Aloísio Azevedo, em seu romance “Casa de Pensão”, descreve um personagem chamado Amâncio que vem do Maranhão para estudar na metrópole (Rio de Janeiro), mas que acha enfadonho o próprio estudo de Medicina. Começa então um diálogo interior:
“—… com dinheiro também obtemos os médicos de que precisamos, e não vale a pena, por conseguinte, gramar seis anos de academia e curtir as maçadas que estou aqui suportando, sabe Deus como!
— Mas, neste caso, a coisa muda muito de figura! — dizia-lhe em resposta uma voz que vinha de dentro do seu próprio raciocínio. — Não se trata aqui de fazer um ‘médico’, trata-se de fazer um ‘doutor’, seja ele do que bem quiser! Não se trata de ganhar uma ‘profissão’, trata-se de obter um ‘título’. Tu não precisas de meios de vida, precisas é de uma posição na sociedade”.
Infelizmente, a fina ironia do grande escritor naturalista brasileiro continua válida no Brasil, decorrido um século e meio. Ainda há, em nosso país, um grande número de professores e pesquisadores mais preocupados em títulos de pós-doutores no exterior e em pontuação no CAPES do que em fazer valer a função social do Direito Ambiental.
Embora exista uma tendência do Direito Ambiental de afirmar que praticamente todas as mazelas decorrem do descumprimento dos tratados e convenções internacionais e das leis locais sobre meio ambiente, esta relação talvez não seja tão óbvia e flagrante quando pensamos na pandemia COVID-19.
É impossível antecipar todas as questões que deverão ser enfrentadas nas próximas semanas e meses e como elas se relacionarão com o Direito Ambiental, sobretudo se quisermos circunscrever estas questões no estrito âmbito das ciências jurídicas. Não é o momento de nos confinarmos num discurso jurídico hermético e sem qualquer significado prático. Por isso, faz-se necessário mais do que nunca que os debates tenham um caráter inter e multidisciplinar. Não serão os professores de Direito Ambiental sozinhos que conseguirão trazer respostas eficazes para a crise de proporções apocalípticas que se avizinha.
Será necessária a contribuição de profissionais de todas as demais áreas afetas ao meio ambiente e à saúde pública: biólogos, médicos, engenheiros sanitaristas, sem dúvida, mas também profissionais das áreas da Geografia, das Letras, da Psicologia, do Jornalismo, da Economia, da Arquitetura e Urbanismo e da Geofísica, dentre outros.
Este precisa ser, nos próximos tempos, o norte dos estudos de Direito Ambiental: fomentar reflexões no Brasil e do mundo com outras áreas do conhecimento humano e difundir, por meio de textos vazados em linguagem que possa ser compreendida pelo leigo, estas reflexões, sem pretensões de caráter meramente acadêmico.
É momento de sair da bolha, de reconhecer que o Direito Ambiental talvez não tenha a resposta definitiva para a crise planetária que enfrentamos. Nem por isso, esta crise lhe é indiferente, podendo o jurista, dentro das limitações políticas que dão o contorno ao Direito, ser mais um parceiro na conjunção de esforços de todos para a superação da tragédia que enfrentamos. Menos sucedâneos de títulos nobiliárquicos, mais ciência em benefício da coletividade.
Nos próximos dias, pretendo apresentar algumas questões que podem ser examinadas sob a perspectiva jus-ambiental. A intenção é de relacioná-las, a título de mera provocação inicial para um debate posterior que necessariamente precisará aprofundar-se. Serão elas: princípios de direito ambiental; qualidade ambiental nas cidades; saneamento básico; estado de direito ambiental e direitos animais.
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O post “Em que o Direito Ambiental pode contribuir para a gestão da crise de pandemia COVID-19?” foi publicado em 22nd March 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco