Quase nove anos de conflito na Síria roubaram a infância de meninos e meninas e os sujeitaram a “violações incessantes de seus direitos”, incluindo assassinato, mutilações, deslocamento, recrutamento forçado, tortura, estupro e escravidão sexual.
As conclusões estão no último relatório da Comissão de Inquérito da ONU sobre a Síria, divulgado nesta quinta-feira (16).
“Estou chocado com o flagrante desrespeito pelas leis da guerra e pela Convenção dos Direitos da Criança por todas as partes envolvidas no conflito”, afirmou o presidente da Comissão, o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro.
“Enquanto o governo da Síria é o principal responsável pela proteção de meninos e meninas no país, todos os atores desse conflito devem fazer mais para proteger as crianças e preservar as futuras gerações.”
Sonhos apagados
A Comissão de três membros foi nomeada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU para investigar e registrar todas as violações do direito internacional relacionadas ao conflito sírio, que começou em março de 2011.
Seu último relatório é intitulado: “Eles apagaram os sonhos dos meus filhos” — uma citação tirada de uma entrevista de 2012 com uma mulher mencionando os ataques à sua aldeia em Idlib.
O estudo baseia-se em aproximadamente 5.000 entrevistas realizadas entre setembro de 2011 e outubro de 2019 com crianças sírias, mas também testemunhas, sobreviventes, parentes de sobreviventes, médicos, desertores, membros de grupos armados, profissionais de saúde, advogados e outras comunidades afetadas.
A Comissão disse que o uso de munições de fragmentação, as chamadas bombas termobáricas, e armas químicas por forças pró-governo causou dezenas de vítimas infantis.
Além disso, as experiências das crianças no conflito diferenciam-se de acordo com seu gênero.
Mulheres e meninas mais afetadas
Mulheres e meninas são “desproporcionalmente afetadas” pela violência sexual, e a ameaça de estupro levou a restrições em seus movimentos. As meninas foram confinadas em suas casas, removidas da escola ou enfrentaram obstáculos para acessar os serviços de saúde.
Enquanto isso, meninos, principalmente aqueles com 12 anos ou mais, foram presos e mantidos em centros de detenção, e recrutados por grupos armados e milícias.
“Os mais jovens são muito bons lutadores. Eles lutam com entusiasmo e são destemidos. Os combatentes de 14 a 17 anos estão na linha de frente”, disse uma pessoa associada a um grupo armado.
A guerra também teve um impacto no acesso à educação, com mais de 2,1 milhões de crianças não frequentando regularmente as aulas.
“São necessários esforços urgentes por parte do governo sírio para apoiar o maior número possível de crianças a retornar à educação. Grupos armados que detém territórios também precisam agir depressa para facilitar o acesso à educação”, disse Karen AbuZayd, membro da Comissão.
Compromisso em proteger as crianças
O relatório também manifestou preocupação com o grave impacto que o conflito teve na saúde física e mental a longo prazo das crianças.
Atualmente, um grande número de jovens sírios têm deficiências, além de problemas psicológicos e de desenvolvimento devastadores. Além disso, os combates deslocaram cerca de 5 milhões de crianças.
Como afirmou uma mãe em Idlib: “eles apagaram os sonhos dos meus filhos. Eles destruíram o que construímos durante toda a nossa vida; minha filha ficou muito deprimida quando descobriu que nossa casa havia sido incendiada. Meu outro filho, um menino de 3 anos, está traumatizado pela crise. Ele fica desenhando tanques de guerra.”
Os membros da Comissão instaram todas as partes a “se comprometerem por escrito” a conceder às crianças proteção especial durante a guerra, em conformidade com o direito internacional.
Outras recomendações incluem o fim do recrutamento de crianças e a consideração dos direitos da criança durante o planejamento militar.
Eles enfatizaram que as crianças deslocadas também exigem proteção, o que inclui a obrigação de repatriar crianças com laços familiares com combatentes extremistas do Estado Islâmico.
“Os Estados têm obrigações bem definidas para proteger as crianças, inclusive da apatridia. Não cumprir esses princípios fundamentais seria uma clara violação desse dever”, afirmou o comissário Hanny Megally.
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