São sete da manhã, e o cheirinho de mingau fresquinho começa a tomar conta do abrigo para refugiados e migrantes Nova Canaã, em Boa Vista (RR) . As cozinheiras, que são voluntárias e moram do local, preparam as primeiras refeições para bebês entre 0 e 2 anos, jovens e adultos que seguem uma dieta restrita devido a questões médicas.
A venezuelana Thalibe Lezana, de 39 anos, é uma das voluntárias do projeto que instalou uma cozinha dentro de um contêiner para atender as necessidades nutricionais específicas da população do abrigo. Seu filho é beneficiado pelo serviço.
Assim como várias mães e pais que saíram da Venezuela em busca de assistência médica e melhores recursos, Thalibe encontrou no projeto da cozinha uma alternativa de melhorar a saúde de seu filho e de outras crianças do abrigo.
“Como mãe de filho autista, sei bem como é importante ter uma alimentação apropriada, pois ele tem várias restrições alimentares. Sendo voluntária aqui, além de cuidar do meu filho, também ajudo a cuidar de outras crianças e adultos do abrigo”, explica Thalibe logo após a distribuição do lanche da manhã.
Samanta Singh, ponto focal de saúde para o abrigo Nova Canaã — administrado pela Fraternidade – Federação Humanitária Internacional (FFHI), organização parceira da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) —, explica que apesar de o abrigo receber as três refeições diárias, é importante ter refeições mais específicas para as crianças na primeira infância.
“A cozinha é utilizada para preparar comida para bebês e crianças que ainda não comem alimentos sólidos. Assim, permite tanto às mães prepararem essa alimentação, quanto aos adultos que tenham restrições alimentares. Vejo crianças que chegaram desnutridas e doentes aqui e hoje estão brincando e contentes, e isso mostra a diferença que a cozinha faz”, ressalta a agente de saúde.
A cozinha funciona sete dias da semana, nos três períodos, servindo refeições para aproximadamente 60 pessoas. A comida é preparada com itens que acompanham as marmitas já fornecidas pela Operação Acolhida diariamente. Os demais ingredientes são fornecidos pela FFHI, e outros itens são doados pelos próprios moradores do abrigo, que se unem para comprar e complementar a despensa da cozinha.
Todo o projeto recebe o apoio financeiro da União Europeia, que investe no fortalecimento da resposta aos venezuelanos na região Norte do Brasil, com projetos que promovem a proteção de populações em situação de vulnerabilidade.
Os voluntários são selecionados pela equipe de saúde do abrigo, e os três selecionados trabalham em um sistema rotativo. De tempos em tempos, essa equipe é renovada para dar a oportunidade de participação ao maior número de pessoas interessadas em se voluntariar.
Para Noelis Velazquez, de 29 anos, que saiu da Venezuela com seus cinco filhos e marido, ser voluntária é uma forma de ajudar outras pessoas que estão na mesma situação.
“Todos estamos passando pelas mesmas dificuldades. Ninguém aqui queria sair de seu país desse jeito, mas todos tiveram que fazer isso. E trazer um pouquinho de felicidade por meio da comida para nossos irmãos aqui no abrigo também me faz feliz”, diz a jovem mãe.
Eliceli Bonan, da equipe de gestão e coordenação de abrigos do ACNUR em Boa Vista, ressalta que a atividade não só proporciona uma alimentação mais adequada para as crianças, mas também dá a oportunidade de as mães trazerem um pouco de sua cultura na hora de cozinhar.
“A alimentação é parte central da cultura, e quando se pode dar ao seu filho uma comida que é um registro cultural, isso é um componente de saúde mental em um novo ambiente”, diz Eliceli.
“Ter um espaço em que a comunidade pode exercer, ao menos para as crianças, uma alimentação culturalmente adaptada auxilia no processo de adaptação durante a situação de deslocamento”, completa a funcionária do ACNUR.
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