Ao entrar na clínica de reprodução, percebi que protelar a maternidade não seria tão simples. No jardim junto à sala onde aguardava pela minha primeira consulta, havia uma mesa cheia de objetos. Levantei, fui ver o que era. Logo percebi ser um pequeno altar, formado por estatuetas de santos, deuses e divindades de diversas religiões, deixados ali por clientes da clínica, junto a uma vela ou pedaço de papel explicitando o desejo de ser mãe.
Será que a Santa Ciência não podia resolver aquelas demandas? Eu estava em uma das melhores clínicas de reprodução do país, onde só a consulta custava perto de um salário mínimo. Concluí que aquelas mulheres deveriam ser muito mais velhas que eu, que aquele tipo de problema jamais faria cócegas no meu ativo ovário, e caminhei confiante para a minha consulta.
Entrei em uma das muitas salas. Uma jovem médica me atendeu. Enquanto ela abria uma ficha no computador, reparei no calendário da clínica sobre a mesa. Na folha de julho, um casal sorria com quadrigêmeos recém-nascidos no colo. Médicos podem entender de trompas, mas não de marketing, pensei. Onde já se viu anunciar com tanto orgulho uma cena de pesadelo?
Logo a médica se dirigiu a mim. Contei meu histórico, disse que talvez parecesse precipitado congelar os óvulos com a minha idade, mas eu havia me separado e ainda queria ter um segundo filho. A médica disse que eu estava certíssima em procurá-los. Trinta e sete não era cedo para fazer isso.
Talvez fosse até tarde. Em seguida, me explicou que a fertilidade cai drasticamente aos 38, mas claro que essa é uma idade figurativa, que pode variar de uma mulher para outra.
Com um discurso preparado para as leigas, me explicou que cada mulher já nasce com uma caixinha cheia de óvulos. Além desse número de óvulos variar, a liberação deles ao longo da vida também varia. Tem mulheres que, aos 38, ainda têm a caixa cheia. Outras já estão com a caixa vazia.
Pela primeira vez na vida, me senti velha. Senti meu corpo murchar na cadeira, me transmutando em uma imediata uva-passa. Também senti inveja da jovem médica que me contava tudo aquilo com a tranquilidade de quem carrega em óvulos dentro de si quase a população de Niterói —em idade fértil, o número de óvulos de uma mulher gira em torno de 400 mil.
“E essas tantas atrizes de 44, 45 anos que vemos grávidas na mídia?”, perguntei. A médica sorriu. A maioria dessas mulheres engravida com óvulos doados. Mesmo quando conseguem pescar um óvulo em pacientes dessa faixa etária, não costumam usar, porque já são de baixíssima qualidade, com maior tendência a se dividir errado, gerando alterações cromossômicas.
O que essas mulheres costumam fazer é escolher, em um vasto cardápio de doadoras, um óvulo que gere um fenótipo parecido com o delas. Ou seja: atriz alta de olhos verdes, por exemplo, pegará um óvulo de doadora alta de olhos verdes. Assim ninguém ficará questionando se aquele filho é mesmo dela.
Congelamento de óvulos
Talvez lembrando que eu tinha me separado, que era não somente uma uva-passa, mas uma uva-passa solitária, a médica também me contou que, além de óvulos, a clínica fornecia espermatozoides, inclusive os melhores do mercado.
Com um sorriso excitado que me fez pensar novamente nas suas gônadas, ela me contou que tinham, por exemplo, os espermatozoides do doador mais qualificado do mundo. Não podia dizer o nome dele, pois no Brasil as doações são anônimas, mas podia me contar que era um norte-americano de QI altíssimo, jogador de basquete, com genes de primeira qualidade, já investigados contra graves doenças genéticas.
E não era só isso. Agora, também tinham controle do destino do espermatozoide escolhido. E então me contou que, durante um bom tempo, os espermatozoides eram vendidos sem “tracking”, podiam parar dentro de mulheres que moravam na mesma região ou em um raio pequeno de distância.
“E qual o problema?”, perguntei. O problema é ter irmãos biológicos nascendo próximos uns dos outros, interagindo, talvez namorando ou se casando, sem saber que são irmãos biológicos, já pensou?
Claro que eu nunca havia pensando nisso. Um “Romeu e Julieta” moderno, onde o problema não é a inimizade das famílias, mas o laço consanguíneo dos amantes, a falta de organização da clínica de reprodução que vendeu espermatozoides do mesmo macho alfa para a srta. Capuleto e para a srta. Montéquio.
Por fim, apontei para o calendário e perguntei à médica se algum casal, de fato, desejava ter quadrigêmeos. Disse que não. Que aquilo, obviamente, nunca era uma escolha. A inseminação é cara e desgastante. Para aumentar as chances de dar certo, os médicos costumam fertilizar vários embriões in vitro. É raro, mas às vezes todos vingam.
Olhei novamente para a foto do calendário. O sorriso do casal não me pareceu mais tão absurdo. Saí de lá levando um pedido para fazer um exame antimülleriano e descobrir, afinal, o volume de óvulos ainda existente dentro de mim.
O antimülleriano é um hormônio produzido pelos ovários que dá uma estimativa, de forma indireta, sobre a quantidade de óvulos. A média de uma mulher em idade fértil fica entre 1 e 4 ng/ml. O meu deu 0,16 ng/ml.
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O post “CONGELAR ÓVULOS PARA SER MÃE MAIS TARDE” foi publicado em 19th May 2022 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva