A primeira edição da série “Jornada das Juventudes” ocorreu na semana passada (10) e refletiu sobre como a vida digital, em época de distanciamento social, tem intensificado as práticas de cyberbullying, sexting e exposição na Internet pelo público jovem e adolescente.
A série é uma realização do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) juntamente com o projeto “Multiplicando Saúde: promoção de saúde de adolescentes na perspectiva da educação popular”, PET Saúde , Instituto Federal do Rio de Janeiro.
A pesquisa Juventude Conectada , realizada em 2019 pela Fundação Telefônica Vivo com jovens entre 15 a 29 anos, mostrou alguns impactos positivos que a Internet pode gerar: 92% dos jovens brasileiros concordam que a Internet possibilita maior acesso a conhecimento e informação, e 42% se sentem mais motivados a estudar com o uso da Internet.
Porém, a psicóloga Susana Engelhard Nogueira lembra que nesse espaço também existem ambientes hostis com múltiplas formas de violência. “Essas violências se apresentam de diferentes maneiras que visam a intimidação das vítimas e constrangimento. Na Internet a informação circula muito rápido, e dificilmente são apagadas, o que é reforçado por um suposto anonimato que perpetua humilhações”, diz.
Para a psicóloga que é docente de Psicologia do IFRJ campus Realengo e Tutora do PET Conexões de Saberes Sexualidade e Educação Sexual , é importante criar espaços de escuta e segurança apoiados pela educação sexual.
“A saúde sexual de adolescentes precisa ser tratada de maneira integral, porque os adolescentes passam por importantes transformações conectadas ao seu papel social e identidade. E a sexualidade é um desses componentes, portanto, escolas, famílias e os equipamentos de saúde são fundamentais, porque podem oferecer informação com qualidade, baseada em evidências e com linguagem acessível criando espaços potentes e seguros para o diálogo”, declara.
O debate centrou a sua atenção para cyberbullying, fenômeno em que se transpõem para o ambiente virtual as ações de bullying como perseguições e agressões.
“Eu sempre pensei a Internet como uma grande praça que a gente vai para se divertir, aprender e ensinar. Mas hoje as pessoas estão usando a Internet para despejar o seu sentimento de ódio”, afirma Werika Amaral, estudante secundarista e ilustradora.
“Precisamos falar dos nossos corpos, que ainda é um tabu entre adolescentes, e a educação sexual deve vir para quebrar isso, prevenir e ensinar para toda a família compreender essa realidade.”
A promoção do diálogo foi apontada pelos especialistas como ferramenta de prevenção e conscientização contra práticas violentas, como aquelas que podem ser geradas pelo sexting .
O termo em inglês faz referência a troca de mensagens íntimas, mas quando essas mensagens são expostas sem consentimento, se tornam elementos para a extorsão, aliciamento, entre outros crimes.
Desde 2018, de acordo com pesquisa realizada com menores de 18 anos , já se indicava um aumento da prática de sexting, onde um em cada sete jovens já enviou algum material sensível, e um em cada quatro diz ter recebido.
Por conta do distanciamento social ocasionado pela pandemia da COVID-19, as trocas de mensagens íntimas se tornaram práticas corriqueiras, lembra o antropólogo Felipe Bruno Martins Fernandes.
“O que acontece hoje não é uma novidade na história da humanidade, todas as sociedades interpretam e circularam o erótico. Mas na atualidade precisamos entender os limites dessa prática, e aqui falo do limite como assédio ou como violência.”
“Temos que refletir que essas práticas de trocas de imagens não são negativas, precisamos é pensar numa ética, precisamos cuidar mais do outro com uma comunicação menos violenta”, diz o especialista, que é docente da Universidade Federal da Bahia (UFBA) em Estudos de Gênero e Diversidade e coordenador do Gir@ – Grupo de Estudos Feministas em Política e Educação .
Segundo Letícia Medeiros, graduanda em fisioterapia do IFRJ campos Realengo e membro do PET Conexões de Saberes Sexualidade e Educação Sexual, o sexting insere a mulher num ambiente onde ela se torna o principal foco de vazamento de conteúdos íntimos.
“O sexting tem sido uma forma de expressão da sexualidade da juventude, é um fenômeno que não podemos discriminar completamente. Mas quando esse sexting se torna uma ação de vingança temos um problema, principalmente voltado para as mulheres.”
“A pornografia de vingança, com a divulgação de conteúdos íntimos, parece ocorrer por conta de uma tentativa de empoderamento masculino, de ter a propriedade e ganhar status, no sentido de reforçar sua virilidade e propagar a objetificação da mulher”, avaliou.
A associação civil SaferNet Brasil — que atua no enfrentamento aos crimes e violações aos direitos humanos na Internet — atendeu 669 casos envolvendo vazamento de imagens íntimas em 2018. Desses casos 65,8% das vítimas eram mulheres. Em 2020, o número de casos de exposição de imagens íntimas teve um acréscimo de 154,90%.
Denúncias sobre casos de abuso e exposição na Internet podem ser formalizadas pelo 180, ou também na Delegacia de Polícia Civil mais próxima do local de residência da vítima, ou também numa Delegacia Especializada em Crimes Cibernéticos.
A Constituição Federal (Artigo 5º , que garante o direito de preservação da imagem de crianças e adolescentes), o Código Penal (Art.139 e 140 sobre difamação e injúria ), e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Artigo 17 que garante a integridade física, psíquica e moral, além da preservação de sua imagem) são algumas das ferramentas legais nacionais disponíveis.
A mediação do evento foi realizada por Bernardo Lopes, assistente técnico de operações do UNFPA, com apoio de Douglas Rosa Ian Emídio, bolsista do PET Saúde/Interprofissionalidade – subprojeto Multiplicando Saúde: promoção de saúde de adolescentes na perspectiva da educação popular.
Assista ao debate:
Fonte
O post “Espaços de escuta e educação sexual previnem ciberbullying e exposição na Internet” foi publicado em 17th September 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ONU Brasil