“Somos adolescentes em busca de um país melhor, somos de vários lugares: das cidades, do campo, da floresta, das favelas, dos quilombos, das aldeias, das fronteiras.”
Essa foi a primeira frase escrita por 53 adolescentes de diversas partes do Brasil, recebidos na semana passada em Brasília (DF) . Das praias às aldeias indígenas, dos grandes centros urbanos à zona rural, do Brasil à Venezuela, meninas e meninos se reuniram para levar sua voz aos adultos e exigir seus direitos.
Durantes três dias na capital federal, de 11 a 13 de novembro, os adolescentes com idades entre 13 e 20 anos redigiram a Carta de Brasília – manifesto pela preservação da vida e pela garantia dos direitos de cada criança e adolescente –, que está sendo lida nas solenidades de comemoração dos 30 anos da Convenção sobre os Direitos da Criança em várias cidades do país.
53 vozes, cada uma ecoando à sua maneira
O tewte* pendurado no pescoço e o vipuki* no rosto de Rosane Martins, de 16 anos, reafirmam suas origens. A adolescente é do povo indígena puyanawa, situado a 17 km do município de Mâncio Lima, no Acre.
Na aldeia, frequenta a escola indígena e mora na única casa de palha, mantida por seu pai, um dos líderes que almeja manter suas tradições. “Nosso povo foi sofrido no passado. Tivemos nossa cultura praticamente destruída e hoje estamos tentando resgatá-la”, conta. Rosane busca reviver a história dos puyanawas e levar esse legado para outros adolescentes da própria comunidade.
Fora do Acre pela primeira vez, foi a Brasília representando sua cultura para dizer: crianças indígenas também têm voz. “O assunto do encontro me chamou atenção, porque a criança é o futuro da sociedade. Ela que vai crescer e vai ser a liderança. É uma oportunidade única”, alegra-se.
No mesmo grupo, a voz de Gustavo Guedes destaca-se. Membro do Núcleo de Cidadania de Adolescentes (NUCA), estratégia de participação de adolescentes do Selo UNICEF, o menino de 15 anos busca mobilizar outras crianças e outros adolescentes para que sejam multiplicadores.
Multiplicadores de experiências, de conhecimentos e, principalmente, de protagonismo. “Sempre tento levar essa mensagem. O adolescente não é apenas o futuro, é também o hoje. Se existem pessoas que construíram todos esses 30 anos, nós também podemos construir mais 30, mais 60.”
Vindo do município de Picuí, na Paraíba, Gustavo acredita que sua principal contribuição para o manifesto é lembrar que há crianças que ainda têm seus direitos cotidianamente violados no Semiárido brasileiro. Além disso, alegra-se em reafirmar o seu compromisso em mudar essa situação.
“Hoje, celebrando os 30 anos com a presença de todos estes adolescentes de vários estados e que representam várias culturas, estamos mostrando como o Brasil evoluiu nas últimas três décadas e como elas foram importantes para os adolescentes”, diz.
Para Gaby Mencia, a experiência foi um pouco diferente. Moradora do abrigo Rondon I, em Boa Vista, no estado de Roraima, a venezuelana chegou ao Brasil há poucos meses e ainda está se adaptando a tudo: ao idioma, à cultura, às pessoas e ao país.
Mesmo em meio a tudo isso, a adolescente de 16 anos encontrou forças para expressar sua opinião. Foi até a capital para contribuir com os direitos das crianças migrantes e lembrar que as suas vozes existem.
Para ela, a experiência foi decisiva: ao voltar para Boa Vista, quer ensinar às crianças migrantes sobre os seus direitos. “Quero dar palestras de motivação para crianças e adolescentes dando uma nova esperança. Dizer que podem estudar sem discriminação, que podem alcançar seus sonhos e que não devem deixar de seguir seus sonhos”, conclui.
A voz de cada menina e menino na Carta de Brasília
Como Rosane, Gustavo e Gaby, os adolescentes reunidos em Brasília fizeram ecoar um só discurso. A Carta de Brasília – nome dado pelos adolescentes ao documento – é o resultado de dias de imersão e expressa suas vozes, identidades e seu direito à participação.
Refletindo sobre os avanços que a Convenção trouxe para os direitos da criança, os adolescentes celebraram as conquistas que impactaram diretamente suas vidas nos últimos 30 anos. A redução da mortalidade infantil e o Sistema de Garantia de Direitos integral a todas as crianças brasileiras foram algumas das vitórias nessas três décadas.
Porém, os desafios que meninos e meninas ainda enfrentam são muitos – e novos. Homicídios, falta de participação na tomada de decisões, trabalho infantil e a dificuldade para garantir os direitos das crianças migrantes são apenas alguns dos problemas que exigem ação.
Em meio a adultos, os meninos e meninas subiram ao palco para alertar: resistiremos sem deixar nenhuma criança ou nenhum adolescente esquecido. E agora viajam o Brasil levando a mensagem a suas comunidades.
*tewte significa colar na língua indígena puyanawa e vipuki é o nome da pintura feita no rosto.
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