DO OC – A COP30 enfim começou a falar do que interessa. Em meio à crise de infraestrutura e a ameaças de boicote de países, o presidente da conferência, André Corrêa do Lago, publicou nesta terça-feira (19) sua sexta carta à comunidade internacional , delineando a estratégia de ação para os 90 dias cruciais até a abertura do encontro.
A missiva deixa clara a intenção da presidência de tocar nos assuntos mais espinhosos de Belém (para além da logística): a resposta política à insuficiência das NDCs (as metas climáticas dos países), a necessidade de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e a promessa de zerar o desmatamento até 2030. Nenhuma dessas questões faz parte da agenda formal da COP30, e no entanto não há nada mais importante a debater do que elas. Afinal, estamos falando das causas da crise climática e da qualidade do esforço dos países para combatê-las.
Esses temas serão tratados por meio de consultas aos países, que começam imediatamente por parte da presidência e seguirão um calendário de encontros presenciais e on-line até 10 de novembro.
Corrêa do Lago também vai designar cinco pares de ministros, cada um com um país desenvolvido e um em desenvolvimento, como reza a tradição da Convenção do Clima, para facilitar conversas de alto nível com os países sobre os principais blocos da agenda formal de Belém: mitigação (redução de emissões), adaptação à mudança do clima, meios de implementação (dinheiro), transição justa e o Balanço Global do Acordo de Paris. A ideia é ter o maior consenso político possível antes do início da COP, já que duas semanas de negociação não bastam para negociar o futuro da espécie humana.
Corrêa do Lago acerta ao focar a carta na resposta às NDCs, um item que determinará como Belém será julgada – se sucesso ou fracasso. As Contribuições Nacionalmente Determinadas são o coração do Acordo de Paris. As metas hoje sobre a mesa, que valem até 2030, levariam o planeta a um aquecimento de 2,7oC – quase o dobro do limite de 1,5oC acordado pelos países como objetivo de estabilização climática a perseguir. Segundo a ciência, as metas precisariam levar a uma redução de 43% nas emissões do planeta até 2030, mas hoje, tal qual estão propostas, elas podem até mesmo levar a um discreto aumento na poluição climática.
É por isso que o novo ciclo de NDCs, que precisam ser apresentadas neste ano e cumpridas até 2035, é tão fundamental: um aumento muito grande na ambição das metas precisa ocorrer, para que o corte global até 2035 seja de 60%. Só que a chance de isso ocorrer é nula, até porque o segundo maior emissor do planeta, os EUA, estão fora do Acordo de Paris e jogando ativamente contra seus objetivos. E, como lembra o embaixador na carta, quatro quintos dos países-membros da Convenção do Clima nem sequer apresentaram suas novas NDCs. Isso inclui os três maiores emissores do mundo: China, Índia e União Europeia.
Belém precisa dar uma resposta política à insuficiência das metas dos países, mas não há previsão disso na agenda da conferência. Pior ainda, há divergências entre os países sobre se é o caso de dar qualquer resposta, já que elas são “nacionalmente determinadas” e nações como a China enxergam qualquer avaliação de progresso antes do prazo de cinco anos como uma intromissão em assuntos nacionais.
As consultas a serem iniciadas pela presidência brasileira da COP30 visam antecipar as dificuldades políticas e subir o nível da conversa antes da COP, já que o Brasil vê dificuldades de progresso na discussão no nível técnico, de negociadores.
“Se a imagem apresentada pelo conjunto de nossas NDCs se revelar decepcionante, é nossa responsabilidade coletiva convertê-la em um quadro que assegure um planeta habitável, proteja todas as economias e melhore os padrões de vida e as oportunidades para todos os povos e para todas as gerações”, afirma a carta da presidência da COP30.
O que vale para as NDCs também se aplica aos combustíveis fósseis, maiores causadores da crise climática. Em Dubai, na COP28, o Balanço Global do Acordo de Paris determinou uma “transição justa, ordenada e equitativa para longe dos combustíveis fósseis” mas, sem um calendário e sem mais definições, a decisão virou letra morta. Não há solução possível para a crise climática sem implementá-la, mas países petroleiros tentam recuar dela. Belém precisa dar um sinal forte no sentido dessa implementação.
“A situação desesperada do clima, com novos recordes de calor sendo batidos neste momento no hemisfério Norte, e da geopolítica, com Donald Trump arrebentando a ordem mundial, exige coragem da COP30 para tocar em temas difíceis, mas cruciais. A sexta carta da presidência é uma demonstração dessa coragem”, disse Stela Herschmann, especialista em política climática do OC.
“A carta mostra a cara que a negociação da COP30 precisa ter” disse Marcio Astrini, secretário-executivo do OC. “A presidência da COP está fazendo um esforço pelo sucesso de Belém no que lhe compete, a diplomacia climática. A Casa Civil deveria se inspirar e fazer o mesmo, para garantir que a COP seja relevante e inclusiva.”
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O post “Corrêa do Lago ataca elefantes na sala da COP30” foi publicado em 19/08/2025 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima