Um projeto de lei aprovado pelo Senado e em tramitação na Câmara dos Deputados muda o Estatuto da Cidade para proibir o uso de técnicas chamadas de “arquitetura hostil” em espaços de uso público. O autor da proposta (PL 488/21 ), senador Fabiano Contarato (Rede-ES), participou de audiência pública sobre o assunto nesta quarta-feira (6), na Comissão de Desenvolvimento Urbano.
“Arquitetura hostil” é o nome dado para uma estratégia de desenho urbano que usa elementos para restringir certos comportamentos. Por exemplo, braçadeiras no meio de um banco de praça evitam que alguém se deite. Efeito semelhante tem a instalação de paralelepípedos embaixo de um viaduto. São também elementos de arquitetura hostil pedras pontiagudas ou ásperas e pavimentações irregulares que acabam por afastar pessoas que usam as ruas como moradia ou dificultar a circulação de idosos, jovens ou outros segmentos da população.
“A cidade tem que ser inclusiva. Ela não pode ser exclusiva, ela não pode extirpar. Como é que um prefeito, um governador implementa políticas públicas se ele não sabe nem quem são as pessoas que vivem em situação de rua?”, observou Contarato. Ele lembrou que essas pessoas “não conseguem se proteger das intempéries da natureza, sofrem com o calor e com a chuva, são pessoas que não têm acesso a saneamento básico, que não têm banheiro para tomar banho, que convivem com ratos, baratas, doenças, que presenciam a violência urbana diariamente”.
Política pública
O senador citou dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de março do ano passado, que fez a estimativa de que havia mais de 221 mil pessoas morando nas ruas do Brasil. Se for sancionada, a lei se chamará Lei Padre Júlio Lancelotti, que participou da audiência pública. Segundo o vigário episcopal da Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo, o projeto não traz implícito o desejo que as pessoas possam viver embaixo dos viadutos, mas de que haja políticas públicas de moradia, de habitação.
“O que nós queremos terminar, e esse é o espírito maior desse projeto, é com a chamada arquitetura hostil, que tem o aspecto simbólico de rejeição, de solidão, de descarte, de desprezo, de ausências de política pública. Então nós queremos que cesse toda forma de arquitetura hostil, com pedras pontiagudas, com cercas elétricas, com chuveirinhos que jogam água em cima das pessoas, com obstáculos arquitetônicos em bancos e em outras entradas, até de igrejas, de agências bancárias, de prédios públicos”, disse Lancelotti.
Ressalva ao termo
O projeto recebeu apoio do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU). O representante da entidade na audiência, Ednésio Rodrigues, afirmou que a única ressalva é ao termo arquitetura hostil. “Arquitetura é um bem e é um instrumento, um patrimônio da humanidade para o desenvolvimento social, para o desenvolvimento econômico, para o desenvolvimento saudável. Então atrelar a arquitetura à palavra ‘hostilidade’ nos parece um pouco complicado.” Ele sugeriu o uso de “elementos construtivos hostis”. Já a presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas, Eleonira Mascia, falou em “técnicas hostis de construção do espaço urbano”.
Segundo o relator da proposta da Comissão de Desenvolvimento Urbano, deputado Joseildo Ramos (PT-BA) , a escolha do termo não foi aleatória. “O termo ‘arquitetura hostil’ ficou de maneira deliberada para que vocês colocassem essa questão de maneira didática e oportuna. O objetivo foi esse e não foi por acaso. Parece que nós não estamos tratando de uma questão ideológica, e sim, tão somente, de uma questão humanista, de solidariedade, de busca de equidade, de busca de universalização de direitos”, observou.
O relator afirmou que a proposta está aberta a sugestões das entidades para mudanças.
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