A Marina me mandou este comentário:
Tenho lido frequentemente seu blog desde que o descobri, e venho assumindo cada vez mais uma postura feminista, de refletir e tomar posições contra ideias, atitudes, falas, etc que como você já escreveu, estão tão enraizadas em nossas vivências que muitas vezes não percebemos o quão machistas são.
Antes do STF autorizar o aborto em casos de fetos anencéfalos, em abril de 2012, li uma matéria sobre a dificuldade de uma mulher de Recife em conseguir autorização para aborto de seu feto anencéfalo. O que mais me revoltou, além da não-autorização pela equipe médica do hospital (havia milhares desses casos antes da decisão do STF), foi saber que, dentre a documentação exigida para autorização do aborto, estava uma autorização por escrito do pai da criança. Eu não sabia disso e não consegui encontrar em lugar algum uma listagem do que é realmente necessário pra se fazer esse requerimento, em termos de documentos.
Quer dizer, além de toda a dificuldade e violência velada contra essas mulheres, por parte da sociedade, religiosos e profissionais da saúde, imagino ainda existirem muitos casos de discordância entre o casal, e caso o homem não “autorize”, nada de aborto. Fiquei pensando em como não li nada antes sobre isso, se isso realmente não é discutido, e como isso reforça o papel de submissão e de falta de liberdade da mulher.
Por mais que o bebê também seja filho de um homem, que envolve seu DNA, sonhos, planos, etc, é tão óbvio que a primazia de direitos e de escolha, sobre a do feto e a do homem, é da própria mulher! Fiquei estarrecida em saber dessa condicionalidade para o aborto, e quis saber sua opinião. Às vezes tenho receio de virar uma feminista um tanto extremista e não conseguir olhar outros pontos de vista. Afinal, poderia em algum momento ponderar se o homem não tem mesmo direito nenhum nessa história.
Minha resposta: Isso do direito do homem de ter um filho é sempre lembrado pelos conservadores. Entre os “pró-vida” dos EUA você vai encontrar milhares de homens que dizem que aquela jararaca maligna da ex-namorada ou ex-esposa engravidou e abortou o bebê que eles, homens, tanto queriam.
Aí a gente volta pra realidade. E a realidade é: qual mulher em idade fértil na face da Terra não atrasou a menstruação e pensou “Estou grávida”? Quantas dessas mulheres contaram ao parceiro sua preocupação em estar grávida? Dessas que contaram, quantos homens responderam com “Oba, maravilha, era tudo que eu queria!”? Quantos fugiram? Quantos negaram ser o pai?
Você acha que homens assim querem mesmo ter um filho? Olha o que eu retirei de um fórum misógino.
Um mascu perguntou se camisinha funciona sempre. Outro respondeu: “Preservativo é eficaz contra a gravidez sim. Em caso de estourar, soca uma pílula do dia seguinte na vadia e deixa ela se arrebentar com essa porra, mas pelo menos você se preserva”.
Quando o cara não tem emprego formal, a pensão é fixada com base no salário mínimo. Assim, a “pensão absurda” paga ao filho pode ser de 200 reais! E lembrando que mulher também
pode pagar pensão . Quem fica com o filho é quem recebe a pensão. Se o cara quiser ficar com o filho, ele pode cobrar pensão da ex. Mas ficar com o filho, quantos homens querem?).
O mascu segue ensinando seus “confrades” a como forçar o aborto, sem que a mulher saiba: “Eu sei que existe um hormônio de uso veterinário, compra em qualquer loja veterinária para fazendeiro, que é de uso tópico. Faz efeito apenas sobre a mulher. Então você deixa um potinho no bolso, joga na sua mão e toca a mulher em um ponto em que ela não pode ver, por exemplo, pega ela abaixo do cabelo, na nuca. Aí o medicamento é absorvido pela pele e aborta o feto”.
Tenho certeza que esses caras que ensinam como dar remédio pra cavalo pra mulher abortar são contra o aborto. Acham que mulher deve ser presa ou morta por abortar. E, óbvio, defendem a pena de morte pra feminista que luta pela legalização do aborto.
Os números não mentem: há mais de 5,5 milhões de crianças no Brasil sem o nome do pai na certidão de casamento. Só no primeiro semestre do ano passado, 6,31% das crianças foram registradas sem o nome do pai, afirmam os cartórios. Foram 80 mil crianças que nasceram “sem pai” apenas até o meio do ano! Isso gera uma série de problemas. Um dos principais é que a criança será criada pela parte que já ganha menos (os talvez 20% que os homens têm que pagar de pensão alimentícia pro filho equivalem aos 22% que as mulheres ganham menos que os homens no país).
No final de novembro, em SP, um rapaz de 28 anos foi preso por colocar pílulas abortivas na vagina da namorada, sem ela perceber ou consentir. Ela abortou. Para ela a atitude do ex foi uma surpresa, pois ele “estava acompanhando a gravidez normalmente “. Mas a verdade é que isso não é nada incomum. Digite “homem preso por forçar aborto” nos sites de busca pra você ver.
Ah, vamos deixar de hipocrisia! Quantos homens a gente não conhece que pagaram o aborto pra parceira ou ex?
Geralmente, quando há um casal formado (lembrando que 65% das mulheres que abortam são casadas ou estão em relacionamentos estáveis; quase 8 em cada 10 já têm filhos) que engravida sem planejar (e a grande maioria de nós fomos gerados sem planejamento — pergunte a seus pais), o casal conversa sobre se quer ter (mais) esse filho. A decisão muitas vezes é tomada em conjunto.
Porém, se houver discrepância nessa tomada de decisão, quem tem que decidir é a mulher. E é justamente isso que nós feministas defendemos: que as mulheres tenham o poder de decidir sobre o corpo delas. Parece bem simples, mas o controle do corpo da mulher é uma das bases do patriarcado há milênios.
O post “E O DIREITO DO HOMEM AO ABORTO?” foi publicado em 12th April 2021 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva