Na rota da BR-163, Nova Mutum foi um dos municípios de Mato Grosso onde a tensão social explodiu após a derrota eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2022. Governada há 12 anos consecutivos pelo grupo político da família Pivetta, clã do agronegócio mato-grossense, a cidade é dominada pela direita conservadora – um cenário que limita o avanço de pautas ambientais, conforme apurado pela Agência Pública.
As dificuldades da esquerda são simbolizadas pela baixa quantidade de candidatos concorrendo na eleição municipal. Dos 92 postulantes a uma vaga na Câmara Municipal em 2024, apenas seis são desse espectro político , todos pelo PT.
Filiados do PT ouvidos pela Pública na cidade relataram casos de intimidação na corrida eleitoral de 2022, com buzinaços e intimidações nas ruas e em frente a estabelecimentos de pessoas rotuladas “de esquerda” por bolsonaristas e membros do agronegócio.
Petistas alegam que o clima político melhorou desde a crise golpista, mas disseram que ainda assim não há espaço para a discussão de pautas ambientais como a preservação do Cerrado e o combate às mudanças climáticas.
À Pública, o presidente municipal do PT e candidato a vereador em Nova Mutum, Luiz Sérgio Lupes , disse que falar sobre meio ambiente “tira votos” de quaisquer candidatos na cidade.
Por que isso importa?
- A Agência Pública está percorrendo a BR-163, entre os estados do Mato Grosso e Pará, e o município de Nova Mutum é um dos locais dessa rota onde nossa equipe investiga como o tema das mudanças climáticas e meio ambiente vem sendo discutido nas eleições municipais. A região é extremamente marcada por fogo, conflitos e desmatamento, com cidades que registram grande adesão ao bolsonarismo.
“É complicado falar de preservação do Cerrado. Existe uma mentalidade que, se você falar para as pessoas que temos de evitar queimadas e desmatamento, elas falam: ‘Ah, isso é ideia dos europeus e dos americanos! Os caras já desmataram e acabaram com as florestas de lá e querem que a gente preserve aqui?’”, disse.
Paranaense e morador de Nova Mutum há 29 anos, Lupes conta que o voto na esquerda é “silencioso” na cidade, geralmente vindo de migrantes que trabalham em cargos subalternos, especialmente em agroempresas e no comércio local.
“As pessoas não se declaram de esquerda por terem medo da intimidação e consequências no seu dia a dia. Já soubemos de casos com suspeita de demissão por motivos ideológicos”, afirmou, sem dar detalhes.
Em um contexto hostil, causou surpresa o resultado da eleição de 2022 na cidade, quando o então candidato a presidente Lula (PT) obteve 7 mil votos em Nova Mutum. “Esperávamos 2 mil votos [em Lula], no máximo, mas tivemos 7 [mil]. Na disputa deste ano [2024], estamos correndo atrás dos votos desses 7 mil”, disse o presidente do partido no município.
“Em geral, o produtor acha bobagem preservar o Cerrado”
O empresário Eloi Faccio é conhecido por sua atuação partidária pelo PT em Nova Mutum. Tesoureiro do partido na cidade e filho de um dos primeiros comerciantes do município , Faccio comanda um grupo que comercializa e exporta arroz, feijão e cereais , lidando rotineiramente com fazendeiros locais – com quem faz negócios para manter sua firma em atividade.
Faccio corrobora a impressão passada por Luiz Lupes, de que há um ambiente hostil contra a esquerda e pautas ambientais na cidade. “Na época da eleição de Lula [em 2022], tive de ignorar várias provocações, quando fechava negócio com certos fornecedores. Temos dificuldades para arranjar novos filiados”, disse, ao lembrar que é membro do partido desde a década de 1980.
Pelo trato quase diário com agricultores no chamado “nortão” de Mato Grosso, Faccio explica que na região impera um senso competitivo, por vezes exagerado, entre fazendeiros – “alguns não suportam que seu vizinho plante mais soja ou algodão, então existe uma competição cega, insustentável”, afirma.
“Infelizmente, o pensamento do agricultor mais comum aqui não leva em consideração o equilíbrio [com o meio ambiente]. Por isso que o bolsonarismo tem tanta força: em geral, o produtor acha bobagem preservar o Cerrado, só pensa em ganhar cada vez mais”, disse.
Condomínios de luxo avançam numa cidade que tem dono
Como em outros municípios da região, a sede de Nova Mutum – com menos de 20 km2 – é minúscula se comparada à sua área total, de mais de 9,5 mil km2, ocupada em sua maioria por fazendas de algodão, milho e soja. Nos limites da sede do município, têm proliferado condomínios de alto padrão, amplamente anunciados em outdoors nas ruas de Nova Mutum.
Para pessoas ouvidas pela Pública na cidade, a multiplicação de condomínios fechados dificulta uma medida ambiental urgente para mitigar as mudanças climáticas: a criação de um cinturão verde com espécies nativas de Cerrado, para amenizar o calor e a seca crescentes em Nova Mutum.
“Os herdeiros do José Aparecido Ribeiro [criador da Mutum Agropecuária S.A , que deu origem ao município] se afastaram do plano original e hoje vemos que só se interessam em alargar a sede da cidade em 10, 20 km, lançando projetos que colocam em risco cabeceiras e nascentes que abastecem os poços que fornecem água para nós”, disse Eloi Faccio.
Boa parte dos loteamentos urbanos de Nova Mutum ainda pertence ao Grupo Ribeiro Participações – o que significa que a expansão municipal depende da iniciativa privada, ao invés do poder público.
Na prática, o resultado é uma crescente especulação imobiliária, com aluguéis mais caros e uma demanda habitacional crescente para os trabalhadores subalternos de agroempresas e do comércio local.
Não à toa, ambos os candidatos a prefeito – Leandro Félix (União) e Diógenes Jacobsen (PSB) – prometem a construção de moradias populares no próximo mandato. Nenhum deles, porém, encampa a ideia de um cinturão verde nos limites da sede do município. Tal como na capital, Cuiabá , em Nova Mutum a promessa ambiental se restringe a plantar mais árvores.
Fonte
O post “Em Nova Mutum, “falar de meio ambiente é visto como ideia de europeus e tira votos”” foi publicado em 30/09/2024 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública