Começou nesta segunda-feira (11/11) em Baku, Azerbaijão, a COP29, Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas. Nas próximas duas semanas, até o dia 22/11, os governos enfrentam a tarefa inadiável de definir quem, como, com quanto e quando pagará a conta da crise do clima. A “COP do financiamento”, como vem sendo chamada, precisa aprovar a Nova Meta Quantificada Coletiva de financiamento, arrancando dos países ricos o compromisso e meios de implementação para pagarem o que devem.
No ano que deve ultrapassar 2023 e se tornar o mais quente desde o início das medições, com temperaturas que pela primeira vez excederão o 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, não faltam alarmes quanto à urgência de uma guinada na ação climática global: as inundações recordes na África oriental, no Brasil, no Sahel e na Espanha, ondas de calor na Ásia, no México, no Oriente Médio e os Estados Unidos, furacões turbinados no Caribe e nos EUA, os incêndios na Grécia e na América do Sul, entre muitos outros, transformam os extremos em um “novo anormal” e serão apenas o começo, caso o mundo falhe com a tarefa de controlar o aquecimento global.
A eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA é outra catástrofe climática de grandes proporções, mas pode abrir espaço para uma nova cooperação global, que deixe para trás os obstáculos impostos pelo segundo maior poluidor do mundo. Leia O que esperamos da COP29 , o documento de expectativas do Observatório do Clima, e conheça aqui dez itens para não perder de vista nos próximos dias:
- NCQG, a meta da grana
A COP29 é a conferência dos dólares: os 196 países-membros da Convenção do Clima das Nações Unidas precisam aprovar a Nova Meta Quantificada Coletiva (NCQG, na sigla em inglês). Trata-se dos recursos financeiros que os países desenvolvidos, principais responsáveis pelo aquecimento global, precisam disponibilizar a partir do ano que vem para financiar mitigação, adaptação e as perdas e danos da crise climática nos países em desenvolvimento — aqueles que historicamente menos contribuíram para as mudanças climáticas, mas que estão sendo mais prejudicados pelos eventos extremos. A sociedade civil espera que o valor acordado seja de no mínimo US$ 1 trilhão por ano. No entanto, o dinheiro não deve ser disponibilizado em forma de empréstimos, que aumenta o endividamento dos países pobres. As negociações podem ser complicadas, pois os países ricos resistem em tirar o escorpião do bolso. Além disso, há uma defesa para que países emergentes, caso da China, também contribuam para o financiamento.
- Mercados de carbono
Uma das prioridades da presidência desta COP é fazer a operacionalização completa do artigo 6 do Acordo de Paris, que trata dos mercados de carbono. No ano passado, em Dubai, as Partes não entraram em acordo. Estão em pauta os artigos 6.2 e o 6.4. O primeiro busca permitir que os países façam acordos bilaterais para a realização de ações conjuntas para reduzir as emissões ou fazer a remoção de gases de efeito estufa em determinado país para ajudar o outro a cumprir a própria meta climática. São os Resultados de Mitigação Transferidos Internacionalmente (ITMOS). Já o 6.4 é o Mecanismo de Crédito do Acordo de Paris, que deve certificar unidades de mitigação de gases de efeito estufa. É preciso que qualquer resultado sobre esses artigos garanta a transparência e a integridade ambiental, a proteção dos direitos humanos por meio de rigorosas salvaguardas sociais e ambientais, além da previsão de processos de revisão eficazes.
- Lobistas fósseis
Os dados para a COP29 ainda não estão disponíveis, mas sabemos que é “tradição” a conferência receber representantes de petroleiras e de grupos comerciais que representam a indústria. No ano passado, 2.456 lobistas foram registrados na COP28, em Dubai. O número foi 7,7 vezes maior do que o de representantes indígenas e quase quatro vezes maior do que o de lobistas registrados em 2022, na COP realizada no Egito. A ver qual é o número deste ano – e o quanto conseguirão atrapalhar o avanço das negociações.
- Trump e agenda do clima
Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos às vésperas da COP29, engrossando a lista de catástrofes climáticas a pressionar a cúpula. A consequência mais óbvia é a retirada, mais uma vez, do segundo maior poluidor climático do planeta do Acordo de Paris. Igualmente óbvio é o fato de que Trump cortará as verbas de financiamento dos EUA, o maior devedor de recursos para os países do Sul Global, à ação climática. O fim dessa relação tóxica entre os Estados Unidos e a agenda do clima, no entanto, pode ser um livramento: o país é o que mais atrapalhou os processos de negociação na Convenção do Clima da ONU. Trump, por pior que seja (e é), não irá reverter a trajetória de queda nas emissões americanas, pois a economia do país já colocou um preço na descarbonização, o carvão está nas últimas e as energias renováveis avançam até nos estados mais republicanos. A saída dos EUA abre espaço para que o Brasil assuma seu posto de nova liderança global nessa área, com Europa e China. É a oportunidade de o planeta estabelecer novas bases para a cooperação em clima, deixando os EUA para trás.
- Brasil
Falando em nova liderança climática global, o governo brasileiro chega à COP29 sob os olhos do mundo. O Brasil sedia a próxima COP e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou, no passado em Dubai, que iria “liderar o mundo pelo exemplo” a agenda de clima. O país tomou à frente na criação da troika, o trio de presidências de COP para entregar a chamada “Missão 1.5”, a força-tarefa para que os países alinhem suas metas climáticas ao objetivo de controlar o aquecimento global em 1.5ºC, como preconiza a decisão do Balanço Global do Acordo de Paris. A observar em Baku: se o Brasil irá manter a unidade do G77, o bloco dos países em desenvolvimento, em torno da meta de financiamento – público e na casa do trilhão de dólares ao ano –, driblando as investidas dos países ricos para dividir o bloco; o esforço do país para fechar a NCQG na COP29; e a apresentação completa da nova meta climática do Brasil, depois do indigesto aperitivo apresentado pelo governo na calada da noite da última sexta-feira (com números desalinhados com a contribuição justa do Brasil para a meta global e mesmo com os compromissos públicos já adotados pelo governo). Além disso, o Brasil tem a tarefa, em Baku, de defender o legado da COP28, apresentando propostas para a implementação do Balanço Global – incluindo a eliminação gradual dos combustíveis fósseis.
- A Meta Global de Adaptação
Na semana passada, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) confirmou que o déficit de financiamento público global para adaptação à crise do clima nos países em desenvolvimento é de no mínimo US$ 187 bilhões por ano até 2030, podendo chegar a US$ 359 bilhões. O recado chega diretamente para a COP29, que negocia os detalhes da Meta Global de Adaptação, acordada em 2023 em Dubai. A tarefa de finalizar os indicadores da meta ficou para COP30, no ano que vem em Belém, e por isso Baku precisa destravar as negociações. Também em Baku, deve ser publicado um relatório sobre o compromisso de dobrar o financiamento da adaptação. Esses números devem informar tanto a NCQG, quanto o Diálogo Ministerial de Alto Nível sobre o Financiamento da Adaptação na COP29. A demanda urgente a ser respondida é a ampliação do financiamento público para adaptação aos países em desenvolvimento com base nas necessidades atuais.
- Teremos avanço no fundo de perda e danos?
Em 2022, no Egito, as Partes entraram em acordo para criar o Fundo de Resposta a Perdas e Danos (FRLD, na sigla em inglês). No ano passado, no primeiro dia da COP28, o Fundo foi criado. O capítulo de 2024 precisa mostrar um avanço na operacionalização, inclusive abordando a capitalização e o acesso ao financiamento, além de definir quais ações devem ser favorecidas. Nas negociações da NCQG, é preciso que seja definida uma sub-meta separada para o financiamento público do FRLD.
- E a Eliminação Gradual dos Fósseis?
Essa é pra estar de olho sempre – a mãe de todos os elefantes na sala: onde e como, em toda a negociação, os países vão tratar da causa da crise do clima? O Balanço Global do Acordo de Paris, concluído no ano passado em Dubai, acordou a necessidade de “eliminar gradualmente (transition away from) os combustíveis fósseis nos sistemas energéticos” de forma ordenada e justa, em linha com a ciência e começando nesta década. Mas, desde então, o mundo está fingindo que nada aconteceu. Ao longo deste ano, vimos inúmeras tentativas de diminuir e até mesmo apagar esse importante passo. Os negociadores da COP29 devem encontrar espaço na agenda para levar adiante essas discussões, pressionando por uma eliminação justa, rápida, completa e financiada dos combustíveis fósseis.
- A nova rodada de metas climáticas
A COP29 é a última reunião multilateral antes do prazo final para que os países apresentem suas novas metas climáticas (NDCs, na sigla em inglês para Contribuições Nacionalmente Determinadas), em fevereiro do ano que vem. As novas metas devem valer até 2035. Por isso, a COP29 deve ser um chamado para que os países entreguem a mudança necessária, inclusive – e principalmente – aumentando a barra da ambição na transição energética. A “troika” formada por Brasil, Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão precisa mostrar a que veio, já que esse processo não faz parte do processo formal de negociação. Há duas semanas, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente lançou o Relatório de Lacunas para as Emissões e mostrou que as emissões de gases de efeito estufa bateram novo recorde em 2023 e chegaram a 57,1 gigatoneladas de CO2 equivalente (CO2e), um aumento de 1,3% em relação ao ano anterior. A confirmação de que o despejo de gases-estufa na atmosfera segue aumentando, mesmo que em ritmo mais lento do que quando o Acordo de Paris foi adotado, engrossou o coro por novas NDCs alinhadas à meta de Paris. António Guterres, secretário-geral da ONU, fez um chamado direto aos países no lançamento do relatório, lembrando que a COP29 “aciona o relógio” para as novas metas climáticas e que os governos precisam reduzir urgentemente todas as emissões de gases de efeito estufa em toda a economia.
- Azerbeijão e os direitos humanos
Há uma pressão da comunidade internacional para que o governo de Ilham Aliyev faça um pronunciamento público sobre suas obrigações de garantir a proteção dos direitos humanos e a segurança de todos os delegados presentes na COP29. Nos últimos meses, o governo azeri tem reprimido jornalistas e ativistas que se opõem ao regime. Além disso, reivindica-se que o Azerbaijão assine um acordo de paz com a Armênia e liberte os presos políticos do país, já que, desde os anos 1980, o país disputa com a Armênia a região do Alto Carabaque e no ano passado expulsou mais de 100 mil armênios do território. A COP de Baku está sendo chamada de “COP da Paz” por apresentar o chamado “COP Truce Appeal” entre as iniciativas voluntárias da Action Agenda. A ideia é buscar um acordo para uma trégua nas guerras hoje em curso no mundo durante a cúpula. Segundo o governo azeri, o acordo de paz com a Armênia está “80% concluído”; no entanto, dificilmente Israel atenderá ao apelo da COP do clima para parar o massacre em Gaza e no Líbano, onde já atacou até o QG das Nações Unidas. (LEILA SALIM E PRISCILA PACHECO)
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O post “Dez coisas para ficar de olho na COP29” foi publicado em 11/11/2024 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima