradora atuando na região, a Sigma foi assunto de diversas matérias.
Segundo lideranças indígenas, quilombolas, pesquisadores e fontes locais ouvidas nos últimos anos, assim como uma série de documentos técnicos verificados, incluindo os próprios arquivos do licenciamento ambiental da empresa, a Sigma acumula denúncias de violações de direitos humanos, impactos socioambientais, efeitos negativos na água, no solo, no ar, nas casas ao redor dos empreendimentos, irregularidades no licenciamento, deficiências nos estudos de impacto ambiental, utilização de tecnologias ultrapassadas e impacto até na inflação, na segurança e na saúde das cidades afetadas no Jequitinhonha.
A matéria publicada pelo Observatório em maio deste ano , baseada em nota técnica, foi alvo de tentativa de censura prévia e intimidação judicial pela Sigma Lithium contra o nosso trabalho.
O Observatório publicou a matéria e denunciou a intimidação para o Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União e Ministério Público de Minas Gerais, que abriram procedimentos, a Federação Internacional de Direitos Humanos, que acionou a ONU e o governo brasileiro , assim como recebemos apoio das principais organizações de classe do jornalismo (ABRAJI, FENAJ, Instituto Vladimir Herzog e Sindicato dos Jornalistas do DF) e da ciência (SBPC e ABA).
Em julho , uma coalizão liderada pela deputada federal Célia Xakriabá (PSOL) articulou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no STF (Supremo Tribunal Federal) contra a exploração de lítio no Jequitinhonha e a Sigma. A ADPF 1279 sustenta que o projeto da Sigma agrava a crise climática e social na região.
A ADPF, afirma a coalizão , pede que o Supremo: reconheça o estado de exceção ambiental instalado no Brasil; determine intervenção imediata para proteger comunidades e territórios; reafirme o direito constitucional ao meio ambiente equilibrado. Os autores lembram que “a Constituição garante a proteção da vida, da água, das florestas e das populações tradicionais — princípios hoje frontalmente violados”.
Sigma foi multada por inserir informações falsas em relatório anual de exploração da jazida de lítio
A Sigma Lithium ainda foi multada por inserir dados incorretos no seu relatório anual de lavra.
A empresa também é acusada de excluir áreas de seu interesse para exploração de lítio dos documentos de licenciamento ambiental apresentados ao governo de Minas Gerais com os quais tenta ampliar suas atividades no Vale do Jequitinhonha.
“Deixar de prestar, no relatório anual de lavra, informação ou dado exigido por lei ou por Resolução da ANM ou prestar informação ou dado falso, uma vez que na informação sobre as reservas remanescentes nas concessões de lavra foram introduzidas informações erradas, bem como mapas apresentados com a ausência de afloramentos constantes do relatório final de pesquisa”.
Esta é a descrição do auto de infração aplicado pela ANM no valor de R$ 4.527,31 mil, de 13 de fevereiro de 2025. As citadas reservas remanescentes apontadas na multa são os locais que ainda vão ser explorados no ano seguinte pela mineradora e precisam ser descritos de forma correta no caderno de atividades do ano anterior.
Já os afloramentos são rochas ou minerais expostos na superfície que permitem a pesquisa, identificação e extração de jazidas minerais, como rochas e minérios. A identificação dos afloramentos, segundo os dados técnicos da agência reguladora, constitui a primeira etapa para o desenvolvimento de um projeto de mineração.
Ao citar a infração em resposta ao pedido de lei de acesso à informação, a ANM informa que a empresa apresentou um recurso de contestação e que ainda está pendente de análise.
Apesar de uma possível reconsideração neste caso específico, a multa é parte de um conjunto de dados que apontam para irregularidades na extração de lítio da Sigma, incluindo 23 novas exigências da agência reguladora após fiscalizações realizada em 2024 e de uma segunda multa de R$ 4.023,41 mil sobre disposição irregular das pilhas rejeitos, essa já paga pela mineradora e sem contestação.
No caso da retirada de áreas de interesse para a exploração dos documentos de licenciamento ambiental, trata-se da segunda parte das denúncias formuladas pelo fundador da empresa, Calvyn Gardner.
Segundo o estudo técnico contratado pelo engenheiro inglês, a Sigma excluiu nove áreas do licenciamento ambiental apresentado em 2022 na Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) de Minas Gerais.
“Ao comparar as concessões de lavra que contemplam o Grupamento Mineiro n° 931.021/1983 nos documentos de instrução do Licenciamento Ambiental com as aprovadas e efetivadas pela ANM nos autos dos processos minerários, ou seja, aquilo que de fato é um grupamento mineiro para a Agência Nacional de Mineração, é possível verificar que há divergências entre as poligonais contempladas nos respectivos documentos, tanto em número de poligonais, visto que para a ANM são 15 processos minerários ou poligonais, enquanto que no processo SLA 3341/2022 constam apenas 6”, diz o estudo da Chiavini & Santos.
Além dessa exclusão, afirma o parecer, das áreas incluídas, duas não fazem parte do grupo mineiro e uma delas seria de titularidade da Arqueana Empreendimentos e Participações S.A, com o nome de Pegmatito Algodão.
A outra irregularidade, segundo o fundador e seu estudo técnico, seria o fato de outro processo minerário (804.541/1971), também inserido no licenciamento, pertencer à Sigma Mineração, mas ainda está em fase ainda de Requerimento de Lavra, como comprovado por checagem na base de dados da ANM. Ou seja, não poderia ser incluído entre aqueles em que a empresa pretende ampliar a exploração de lítio.
“Ambas não podem, portanto, fazer parte de Grupamento Mineiro na ANM, conforme legislação minerária atual, assim como não fazem”, conclui o parecer. Um dos 23 apontamentos de novas exigências informados à reportagem pela ANM também remete a uma área da Arqueada.
“O aproveitamento integral dos pegmatitos, prometido pela Arqueana em 1983, foi a razão que justificou a aprovação desse GM, caso ele não aconteça, a Sigma deverá buscar uma forma de constar pelo menos uma mesma substância mineral aprovada nas reservas de todas as concessões de lavra pertencentes ao GM, senão será recomendada a dissolução do GM”, diz a ANM.
A sigla GM citada no parecer é a de Grupamento Mineiro, justamente parte do que alega Calvyn Gardner em sua contestação sobre as informações de licenciamento e da reunião irregular de áreas pela Sigma enviadas para o licenciamento ambiental.
Segundo a denúncia do engenheiro inglês, a projeção da cava de Barreiro e a Área Diretamente Afetada (ADA) do projeto de expansão da Sigma extrapolam os limites das áreas autorizadas pelos direitos minerários, invadindo a poligonal do processo 832.075/2001, da Arqueana.

Mineradora diz que dados usados por Gardner são de 2020 e que as informações são “infundadas e equivocadas”
A Sigma Lithium nega as acusações apontadas por Calvyn Gardner e alega que as informações técnicas apresentadas por ele na ANM são “infundadas, desatualizadas e equivocadas”, além de não representarem a “documentação regulatória e a realidade operacional da empresa”.
“Em relação à acusação de desacordo com o Plano de Aproveitamento Econômico (PAE), cumpre esclarecer que as falsas alegações se baseiam em dados técnicos desatualizados, protocolados em 2020. A empresa opera em total conformidade com a versão atualizada do PAE, que foi devidamente analisada e aprovada pelos órgãos competentes, com o projeto executivo protocolado em 25 de novembro de 2022. Não há evidência técnica que confirme as alegações de acidentes, e relatos informais não constituem prova técnica válida. Os custos de operação, por sua vez, estão em linha com o plano aprovado, sendo apresentados trimestralmente também à SEC nos EUA e à OSC no Canadá”, diz a mineradora.
Nessa primeira resposta, enviada em setembro, a assessoria da Sigma afirmou, sobre vários pontos questionados, que:
“Quanto ao licenciamento e aos direitos minerários, o processo do Projeto Grota do Cirilo considerou os 6 direitos minerários que fazem parte da Área Diretamente Afetada (ADA), conforme a documentação registrada na ANM. A operação atual da companhia se dá no Pegmatito Xuxa, e não nos pegmatitos Barreiro e Algodão, citados nas alegações.
A cava do Pegmatito Barreiro e a ADA não ultrapassam os limites autorizados. O planejamento das lavras se dá estritamente de acordo com os parâmetros legais e a fiscalização da ANM. A inclusão de processos que não pertencem a um mesmo grupamento é permitida para fins de licenciamento ambiental.
A empresa detém a titularidade de todos os direitos minerários necessários para a sua operação, devidamente vistoriados e licenciados, e possui um acordo legal com a Arqueana para o processo minerário de sua titularidade.
A Sigma reitera que não há inconsistências em seu processo de licenciamento ambiental e, portanto, não há riscos de nulidade ou prejuízos legais, regulatórios ou ambientais”.
Sobre as recomendações do MPF, a Sigma respondeu que:
“reafirma que o Projeto Grota do Cirilo possui todas as licenças ambientais concedidas pelos órgãos competentes, em plena conformidade com a legislação brasileira. Não há povos originários no raio legal do empreendimento, conforme atestado pelos órgãos ambientais responsáveis durante o processo de licenciamento. A companhia rejeita de forma categórica alegações incorretas e sem fundamento sobre ausência de consulta ou supostas falhas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Todos os estudos foram conduzidos com robustez técnica, avaliados e aprovados pelos órgãos competentes — incluindo a SEMAD, com base na Resolução CONAMA nº 01/1986, que exige EIA e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) — e seguem sob fiscalização permanente. No campo social, a Sigma já beneficia diretamente dezenas de milhares de pessoas no Vale do Jequitinhonha, com um impacto econômico e social expressivo”, disse a mineradora.
A Sigma afirmou ainda que, sobre os recursos hídricos e a segurança das operações:
A empresa protegeu integralmente o leito e as Áreas de Preservação Permanente do Ribeirão Piauí, dividindo o corpo mineralizado do Pegmatito Xuxa em duas cavas (Norte e Sul) para preservar o curso d’água. Essa decisão aumentou a complexidade técnica e os custos da operação, mas assegurou a manutenção do modo de vida das comunidades ribeirinhas e permitiu que Araçuaí e Itinga recebessem simultaneamente a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM).
A Sigma possui outorga válida emitida pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) para a captação no Rio Jequitinhonha, com limite máximo autorizado de 150 m³/h, conforme previsto na Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997). A captação é realizada de forma legal, monitorada e em conformidade com os volumes autorizados, assegurando o uso racional e sustentável dos recursos hídricos da bacia.
Em 2024, a demanda efetiva de água de captação da operação foi de aproximadamente 80 m³/h do Ribeirão Piauí, em regime contínuo de funcionamento da planta. A maior parte desse volume é recirculada internamente, reduzindo significativamente a necessidade de captação externa no Rio Jequitinhonha. Assim, o consumo real é muito inferior ao limite outorgado, assegurando eficiência e sustentabilidade no uso do recurso. Além disso, o monitoramento contínuo comprova que o Ribeirão Piauí já apresentava condições de Classe 4 antes da operação da Sigma, com altos níveis naturais de ferro, manganês, alumínio e coliformes fecais. Ainda assim, a empresa adotou medidas voluntárias, como a instalação de caixas d’água, o fornecimento de caminhões-pipa e a implantação de cortina arbórea de proteção.
No âmbito da segurança, a companhia alcançou a marca de mais de 700 dias sem acidentes com afastamento e está entre as melhores empresas colocadas no ICMM, o que demonstra o compromisso com a segurança de seus colaboradores.
Confira na íntegra as respostas da Sigma enviadas ao Observatório da Mineração.
Após novas rodadas de apuração e novos pedidos de comentários feitos pelo Observatório da Mineração, a Sigma não respondeu até o fechamento desta edição questionamentos formulados pela reportagem sobre as informações da ANM, especialmente sobre o auto de infração relacionado com a pilha de rejeitos e demais exigências citadas pela agência reguladora em detalhe na resposta que o Observatório obteve via LAI.
Foram enviadas questões específicas para a assessoria de imprensa da mineradora em 25 de novembro e novas mensagens no dia 28 do mesmo mês e no dia 2 de dezembro, tanto por email quanto por Whatsapp.
Embora a CEO, Ana Cabral-Cardner, não estivesse copiada na demanda dirigida à assessoria da Sigma, recebemos, sem saber se propositadamente ou por descuido, uma resposta de Ana Cabral dirigida a todos os copiados afirmando que era para deixar o Observatório da Mineração sem novas respostas às perguntas enviadas. “Ótimo, deixe sem resposta”, escreveu Ana Cabral.
Lamentamos a postura porque as respostas da Sigma, de interesse da empresa, assim como de toda empresa que é procurada para se posicionar por um veículo de imprensa em qualquer situação, poderiam esclarecer ou contrapor pontos técnicos importantíssimos fornecidos pela ANM em detalhes.
O espaço, no entanto, continua aberto para as manifestações da Sigma.
SEMAD informa sobre licenciamento, avaliação de impactos e tipo de lavra adotada pela Sigma
A Semad informou que o pedido de ampliação do projeto da Sigma está em análise pela secretaria e que “durante o processo de licenciamento ambiental, também foram realizadas quatro vistorias de campo para subsidiar a análise técnica”.
Sobre a localização dos empreendimentos da Sigma, a Semad ressaltou que “a empresa apresentou os projetos EIA/RIMA — estudo ambiental mais completo e detalhado — que contempla, inclusive, a avaliação de impactos cumulativos. Dessa forma, não se configura fragmentação, uma vez que todas as ampliações seguiram o rito regular do licenciamento ambiental”.
Em relação à alternativa tecnológica adotada pela Sigma, de lavra a céu aberto, a Semad afirmou ao Observatório da Mineração que “foram considerados aspectos técnicos do empreendimento, como a profundidade da jazida, tipo de ocorrência, geometria, relação estéril/minério e a presença de recursos hídricos subterrâneos. Esses fatores são determinantes para a definição do método de lavra, que pode ser a céu aberto, subterrâneo ou misto”.
A Semad não respondeu a novos pedidos de comentários feitos pelo Observatório após a primeira rodada de perguntas.
O post EXCLUSIVO: Fundador da Sigma Lithium denuncia irregularidades e falta de segurança nas operações da mineradora em MG. ANM diz que acabou o dinheiro para fiscalização apareceu primeiro em Observatório da Mineração .
Fonte
O post “EXCLUSIVO: Fundador da Sigma Lithium denuncia irregularidades e falta de segurança nas operações da mineradora em MG. ANM diz que acabou o dinheiro para fiscalização” foi publicado em 10/12/2025 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Observatório da Mineração
