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Em uma conferência realizada em maio com representantes do Ministério de Minas e Energia (MME) e dos governos dos estados do Pará e de Goiás, Tomás Albuquerque, diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), defendeu uma “guilhotina regulatória” para o setor mineral em parceria com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Segundo Albuquerque, a ideia é acabar com os “entraves”. “Tudo aquilo que a gente for suprimir, for revogar da legislação, a gente vai poder fazer, com o instrumento que a gente chama de guilhotina regulatória. Simplesmente cortar, desobstruir e tocar para a frente”, declarou Albuquerque em conferência promovida pela FFA, uma consultoria privada que trabalha com mineradoras.
A ANM anunciou recentemente um acordo com a OCDE , que passou a assessorar a Agência na “revisão do estoque e redução do fardo regulatório, diagnosticando as normas, avaliando o que precisa ser mantido e ajudando na identificação dos atos normativos que serão revogados ou reescritos”.
Obtido via Lei de Acesso à Informação, o acordo prevê o pagamento de 385 mil euros pela ANM, mais de R$ 2 milhões na cotação atual, fora despesas extras.
O objetivo é “produzir um relatório que irá identificar barreiras regulatórias, obstáculos, falhas de implementação ou ineficiências que afetam a dinâmica do setor de mineração no Brasil” e oferecer soluções.
“Se a ‘guilhotina regulatória’ incluir leis de proteção ambiental, espere desastres envolvendo mineração à frente”, disse Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas no Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama.
Depois do relatório pronto, a OCDE irá reunir as partes interessadas para “um diálogo nacional para facilitar a execução das reformas”. Ou seja: a OCDE irá fazer o diagnóstico das reformas que julga necessárias e se certificar de que elas serão feitas. A previsão é que o relatório final seja apresentado em um “Fórum Internacional de Regulação da Mineração”. A duração do acordo vai até 31 de março de 2021.
É a tal “guilhotina regulatória” defendida por Tomás Albuquerque, que tomou forma também no “Plano Lavra”. Anunciado pela ANM em maio , o Plano Lavra tem o objetivo de “desburocratizar diversos trâmites” entre a agência e as mineradoras, para “melhorar o ambiente de negócios e recuperar os danos sofridos pelo setor mineral por conta da pandemia mundial”.
“Ao reduzir suas obrigações, eles colocam o ônus da degradação ambiental na sociedade, o que é inaceitável”, acrescentou Araújo.
O Plano Lavra faz coro com o que foi dito pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante a reunião presidencial que teve o seu conteúdo divulgado pelo Supremo Tribunal Federal. Salles defendeu “passar a boiada” enquanto a mídia estaria “distraída com a pandemia”.
O ministro advogou claramente por um desmonte completo de leis e regulações que protegem os biomas brasileiros, favorecendo o avanço do agronegócio predatório e dos projetos de grandes empresas como as mineradoras.
A declaração gerou o repúdio de organizações ambientais e um pedido de afastamento do ministro do cargo . Um site compila todos os ataques feitos pelo ministro do Meio Ambiente desde que assumiu o cargo em janeiro de 2019 e outro projeto desmente as fake news proferidas pelo ministro e outras mentiras da área ambiental.
Procurada pela reportagem, a Agência Nacional de Mineração decidiu não comentar as declarações do diretor Tomás Albuquerque, o Plano Lavra e o acordo com a OCDE. A OCDE confirmou o acordo e disse que “identificará ineficiências em áreas como a concessão de licenças e autorizações para exploração de minerais e a proteção ambiental”.
O termo “guilhotina regulatória” é reivindicado pela firma “Jacobs And Associates” . Segundo o site, a “técnica” teria sido usada para “eliminar e simplificar” mais de 25 mil leis em países como Croácia, Egito, Vietnã, Ucrânia, Bósnia, Quênia, México e Coreia do Sul. No Brasil, o uso do termo não é comum. A Agência Nacional de Telecomunicações estaria passando por processo semelhante no governo Bolsonaro.
Pandemia não impediu o Brasil de negociar áreas para mineradoras multinacionais
Na mesma conferência em que o diretor da ANM defendeu uma “guilhotina regulatória” para a mineração, participou também Alexandre Vidigal, secretário de Geologia e Mineração do MME.
Vidigal foi o líder da comitiva de representantes do governo brasileiro e empresários que foi até o Canadá, em março, já no início da pandemia, para participar pelo segundo ano seguido do maior evento de mineração do mundo, o PDAC em Toronto. O Brasil foi um dos 3 países que patrocinaram o evento.
No “Brazilian Mining Day”, Vidigal prometeu apresentar ao mundo “tudo o que já foi feito para abrir caminho para uma nova era para as atividades de mineração no Brasil”.
Representantes do governo Bolsonaro e lobistas do setor mineral ofereceram uma série de garantias aos investidores. Vidigal expressou o “profundo compromisso” do governo federal em “promover avanços regulatórios, legais e ambientais que levarão a um cenário de investimentos mais atraente no setor”. Lobistas da mineração e do garimpo tem sido recebidos com frequência em Brasília no Ministério de Minas e Energia.
Foi ainda no evento no Canadá que a parceria da ANM com a OCDE foi anunciada. Segundo o documento “The dawn of new exploration opportunities”, publicação oficial da programação do “Brazilian Mining Day” no PDAC 2020, “o Brasil se destaca como um país com ainda muito a ser explorado, uma verdadeira arca do tesouro esperando ser aberta”.
O Brasil é considerado um “parceiro-chave” da OCDE e tenta se tornar membro oficial do clube há muitos anos, o que nunca foi aceito pelos outros países. Como “parceiro-chave”, o Brasil tem “a possibilidade de participar dos diferentes órgãos da OCDE e aderir aos instrumentos legais da OCDE”, informa o site da entidade .
Fundada em 1961, a OCDE é considerada um “clube de países ricos” comprometidos com o liberalismo econômico. O orçamento anual da entidade chega perto dos 400 milhões de euros. Ingressar na OCDE é considerado um “selo de qualidade” com o objetivo de “estimular investimentos e a consolidação de reformas econômicas”.
“Guilhotina regulatória” atinge terras indígenas
“A perspectiva é de reverter uma situação em que quase 40% do território brasileiro se encontrava indisponível para a pesquisa e o desenvolvimento de mineração. A abertura de novas áreas para a atividade aumenta significativamente a perspectiva do país no setor. Isso abriu os olhos dos investidores durante o PDAC”, declarou Wilson Brumer, presidente do Conselho Diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), sobre a participação do Brasil no evento em Toronto.
Esses 40% do território brasileiro são justamente os 117 milhões de hectares de terras indígenas , boa parte delas repletas de requerimentos minerários de grandes empresas. No início de fevereiro, Jair Bolsonaro encaminhou projeto ao Congresso que libera terras indígenas para a mineração e o agronegócio.
“A pressão da mineração agroextrativista nos territórios indígenas é interminável”, afirma Antenor Vaz, ex-funcionário da Funai e uma das principais autoridade em tribos isoladas na Amazônia brasileira.
Algumas das maiores mineradoras do mundo, como a brasileira Vale , a canadense Belo Sun e a inglesa Anglo American pretendem explorar terras indígenas na Amazônia, incluindo projetos que incidem sobre povos indígenas isolados , os mais vulneráveis.
“É um rolo compressor sobre os direitos dos povos indígenas e tradicionais”, disse ele sobre o PL enviado por Bolsonaro ao Congresso.
A mineração em terras indígenas é rechaçada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e também por lideranças de peso como o cacique Raoni Metuktire, reconhecido internacionalmente.
Em janeiro, o cacique Raoni reuniu cerca de 600 indígenas de 45 etnias diferentes na aldeia Kayapó, perto do rio Xingu, para defender a união do movimento indígena contra as políticas de Bolsonaro. O PL que libera a mineração foi rechaçado em conjunto.
“Nós não aceitamos garimpo, mineração e arrendamento em nossas terras. Somos contra tudo aquilo que destrói nossas florestas e nossos rios. Escrevemos esse documento como um grito, para que nós povos indígenas possamos ser escutados pelos três Poderes da República, pela sociedade e pela comunidade internacional”, diz o documento .
ANM quer liberar mais de 20 mil novas áreas para exploração
O IBRAM projeta que o valor dos investimentos no setor de mineração brasileiro deverá ser de US$ 32,5 bilhões no período 2020-2024, um aumento de 18% nos investimentos em comparação com a previsão para 2019-2023 (US$ 27,5 bilhões). O Brasil já possui mais de 9 mil minas legalizadas em atividade.
Em fevereiro, a Agência Nacional de Mineração instituiu um período máximo de 120 dias para anunciar a liberação ou veto dos requisitos de pesquisa mineral. Se a agência não responder até o final deste período, o pedido será aprovado. Até então, não havia prazo para análise .
Com a medida, os processos que poderiam durar anos serão resolvidos em apenas quatro meses. “Nosso objetivo é ir além e liberarmos estes requerimentos em até 34 dias”, afirmou Tomás Albuquerque na época.
A ANM tem o objetivo expresso de implantar mais de 20.000 novas áreas para exploração por meio de ofertas públicas e leilões eletrônicos.
Outro executivo atual da ANM, Eduardo Araújo de Souza Leão, trabalhou de 2007 a 2015 na Vale e chegou a ocupar o cargo de gerente do Meio Ambiente do Projeto Carajás , o maior empreendimento de extração de minério de ferro do mundo.
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O post “Diretor da Agência Nacional de Mineração defende “guilhotina regulatória” para o setor mineral em parceria com a OCDE” foi publicado em 11th June 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Observatório da Mineração