Um total de 578 espécies de aves ocorrem na porção brasileira do bioma Pampa (de acordo com os limites estabelecidos pelo IBGE, 2004), 111 sendo essencialmente campestres. Do total de aves encontradas no bioma, 13 espécies estão ameaçadas de extinção, segundo a lista global da BirdLife/IUCN. Várias espécies típicas de capinzais nativos estão entre as ameaçadas, como o veste-amarela (Xanthopsar flavus), o caboclinho (Sporophila cinnamomea) e a noivinha-de-rabo-preto (Xolmis dominicanus). Algumas dessas espécies são migratórias e ocorrem sazonalmente nos campos limpos do Brasil Central, onde estão tão ameaçadas quanto no sul do país. Os campos da região sul do Brasil também representam uma importante área de invernagem para migrantes neárticos, como o maçarico-acanelado (Tryngites subruficollis) e o maçarico-do-campo (Bartramia longicauda).
Os campos do bioma Pampa igualmente se destacam pelo seu uso econômico. Historicamente, a produção animal associada a essas pastagens naturais tem desempenhado um importante papel no desenvolvimento da sociedade gaúcha. No entanto, a exploração pecuária extensiva baseada em práticas de manejo com alta carga animal, introdução de espécies forrageiras exóticas (algumas potencialmente invasoras) e uso indiscriminado de fogo e de herbicidas tem diminuído o potencial produtivo dos campos nativos, refletindo-se em uma degradação das pastagens e uma menor produtividade.
A pequena representatividade de unidades de conservação no bioma Pampa agrava a situação de conservação dos campos da região, sendo urgente a adoção de ações práticas para a conservação do bioma. Num bioma como o Pampa, onde praticamente 100% das terras estão sob domínio de particulares é fundamental que uma estratégia efetiva de conservação busque a integração da produção e do desenvolvimento da região com a manutenção da biodiversidade.
Foi com esse objetivo de integração que a BirdLife International, através de seu representante no Brasil, a SAVE Brasil, junto com os outros três países que compartilham o bioma (Argentina, Paraguai e Uruguai), criou em 2005 a Alianza del Pastizal. Essa iniciativa tem como objetivo principal envolver diferentes atores locais na conservação da biodiversidade do Pampa, trabalhando diretamente com produtores rurais. Através de um programa de certificação a Alianza del Pastizal avalia propriedades rurais que se encaixam dentro dos requisitos estabelecidos em seu protocolo, cujo principal critério é que a propriedade possua o mínimo de 50% de campos nativos dentro dos seus limites. Hoje, nos quatro países onde a Alianza del Pastizal atua, existe um total de 506 estabelecimentos membros representando aproximadamente 573 mil hectares de terras privadas que seguem o protocolo de certificação Alianza com objetivo principal de conservação dos campos nativos. No Brasil, a Alianza teve um crescimento significativo nos últimos dois anos, tendo hoje mais de 240 propriedades participando da iniciativa e conservando uma área de quase 150.000 hectares do bioma Pampa.
Aproveitando a caraterística única do Bioma Pampa, a filosofia Alianza se sustenta no conceito de “conservar produzindo”. Atualmente estão sendo desenvolvidos um conjunto de ações voltadas a promover sistemas de produção pecuária que sejam tecnicamente compatíveis com a conservação da biodiversidade e economicamente competitivos, especialmente em relação às outras opções de conversão do uso da terra, como a soja e a silvicultura.
Os principais instrumentos desenvolvidos pela Alianza del Pastizal para atingir este importante desafio de integrar conservação e produção se baseiam na identificação, validação e disseminação de boas práticas de manejo dos campos e treinamento de técnicos para assistência direta aos produtores. Essas ações ocorrem através de dias de campo e unidades demonstrativas ou seja, propriedades certificadas da Alianza que funcionam como modelo para manejo de campos nativos produtivos e com alta diversidade de fauna e flora.
A valorização do produtor rural que adota um sistema de pecuária sustentável e mantém seus campos preservados é um dos elementos chaves para o sucesso da Alianza del Pastizal. A principal atividade de engajamento dos produtores são os Encuentros de Ganaderos, um fórum de discussão onde participam pecuaristas, ambientalistas e técnicos para discutir os mecanismos de produção integrada a conservação da biodiversidade. Desde o primeiro Encuentro, realizado na cidade brasileira de Bagé em 2007, os encontros são realizados anualmente com sede alternada entre os quatro países de atuação da Alianza. Na edição de 2015, realizada na cidade brasileira de Santana do Livramento, participaram um total de 460 pessoas, na de 2016 realizada em Virasoro, Argentina, foram 200 participantes e finalmente no ano passado, em Alegrete, no Rio Grande do Sul, foram quase 300.
Em paralelo, a Alianza busca incentivos econômicos para os produtores que preservam seus campos nativos.
Como o selo “Bird-friendly”: Através de um selo de qualidade foi criado um programa de bonificação de carnes provenientes das fazendas certificadas pela Alianza. A carne com o selo da Alianza del Pastizal já está disponível em alguns supermercados da rede Carrefour no Rio Grande do Sul e São Paulo e permite aos consumidores identificar um produto alinhado à conservação dos campos nativos e de sua biodiversidade associada.
Outro exemplo são os remates. Anualmente desde 2014 a Alianza del Pastizal realiza em parceria com o Sindicato Rural de Lavras do Sul os remates exclusivos para o gado produzido nas propriedades certificadas pela Alianza, abrindo uma linha de mercado importante para os produtores, já que registram valores de comercialização superiores aos remates tradicionais da região.
Além disso, como resultado de uma parceria com o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremos Sul (BRDE) e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO) foi desenvolvida uma iniciativa piloto para disponibilizar uma linha de crédito especial voltada a implantação de melhores práticas de manejo dos campos nativos que incluiu financiamento bancário para investimentos nas fazendas, combinado com um incentivo financeiro não reembolsável.
Todo esse trabalho envolvendo diferentes parceiros e principalmente os produtores rurais, só faz sentido para a SAVE Brasil e BirdLife se o objetivo principal de conservação dos habitats e das aves campestres esteja de fato sendo cumprido. Afinal, esse foi o motivador para o estabelecimento da Alianza há 15 anos. Por isso, a Alianza também realiza anualmente o monitoramento das aves nas propriedades certificadas. Esse monitoramento é coordenado pelo ornitólogo gaúcho Glayson Bencke que junto com a equipe da SAVE Brasil foi um dos idealizadores da Alianza. Em cerca de 30% das propriedades membros já foram registradas um total de 259 espécies de aves, sendo 13 globalmente ameaçadas de extinção. Desse total de espécies, 78 são aves campestres que corresponde a 80% das espécies de aves campestres que ocorrem regularmente no Brasil. Quanto ao veste-amarela (Xanthopsar flavus), ave símbolo da Alianza, bandos grandes de até 100 indivíduos já foram observados nas fazendas certificadas, também demonstrando o claro potencial de conservação da fauna ameaçada em terras privadas.
Esses resultados atestam o sucesso da Alianza del Pastizal no desafio de integrar a produção rural com a conservação da biodiversidade no bioma Pampa, apoiando simultaneamente a preservação da cultura gaúcha que está fortemente ligada a produção pecuária extensiva em campos nativos.
Para mais informações assistam aos vídeos: Boas práticas pecuárias (assista aqui ) e Integração aves e produção (assista aqui ).
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O post “Conservando as Aves do Pampa: uma aliança entre conservacionistas e produtores rurais” foi publicado em 7th October 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco