Duas ditaduras árabes que tem a sua economia baseada no petróleo entraram forte no mercado brasileiro de minerais estratégicos, com investimentos previstos de R$ 23 bilhões para os próximos anos, como mostramos recentemente.
São cifras significativas até para os padrões exorbitantes do setor mineral, acostumado com a casa dos bilhões. Esse novo capítulo do investimento árabe na mineração brasileira é um movimento gestado ao longo dos últimos anos, incluindo a aproximação das ditaduras da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes com o ex-governo de Jair Bolsonaro, o que deu origem ao conhecido episódio das “joias” e suas implicações que se arrastam na justiça .
Mais do que “presentes” indevidos que foram embolsados por figuras especialistas em ações ilegais, o que o interesse árabe no mercado mineral brasileiro simboliza é a oportunidade ideal de diversificar os trilhões de dólares do petróleo mirando a transição energética e a tão maltratada “sustentabilidade”, como políticos e empresários insistentemente tentam vender.
São movimentações que adicionam camadas extras de complexidade ao já complexo jogo geopolítico da transição e mexem com o que será debatido, analisado, prometido, encampado e encaminhado na próxima COP 30, a ser realizada em Belém no fim deste ano. E com o que não será também.
Afinal, os petroestados dominaram as últimas COP’s e os lobistas do petróleo fizeram a festa. Há enorme risco de que o cenário se repita em Belém.
A COP 29 de 2024 no Azerbaijão, por exemplo, contou com 1.773 representantes do lobby fóssil , o Azerbaijão utilizou o evento para fechar novos negócios de óleo e gás e cerca de 132 executivos do setor tiveram o tapete vermelho estendido para participar da conferência. Os números superam até mesmo o da COP anterior, realizada em Dubai nos Emirados Árabes. Os mesmos que prometeram injetar R$ 15 bilhões no mercado brasileiro de minerais estratégicos , tudo sob os auspícios e o júbilo do Ministério de Minas e Energia (MME).
O PIB de 1 trilhão de dólares da Arábia Saudita depende mais de 40% do petróleo e o país figura na terceira posição global entre os maiores produtores, atrás dos Estados Unidos e Rússia. Os Emirados Árabes tem um PIB de 506 milhões de dólares e também depende fortemente do petróleo, aparecendo na nona posição de maiores produtores, atrás do Brasil, em oitavo . A busca por “diversificar” a economia e depender menos do petróleo tem nos investimentos em minerais estratégicos o eixo principal.
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Influência no contexto global é relevante antes, durante e depois da COP no Pará
O impacto da entrada do mercado árabe no setor mineral diante da liderança brasileira durante a COP 30 deste ano e as constantes violações de direitos humanos verificados nestas ditaduras foram analisados por entrevistados ouvidos pelo Observatório da Mineração.
Fernando Brancoli, professor adjunto de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lembra que a Arábia Saudita historicamente usou a COP para defender o petróleo e agora pode tentar projetar uma imagem de “aliada” da transição energética, algo que precisa ser analisado criticamente.
Monique Sochaczewski Goldfeld, professora de Relações Internacionais do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), não vê no caso do investimento da Arábia Saudita (R$ 8 bilhões em mapeamento geológico) algo específico a impactar a COP 30, mas um cenário em que é preciso ficar atento.
“Já contamos com acalorados debates dentro do Brasil sobre a exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas, que muitos usam o eufemismo de Margem Equatorial. Lembro então que a COP 30 já herda discussões internas e externas anteriores e que ainda se dará em primeiro ano de novo governo Trump nos EUA que acaba de retirar seu país do Acordo de Paris”, avalia.
No caso dos Direito Humanos, a professora do IDP argumenta que não há dúvidas que há violações de direitos humanos na Arábia Saudita, mas isso também ocorre em muitos países com os quais o Brasil tem relações importantes, como a Rússia de Putin da qual importamos fertilizantes.
“Como diz o biógrafo de MBS (Mohammad bin Salman bin Abdulaziz Al Saud, príncipe herdeiro da Arábia Saudita), Ben Hubbard , a história da Arábia Saudita era baseada em duas coisas: petróleo e Islã. Ambos seguem importantes, até porque lembramos se tratar do país que abriga as duas principais mecas sagradas do Islã. Desde a ascensão de MBS em 2015, porém, há ações no país visando agradar os jovens e com isso uma diminuição das restrições – como a proibição de mulheres de dirigir que vigorou até 2018 – embora ainda sejam lentas e incompletas”, explica.
O biógrafo, destaca a professora, chama essa mudança de “softglovered authocracy”, algo como uma “autocracia macia” em que os cidadãos devem manter as aparências em público, mas em que “as autoridades ligam pouco para o que fazem ou dizem no privado desde que não sejam xiitas planejando protestos ou jihadistas preparando ataques”. “Importante também que eventuais críticas não se deem contra a família real ou sejam muito específicas sobre corrupção”, completa.
Mateus Santos, doutorando em História pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), também aponta que o país está numa transição social desde a ascensão do príncipe-herdeiro Mohammed Bin Salman e que a perspectiva de um longo período de seu comando no reino pode ser importante na tentativa de contenção das contradições e dilemas na área de Direitos Humanos.
“Em relação à posição do Brasil, as diretrizes básicas da Política Externa do terceiro governo Lula se pautam, dentre outras coisas, pela contribuição à construção de uma ordem global multipolar a partir da valorização dos laços com atores latinoamericanos, africanos e asiáticos, além da retomada plena da atuação do país em diferentes agendas como paz, desenvolvimento e meio ambiente. Nos três objetivos, a Arábia Saudita é um parceiro fundamental”, acredita.
Para Santos, a Arábia Saudita pode ser um importante ator no debate de natureza global na COP. “Sem desconhecer as contradições e limites que existem na condição do país árabe que se coloca, Riad demonstra interesse em protagonizar um processo que diz respeito diretamente à sua sobrevivência econômica. Nesse sentido, considerando as incertezas quanto ao futuro da agenda climática após a eleição de Donald Trump nos EUA e as dificuldades já registradas na COP-28 em Dubai e na COP-29 em Baku quanto à costura de consenso entre os países, caberá ao Brasil criar condições de diálogo com atores estratégicos que demonstram avanço, em diferentes esferas, na condução de seus respectivos processos de transição. Esse é o caso da Arábia Saudita”, avalia.
Já Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, defende a visão de que violações sauditas ou do Oriente Médio sobre Direitos Humanos e meio ambiente são iguais às já conhecidas de outros países com relações com o Brasil. “E as companhias norte-americanas, inglesas e francesas que apoiam genocídio? O critério de desrespeito aos direitos humanos é válido apenas para alguns? O fato é que os investimentos sauditas são disputados pelo mundo inteiro, inclusive por grandes potências como Estados Unidos, China e Inglaterra”, questiona.
Para o pesquisador, da mesma forma que outros países, inclusive os EUA, “limpam” a imagem fazendo investimentos em energia limpa, as monarquias do golfo também “têm investido pesadamente nisso” e que a Arábia Saudita, com seus investimentos em minerais críticos no Brasil, “está dentro das regras do capitalismo global”.
Para Goldfeld, o ideal em termos de soberania nacional seria que o mapeamento geológico e a exploração mineral “ficassem em mãos brasileiras”. Mas a professora do IDP faz outras ponderações mais pragmáticas sobre o mercado nacional de mineração, já explorado por outras nações, além de apontar vantagens que a parceria pode resultar dentro dos planos brasileiros de comércio exterior.
“A entrada de uma empresa saudita, consolidada, com recursos e que se declara comprometida com os princípios de ESG, traria mais um laço de cooperação com um país com quem temos relações formais há 55 anos e para o qual já exportamos alimentos e temos potencial de ampliar relações bilaterais segundo mapa de oportunidades publicado recentemente pela Apex”, acredita.
Fonte
O post “Entrada forte de petroestados na mineração brasileira movimenta o tabuleiro geopolítico da COP 30” foi publicado em 29/01/2025 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Observatório da Mineração