DO OC – Os paraenses vêm sentindo uma mistura de alegria e medo por causa do anúncio feito em 26 de maio pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que Belém sediará a COP30 (30ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas), em 2025. Ainda não houve formalização pela ONU de que Belém será mesmo a sede, apesar de Lula, o governador Helder Barbalho (MDB) e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, não terem dito isso no vídeo de divulgação. No momento, o que existe é o apoio dos países latino-americanos para a candidatura do Brasil, o que essencialmente garante a realização da COP onde Lula decidir.
Mesmo sem ter o martelo batido pela ONU, Belém já propagandeia o que pretende fazer às pressas nos próximos dois anos e meio para sediar a conferência. A promessa é que haverá obras nos oito distritos administrativos e em ilhas da cidade.
O Observatório do Clima conversou com moradores do Pará sobre a possibilidade de o estado sediar a COP. Há o entusiasmo para dar visibilidade à Amazônia e discutir sobre clima no território, mas há receios relacionados à infraestrutura de Belém para receber o público da COP, estimado em pelo menos 30 mil pessoas – além das contradições da cidade e do estado em relação às políticas de clima.
Belém não tem ao menos um plano de adaptação e mitigação para a emergência climática e o Fórum Municipal sobre Mudanças Climáticas ainda não saiu do papel. Além disso, há a postura controversa do governador, que tem sido favorável à exploração de combustíveis fósseis e já disse que transição energética é uma discussão “para daqui a 50 anos”. Além disso, o Pará vem liderando o ranking de desmatamento na Amazônia. Assim, Belém tem empecilhos que vão além de uma rede hoteleira deficitária para receber participantes da conferência.
Mobilidade urbana
Ruth Helena Pereira da Costa, 46, ciclista e coordenadora de projetos do coletivo Pará Ciclo, é uma das moradoras de Belém que se dizem contentes com a notícia de que a cidade poderá sediar a COP. “É um evento muito importante. Acho que vai dar uma visibilidade muito grande para todas as questões que estão acontecendo na Amazônia”, diz. Porém, critica a promessa de obras para receber o evento, pois há trabalhos que já deveriam ter sido realizados para beneficiar a população. Outro receio é que o planejamento se concentre somente em áreas onde passarão os participantes da COP.
Costa cita principalmente os problemas de transporte público. Segundo um estudo publicado no início de maio pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a região metropolitana de Belém apresenta um cenário crítico na mobilidade urbana local, pois os sistemas de transporte estão em desacordo com os padrões internacionais. Assim, é essencial que haja expansão integral dos meios, o que requer investimento de R$ 16,2 bilhões. O estudo lembra que uma mobilidade urbana sustentável deve priorizar meios ativos, casos do ciclismo e da caminhada, e modais coletivos que reduzam tempos e custos de deslocamentos.
Entre as promessas para receber a COP30 está trocar o asfalto de algumas regiões por um com menos petróleo na composição. Também há o projeto de construir novos corredores de BRS (Bus Rapid Service) e readequar a estrutura de BRT (Bus Rapid Transit) na avenida Almirante Barroso, uma das principais da cidade. A capital conta com um sistema de BRT com 20 km de extensão. Existem obras em curso desde 2019 para ampliar a rede e ligar o centro de Belém a cidades da região metropolitana. Trata-se do BRT Metropolitano que já teve a conclusão adiada diversas vezes e ainda segue em andamento .
Algo que também incomodou a ciclista foi a divulgação de que, durante a COP30, serão disponibilizados entre 9 e 11 ônibus elétricos com ar condicionado que devem transportar os participantes do evento com intervalos de 10 minutos entre cada coletivo.
“Isso é um soco na cara da população periférica que perde quatro horas do seu dia dentro de um transporte público para se deslocar de um bairro como o meu, que é afastado, para o centro. A gente vive cobrando ônibus que passe de 10 em 10 minutos para que as pessoas possam chegar no trabalho no horário”, argumenta.
Costa mora em Águas Lindas, bairro periférico que se divide entre Belém e a cidade de Ananindeua. Ela usa a bicicleta para a maioria dos deslocamentos, mas reclama que falta interligação das ciclovias centrais com a periferia. Além disso, destaca que as calçadas da capital estão em situação precária. Um relatório apresentado pela Mobilize em 2019 apontou que Belém era a capital com as piores calçadas do país.
Saneamento básico e clima
Waleska Queiroz, 29, mobilizadora da Rede Jandyras e engenheira sanitarista, é outra paraense que mistura entusiasmo e preocupação com a COP30. “A gente entende que a nossa cidade está muito atrasada em algumas coisas, sofre com diversos problemas. E, apesar de ter uma COP poder ser um reconhecimento para a região amazônica, é preciso ter uma capacidade de infraestrutura muito grande para receber um evento internacional.”
Queiroz ressalta que um dos principais problemas da cidade é o saneamento básico. Segundo relatório publicado em março pelo Instituto Trata Brasil, Belém coleta apenas 17,12% do esgoto gerado e trata somente 3,63%.
Camila Magalhães Souza Figueiredo, 28, diretora de operações da Mandí, ONG que também tem se articulado com a Rede Jandyras para dialogar e cobrar o poder público sobre questões ambientais, reclama de que não viu propostas sobre saneamento básico no planejamento para a COP30. De todo modo, ela acredita que não dará tempo de realizar mudanças até a conferência.
Outro ponto destacado é a necessidade de Belém avançar em ações relacionadas à emergência climática. A cidade não tem um plano de adaptação e mitigação para as mudanças do clima. Ao menos 12 capitais brasileiras já apresentaram um plano, como as nortistas Manaus, Porto Velho e Palmas. Para Queiroz, Belém ainda fala em clima de uma maneira muito superficial.
Em 2021, a Rede Jandyras começou a preparar com o apoio de outras organizações um documento chamado Agenda Climática , que contém propostas de adaptação e mitigação. A agenda foi apresentada aos vereadores, sendo que oito de 35 assinaram uma carta compromisso para implementar as ações. Até o momento, das 24 iniciativas propostas no documento, somente a criação do Fórum Municipal sobre Mudanças Climáticas foi aprovada.
A existência de um Fórum está amparada pela Lei Estadual 9.048/2020 , que instituiu a Política Estadual sobre Mudanças Climáticas do Pará. A proposta enviada pela Rede Jandyras e organizações apoiadoras ressalta que o Fórum é benéfico para identificar vulnerabilidades da cidade diante da mudança do clima, criar um espaço de diálogo entre poder público, universidades, organizações da sociedade civil e a população em geral, além de gerar dados, relatórios e métodos para criar políticas públicas para a mitigação e adaptação.
“Agora, estamos na articulação para que esse fórum saia mesmo do papel. Ainda assim, existem diversas propostas da agenda que podem ser implementadas, mas a gente depende muito do poder público”, diz Waleska Queiroz.
Helder Barbalho e os combustíveis fósseis
No vídeo em que foi feito o anúncio sobre a COP30, Helder Barbalho falou sorridente em responsabilidade na agenda ambiental e em desenvolvimento sustentável. “O estado do Pará, Belém, estarão ávidos a receber a todos, e trabalhando para que possamos, por um lado, fazer um belo evento, mostrarmos que a Amazônia está preparada para receber o planeta, mas, por outro lado, também a construção do desenvolvimento sustentável da nossa região”, disse.
O governador paraense, no entanto, defendeu recentemente a exploração de petróleo na foz do Amazonas. Disse que a discussão sobre a eliminação de combustíveis fósseis, talvez, seja algo para daqui 50 anos. Não é o que o relatório-síntese do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, da ONU) disse em março: o mundo precisa frear imediatamente a produção de combustíveis fósseis e diminuir 43% das emissões de gases de efeito estufa até 2030.
Em 2021, o Pará foi o principal emissor bruto de gases de efeito estufa no Brasil, com 18,5% do total nacional, segundo o SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa). O principal motivo para a emissão é a mudança de uso da terra, o que inclui o desmatamento. O Pará é líder na devastação da Amazônia há 16 anos. De acordo com Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde e Alegria, se imaginarmos uma COP na Amazônia, é preciso mudar esse cenário.
Para a paraense Flávia do Amaral Vieira, pesquisadora sênior da Plataforma Cipó, a declaração do governador é uma falsidade. “Se a gente não modificar a nossa matriz energética, o mundo vai aquecer mais. E que condições teremos para ele se desenvolver? [Precisamos] repensar o desenvolvimento econômico de uma forma alinhada com a sociobiodiversidade amazônica e do Brasil”, argumentou.
Waleska Queiroz reforça que o governador precisa mudar o posicionamento. “É primordial que haja uma mudança de perspectiva e uma realocação de prioridades do que ele tem falado e pensado para o próprio desenvolvimento do estado. O Pará possui um potencial grandioso para energias renováveis. 50 anos é muito tempo. A população não pode esperar”, diz.
Segundo a engenheira, o governo precisa investir na transição energética e na preservação e conservação do meio ambiente, o que inclui a proteção de áreas naturais paraenses e o uso sustentável da terra. “O fortalecimento da governança ambiental é crucial no nosso estado, assim como a própria participação social e a transparência em relação às decisões”, diz a engenheira. (PRISCILA PACHECO)
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