A M., de Santos, me enviou esta dúvida (dez 14, tem que cortar, é longo):
Por um “acaso”, buscando informações aqui e ali, encontrei seu blog e li o texto de um rapaz intitulado: QUERO SER PROFESSOR, MAS O SALÁRIO É RUIM”
Me chamou atenção a narrativa dele e a sua resposta. Por isso me animei em lhe escrever, pois de alguma forma apesar de não ser tão jovem quanto ele, também possuo meus conflitos nesta área.
Amo as Crianças e o seu universo; tenho prazer de olhá-las e observá-las, com facilidade descrevo cada uma delas como um ser especial e único – entre virtudes e defeitos – me encanto com a naturalidade que possuem, com a verdade que reside seus corações.
Sou formada em Pedagogia há 17 anos, mas não atuei logo que sai da Faculdade, na época eu trabalhava em uma ótima empresa que me pagava muito bem e a situação familiar necessitava da permanência daqueles ganhos…fiquei por anos trabalhando em empresas no setor administrativo – até que veio os “cortes”, hoje mais conhecido como “restruturação” (rs) e tudo desmoronou…eu já não tinha 20 anos eu já estava na casa dos 40…
Reavaliei minha história profissional, analisei os prós e contras de escolhas que fiz e decisões que tomei… parei para me ouvir, para saber o que queria de fato.
Mesmo com o trabalho na área administrativa, paralelamente por quase 10 anos fiz parte de um grupo que aos sábados percorria os morros de minha cidade e ali realizávamos atividades com as crianças (teatro, músicas, contação de história, fantoches, café da manhã comunitário, brincadeiras), não estava em uma sala de aula, mas não havia deixado de estar conectada com este mundo.
Bem, após o desemprego, desengavetei meu diploma e fui trabalhar como monitora em um projeto da prefeitura chamado “jornada Ampliada”, nele não há vinculo empregatício, por isso não há benefício algum no tocante a vale transporte, alimentação, plano de saúde…o que recebemos é um salário mínimo e trabalhamos diariamente por 5 hs… Ok, eu tinha que começar por algum lugar.
Me animei, senti que estava no caminho certo e aproveitando toda a motivação do momento me matriculei na Pós Graduação em Psicopedagogia (18 meses/sistema presencial).
Que Benção, um bom investimento!
Porém apesar dos muitos elogios ao meu trabalho e estímulo para novas perspectivas de mercado (até por conta da formação acadêmica que estava acontecendo), não havia ali nenhuma possibilidade melhor de ganho e crescimento profissional – o que deu inicio às minhas angústias.
Neste ínterim, recebi uma proposta de trabalho temporário na VALE, por 04 meses somente, mas o salário…sem comentários (rs)…me traria um tempo de refrigério financeiro. Aceitei.
Ao término dos 04 meses, segui em frente e dei continuidade na área da educação, uma nova tentativa agora, em um concurso municipal, porém não passei.
Entreguei currículos em várias escolas e por falta de experiência dentro de sala de aula, os contatos que faziam era para assumir a função de auxiliar de classe.
Então houve uma escola, cujas coordenadoras ressaltaram a minha formação, dizendo que eu era para ser mais do que uma auxiliar (faltava apenas dois meses para concluir a Pós) e por isso eu entraria como auxiliar por aproximadamente 04 meses e depois sendo já virada de ano, uma classe de educação infantil (04/05 anos) já fechada, seria minha.
Fiquei muito feliz e mediante a oportunidade aceitei. Assumi a função de auxiliar ganhando mais uma vez um salário mínimo (agora com registro, vale transporte e vale alimentação de R$ 70,00 (rs)) tinha consciência de que era só por alguns meses, este tempo serviria até mesmo como um estágio, observaria o sistema de uma escola renomada e de grande porte, aprenderia com a professora que eu iria auxiliar, conheceria os procedimentos e processos e me apresentaria, de alguma forma, aos meus futuros alunos. Tudo esquematizado, até que dois meses depois houve um feedback entre coordenadores e professores e lá estava eu….qual foi a minha surpresa ao receber a noticia de que o meu nome havia sido sugerido por várias professoras daquela Instituição, para ser “auxiliar” delas por conta do meu alto grau de responsabilidade, gentileza, educação, humor, pontualidade e assim seguiu-se vários outros predicativos a meu respeito.
Minha mente parou e pasme não consegui falar uma só palavra a respeito do que haviam me prometido. Só perguntei quando eu teria uma oportunidade e a resposta foi: é imprevisível, tudo pode acontecer de repente, mas sabemos que ela vai chegar!
O motivo segundo elas, é que outras auxiliares formadas em Pedagogia estão na fila por uma classe e estão ali há mais tempo do que eu.
Estou ainda trabalhando lá, amo as crianças e as trato da mesma forma como no primeiro dia. Valorizo cada evolução, cada aprendizado – enfatizo suas características brilhantes e procuro ensiná-las com amor – com elas sou criança no momento certo, o respeito ao lúdico faz parte todos os dias quando estamos juntos.
Mas confesso que não quero passar o ano de 2015 tendo as mesmas ações tão limitadoras de hoje, não é vergonhoso, mas me sinto cansada e incompleta – além de um salário que se eu pagar na íntegra o meu plano de saúde sobra somente R$ 300,00 para o mês inteiro.
Tenho mandado currículos, até para empresas com o objetivo que nelas eu possa atuar como um educador social, a exemplo do projeto da Petrobrás.
Nas escolas particulares, ainda as possibilidades são de “auxiliar” – caindo no mesmo problema.
Concursos ainda são meu alvo.
Lola, tenho 44 anos – preciso encontrar o meu lugar e ter um salário, no mínimo, digno desta profissão – ainda que saibamos que até hj não é reconhecida como deveria em vários âmbitos.
O que fazer?
A importância da experiência em sala de aula é tudo? e o que vivenciei nos morros, os pais com quem falei, valores que transmiti, os planejamentos das atividades não valem nada?
E a afinidade com as crianças, se elas pudessem escolher seus educadores, será que muitos permaneceriam?
Quando nos expomos a situações em que o desejo maior é ser visto por aqueles que nos observam, com a esperança que percebam quem somos nós e o que trazemos em nossas bagagens, passamos sim por cima de valores monetários, onde se há perdas momentâneas por alguns meses, mas ganhos lá na frente…pois assim esperamos…isso,quando não nos deixam de “molho”.
O Bônus não pode se tornar um ônus.
Preciso de um help.
Minha resposta:
Avasconsil deixou um grande comentário em 23/9/22, quando o post foi publicado sem querer. Colocar lá quando publicar.
Tem um trecho em que ela diz que não quer ficar em 2015 na mesma situação de 2014, é isso mesmo? Se for já faz 07 anos. Muita coisa deve ter mudado na vida dela. Mesmo assim, e se for o caso de o ano de 2015 estar correto, o texto mostra o quanto é ruim trabalhar na iniciativa privada. Não existe objetividade pra nada. Tudo fica ao critério de terceiros, a cúpula da administração e os donos do lugar. No serviço público os critérios pra promoções e progressões pelo menos são objetivos, há impessoalidade e imparcialidade. Não há quando o assunto é cargo em comissão, mas a margem pra a discricionariedade alheia é bem menor que na iniciativa privada. Se você é gay, se você é lésbica, se você é mulher, se é preto ou preta, pra progredir na carreira, as regras são as mesmas e estão todas na lei e nos regulamentos. Por isso me revolta muito a tal PEC32, da reforma administrativa, pela qual a educação e a saúde não são carreiras típicas de estado, na verdade nem carreiras são, e as vagas podem ser supridas por processo seletivo simplificado ou por convênios entre órgãos públicos e a iniciativa privada. Acho que pra esse tipo de vínculo não haveria nem a obrigatoriedade de cumprir o piso nacional pra os professores. Provavelmente não, pois os governadores e os prefeitos têm muito interesse nessa economia. Sem estabilidade, sem piso nacional, sem 13o, sem 1/3 de férias, pois servidor precário só tem direito a 1/3 de férias e a 13o se tiver previsão em lei ou em contrato. Eles não são beneficiados diretamente pela regra geral da Constituição, têm que ter uma regra específica. As coisas ficam parecidas como são na iniciativa privada, sem objetividade e impessoalidade, tudo na dependência dos humores daqueles que mandam no lugar. Num país como o Brasil, o que ocorre é uma meritocracia de compadrio. Entre pessoas com nível semelhante de formação e de competência, acaba se dando melhor quem puxou melhor o saco de quem possa alavancar sua ascensão. Bom, se quem escreveu o texto não tiver opção, o jeito é ir aceitando o que vem aparecendo. Mas, se tiver, fique em casa estudando pra concurso público. As carreiras docentes ainda não são valorizadas como merecem. Mas, mesmo assim, é bem melhor estar no serviço público que no setor privado. E, gente, não vote em candidatos que apoiam a PEC32. Lula vai ser muito pressionado a aprovar uma reforma administrativa. Na verdade já está sendo. Mas acredito que, num governo dele, vai ser elaborado outro texto. Porque esse da PEC32 é muito injusto com muitas carreiras. Na verdade ele acaba com quase todas as carreiras do serviço público, pois não permite a renovação das carreiras atuais. À medida que seus ocupantes forem se aposentando, morrendo ou saindo por outros motivos, elas vão se extinguindo. É assim com a educação e com a saúde, e com as carreiras de apoio de órgãos como judiciário e ministério público, as portas de entrada, atualmente as mais seguras, pra a classe média no Brasil. A alternativa ao serviço público é essa iniciativa privada maravilhosa que nós temos, em que pra ascender na carreira é preciso quase morrer pela empresa e ainda puxar muito saco e lamber muita bota.
O post “dúvidas trabalho” foi publicado em 15/12/2023 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva