No ano passado, a Escola Estadual Cristóvão Colombo, em Canoas (RS), ficou quatro meses fechada depois da enchente que assolou todo o estado do Rio Grande do Sul . Na época, 220 alunos do ensino fundamental tiveram a rotina e a vida completamente mudadas pelos efeitos trágicos da mudança climática.
A diretora, Queli Ramos, lembra que tudo aconteceu de forma muito rápida e devastadora. “Era uma segunda-feira e estávamos trabalhando, na mesma semana, na sexta, já estava tudo alagado”, conta. “A água chegou a 1,20 metro dentro da escola, perdemos móveis, eletrodomésticos e comida”. Do mesmo modo, a maioria dos estudantes que mora no entorno também teve as casas afetadas.
Com a situação, a escola fechou em maio e só foi reaberta em agosto, após mutirões de limpeza do prédio. Os estudantes de Canoas, que ficaram três meses sem aulas, fazem parte de uma estatística de 1,17 milhão de crianças e adolescentes que tiveram os estudos interrompidos, em 2024, por conta de eventos climáticos extremos. Conforme o último relatório do Unicef, as enchentes e a seca foram os principais fatores de interrupção de aulas em todo o Brasil.
No mundo todo, pelo menos 242 milhões de estudantes sofreram impactos por ondas de calor, ciclones tropicais, tempestades, inundações e secas. Segundo o relatório, o sul da Ásia foi o mais afetado, com 128 milhões de alunos, sendo a maioria na Índia, que sofreram com ondas de calor. Já no Brasil, o Unicef aponta que, só no Rio Grande do Sul, 741 mil estudantes de mais de 2 mil escolas ficaram sem aulas por causa das enchentes. Na região amazônica, a seca atingiu cerca de 1.700 unidades e 436 mil alunos.
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Consequências vão além da aprendizagem
O fechamento prolongado das escolas pode causar uma série de traumas e impactos na aprendizagem das crianças. “Muitas vezes elas perdem bens materiais, entes queridos ou estão abrigadas e ficam mais suscetíveis a diversos tipos de violência ”, explica Mônica Pinto, chefe de Educação do Unicef no Brasil.
Ela pontua outras situações que giram em torno dos impactos climáticos . “Algumas crianças param de estudar porque precisam cuidar dos irmãos e até conseguir voltar para a rotina é bem complicado. Há comprometimentos psicossociais e psicoemocionais. São muitas camadas.”
Sem a rotina escolar, meninas e meninos ficam também mais expostos a riscos como trabalho infantil e violência sexual. Pesquisas mostram que em mais de 80% dos casos de abusos de crianças, os criminosos são pessoas do âmbito familiar.
Durante a divulgação do relatório, a Diretora Executiva do Unicef, Catherine Russell, explicou por que é preciso um cuidado maior com as crianças em situações de crise climática:
Resiliência e protocolos para as mudanças climáticas
Para amenizar os impactos da emergência climática na educação, o Unicef defende um “sistema de ensino mais resiliente”. Ou seja, que tenha também protocolos, com regras específicas para desastres ambientais e eventos extremos.
“Esses eventos serão cada vez mais frequentes, então, é preciso construir protocolos de que serviços precisam ser acionados, quais serão as primeiras medidas e como a rotina escolar será restabelecida”, enumera Mônica Pinto.
Outra medida é mapear instituições que podem servir de abrigos e que não sejam as escolas. “Esse ambiente precisa ser preservado, pois não dá para pensar nisso depois que acontece uma tragédia”, diz a chefe de Educação do Unicef Brasil.
Ela ainda ressalta a necessidade de manter o vínculo entre alunos e escola, a partir do trabalho de busca ativa, como, por exemplo, enviar atividades ou manter aulas remotas. “No Rio Grande do Sul, mobilizamos kits educativos e lúdicos para manter atividades de entretenimento, aprendizagem e socioemocional para as crianças”, conta. “Não dá para o estudante ficar um mês fora da escola. É preciso pensar no que pode ser desenvolvido e enviado nestes períodos.”
No caso de mudanças climáticas, como as ondas de calor, é preciso adaptar a infraestrutura das escolas. Isso porque o aquecimento do planeta avança cada vez mais, sendo que 2024 foi o ano mais quente da história e o primeiro a ultrapassar a marca de 1,5 ºC de aquecimento, conforme o centro europeu Copernicus.
Educação ambiental é aliada para enfrentar eventos extremos
Entender a gravidade do cenário e compreender o papel de cada ator nesta crise é uma das formas de enfrentá-la, segundo o jornalista e escritor Eduardo Carvalho. Autor da coleção de livros “Educação Climática com a Turma do Pererê”, personagens criados por Ziraldo, Carvalho compilou, em dez livros, assuntos ambientais adaptados para estudantes do ensino fundamental.
Para ele, é possível desenvolver uma conscientização a partir de iniciativas quem relacionem a educação climática. Além disso, o tema “emergência climática” se tornou obrigatório nas escolas a partir deste ano, por conta da atualização da Política Nacional de Educação Ambiental.
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Eduardo Carvalho defende que, com formação adequada, os professores podem abordar os desdobramentos da crise ambiental nas escolas brasileiras. Desse modo, crianças e adolescentes podem compreender melhor os motivos dos fenômenos naturais sentidos no dia a dia, e se sentirem parte da solução.
“É usar a educação para refletir sobre os riscos da emergência climática, abordar métodos de prevenção, adaptação e cobrança de implementação de políticas”, pontua. “Esta é uma das alternativas para formar uma geração mais resiliente ao clima e que age com mais consciência, inspirada em desenvolver tecnologia e ciência.”
Fonte
O post “Crise climática deixou mais de 1 milhão de estudantes sem aulas” foi publicado em 10/02/2025 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública