O endividamento privado de indivíduos e famílias não deve ser usado para substituir os deveres dos Estados com os direitos humanos e para compensar as falhas colossais dos governos em garantir direitos econômicos, sociais e culturais para todos. A afirmação é do especialista independente da ONU em dívida externa e direitos humanos, Juan Pablo Bohoslavsky.
Como moradia, saúde, educação e até justiça não são consideradas direitos, mas bens que podem ser comprados, muitas pessoas não têm escolha a não ser recorrer a dívidas para ter acesso a esses direitos, tanto em países em desenvolvimento quanto em países desenvolvidos, disse o especialista.
Salários baixos, pobreza e desigualdade – exacerbados pela privatização, medidas de austeridade e flexibilização do mercado de trabalho – levam milhares de pessoas a contrair dívidas.
Em seu relatório, Bohoslavsky lança luz sobre várias práticas muito preocupantes, incluindo títulos de dívida, “detenção hospitalar” por não pagamento de contas médicas e práticas abusivas de empréstimos e cobrança. Além disso, a tecnologia do setor financeiro está facilitando cada vez mais de forma agressiva o crédito por meios digitais, incluindo aplicativos móveis, o que leva a uma tomada excessiva de empréstimos. Essas práticas permanecem altamente não regulamentadas.
“Eu observei que, embora contrair dívidas não seja um problema em si, a dívida privada pode ser tanto uma causa quanto uma consequência de violações dos direitos humanos”, pontuou Bohoslavsky.
Lembrando que os altos níveis de dívidas familiares foram associados à instabilidade macroeconômica e a crises financeiras, o especialista da ONU forneceu uma série de recomendações aos Estados para proteger os direitos humanos daqueles endividados.
Em particular, Bohoslavsky chamou a atenção dos Estados para regulamentar e monitorar todas as atividades de empréstimo, formais e informais, e a adotar uma legislação que proíba a execução de dívidas quando houver evidência de falsas declarações, fraude, venda incorreta, coerção, cláusulas abusivas, assédio ou outras práticas abusivas por credores.
O especialista independente também apresentou ao Conselho de Direitos Humanos as conclusões de suas recentes missões na Bolívia e na Mongólia.
Analisando várias questões nesses dois países, incluindo desenvolvimento sustentável, tributação, dívida, extração mineral e participação pública nos processos de tomada de decisão, Bohoslavsky também observou a importância do uso de avaliações de impacto em direitos humanos para monitorar a repercussão das reformas econômicas na população, especialmente nos grupos em situação de vulnerabilidade.
Especialistas Independentes, Relatores Especiais e Grupos de Trabalho são parte dos chamados Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. ‘Procedimentos Especiais’, o maior órgão de experts independentes do Sistema de Direitos Humanos da ONU, é o nome geral dado aos mecanismos de apuração e monitoramento do Conselho, os quais lidam com situações específicas em países ou áreas temáticas em todas as partes do mundo. Os especialistas dos Procedimentos Especiais trabalham de forma voluntária, não integrando o staff da ONU, nem recebendo salário por seu trabalho. Eles são independentes de qualquer governo e organização e prestam serviços na condição de indivíduo.
Fonte
O post “Dívidas são causa e consequência frequentes de violações dos direitos humanos, diz especialista da ONU” foi publicado em 2nd April 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ONU Brasil