Trinta e duas meninas e meninos são mortos todos os dias no Brasil. Isso significa que mais de 11 mil jovens são vítimas de homicídio por ano, número que, em 2015, superou as estatísticas de crianças assassinadas na Síria (7,6 mil) – país que há oito anos vive em estado de guerra civil.
Estes dados, coletados entre 1990 e 2017, fazem parte do relatório apresentado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) na última quinta-feira (21), no Rio de Janeiro (RJ), durante o evento que comemorou os 30 anos da Convenção sobre os Direitos da Criança.
A mesa do evento foi composta por autoridades de diferentes entidades: Eduardo Gussem, procurador-geral de Justiça; Pedro Fernandes, secretário estadual de Educação; Florence Bauer, representante do UNICEF no Brasil; Vanessa Cavalieri, titular da Vara da Infância e da Juventude; e Jucélia Oliveira Freitas (Tia Ju), deputada estadual do Rio de Janeiro.
O evento também recebeu falas de redes de adolescentes, lideranças religiosas e representantes dos movimentos de mães e familiares de crianças e adolescentes vítimas da violência. Quarenta jovens de diferentes movimentos realizaram uma apresentação de “slam”, modalidade de recitação de poesias que tem se popularizado no Brasil, abordando os direitos das crianças. Cerca de 150 pessoas participaram dos painéis.
Número, trinta anos depois
Ratificado por 196 países em 1989, o tratado feito na Convenção inspirou a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90) no Brasil, garantindo direitos da juventude no país. Os dados do relatório apresentado pela coordenadora da UNICEF no Rio, Luciana Phebo, apontam muitos progressos nos direitos das crianças brasileiras, principalmente nas áreas da saúde e educação.
A taxa de mortalidade infantil de crianças de até um ano caiu drasticamente: enquanto em 1990 o registro era de 47,1 mortes a cada 1 mil, em 2017, o número passou para 13,4 – o menor índice já registrado. Isso significa que 827 mil vidas foram salvas em três décadas.
Além disso, a porcentagem de exclusão escolar diminui significativamente. Em 1990, quase 20% das crianças de 7 a 14 anos (idade obrigatória na época) estavam fora da escola, enquanto em 2017, a porcentagem caiu para 4,7% das crianças e adolescentes de 4 a 17 anos. Mesmo que tenha diminuído, o estudo aponta quase 2 milhões de meninas e meninos ainda fora da escola.
Progressos na infância, retrocessos na adolescência
“Não podemos salvar essas crianças na primeira infância e perdê-las na adolescência”, disse Florence Bauer, representante da UNICEF no Brasil, durante a abertura do evento.
Em 30 anos, os homicídios de adolescentes mais que dobraram no Brasil, totalizando mais de 190 mil vítimas de 10 a 19 anos. Estima-se que um em cada dez meninos e meninas assassinados no Brasil foi morto no estado do Rio de Janeiro.
Na capital carioca, “um adolescente sofre maior risco de ser assassinado do que a população em geral”, afirmou durante apresentação André Rodrigues, cientista político e integrante do Comitê para Prevenção de Homicídios de Adolescentes no Rio de Janeiro, criado em 2018 e que reúne diferentes entidades, como UNICEF, Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), Defensoria Pública, institutos de pesquisa e órgãos municipais e estaduais.
“O Rio de Janeiro vive um agravamento da proporção de homicídios de adolescentes decorrentes de intervenção policial”, completou. Segundo o pesquisador, somente no primeiro semestre de 2019, a polícia foi responsável por 44% das mortes violentas intencionais contra adolescentes na capital carioca.
Florence Bauer acredita disse acreditar que a tendência é que os números subam cada vez mais, se mais políticas públicas não forem implementadas. Ela lembra que o assassinato de jovens no país se tornou algo ‘naturalizado’, uma vez que 32 meninos e meninas morrem todos os dias. “A maioria desses meninos são negros, pobres, de periferia, estão fora da escola”, afirmou Bauer.
“Somos, aqui, a voz dos nosso filhos que não tiveram seus direitos respeitados”, disse Bruna Silva, representante do grupo de mães e familiares de crianças e adolescentes vítimas da violência. Acompanhada de outra mãe do coletivo, Silva fez a leitura da carta aberta do grupo à sociedade, falando principalmente das dificuldades e de saudosismo.
Reversão do quadro: iniciativas a tomar
“É fundamental que o país, primeiro, trabalhe para desnaturalizar essas mortes”, disse Bauer. Para ela, a naturalização se evidencia quando alguns casos chegam à mídia e outros permanecem desconhecidos, não debatendo e expondo o problema de forma profunda. “É preciso quebrar esse ciclo da violência”, completou.
Durante o painel apresentado pela UNICEF, Phebo citou uma série de medidas que devem ser tomadas para reverter as altas taxas de mortes de adolescentes no país. Entre elas, está a de reafirmar os compromissos assumidos pelo Brasil na convenção, de maneira a engajar poder público, sociedade civil, setor privado e as próprias crianças e adolescentes.
É necessário também que esses jovens sejam colocados como prioridade absoluta no país, consolidando os avanços obtidos e não deixar que eles se percam, defendeu Phebo. Além disso, investimentos públicos para infância e adolescência devem ser garantidos, investindo em políticas que busquem a equidade.
Engajamento jovem
Apesar do quadro negativo em relação à homicídios de adolescentes, Bauer se demonstrou muito positiva com a participação dos jovens durante o evento, que, para ela, apresentaram um forte engajamento de cidadania. “É muito positivo esse movimento de cidadania e o papel que eles estão tendo, que muito provavelmente continuarão a ter como adultos”, disse.
“Nós estamos fazendo isso não só pra gente, mas para aqueles que vão vir também”, defendeu Elis, de 17 anos e integrante do Monitoramento Jovem de Políticas Públicas (MJPOP). “Ser criança”, completou a jovem, “é passar por violações de direitos todos os dias”.
Trazida para o Brasil em 2005, a metodologia do MJPOP envolve hoje mais de 200 jovens em grupos de monitoramento de políticas e serviços públicos em Fortaleza, Rio de Janeiro, Ponto dos Volantes e São Paulo. A proposta é abraçar elementos importantes para construção de uma cidadania participativa, de maneira que as pessoas, e principalmente os jovens, entendam seus direitos e seu papel para que eles sejam cumpridos.
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