Nos
últimos 3 meses, o ministro Bento Albuquerque e o alto escalão do MME se reuniu
com associações representantes de garimpeiros e deputados e vereadores que
fazem lobby pelo garimpo e pela mineração na Amazônia. É o que revela o
detalhamento de reuniões do ministro obtido via Lei de Acesso à Informação.
Esses
encontros não são descritos – como deveriam – na agenda pública divulgada, o
que mostra o princípio de não transparência que o governo Bolsonaro adotou
desde que assumiu o poder.
Bento Albuquerque assinou e entregou, ao lado de Sérgio Moro, o PL 191/2020 , que quer liberar mineração e outras explorações em terras indígenas em 06 de fevereiro. Gestado a partir do momento em que pôs os pés no Ministério de Minas e Energia, o PL, que detalhamos aqui , é a concretização das promessas feitas pelo bolsonarismo aos seus apoiadores.
Antes
disso, Albuquerque se reuniu com representantes da Associação Brasileira dos
Metais Preciosos (Abramp), Associação Nacional do Ouro (Anoro), Associação
Brasileira das Indústrias de Suplementos Minerais (ASBRAM) e também com o
ex-senador Flexa Ribeiro, do Pará, o atual senador Wellington Fagundes (PL/MT),
o deputado federal Joaquim Passarinho (PSD/PA) e o vereador Wescley Tomaz
(PSC), de Itaituba, uma das regiões com mais garimpos ilegais no Brasil.
ABRAMP,
uma história de amor
Em
16 de dezembro, Albuquerque recebeu a comitiva da Abramp, Passarinho e Wescley
e prometeu considerar as “contribuições” de todos para as “políticas do governo”
sobre o garimpo. Diz o registro:
“O
Deputado Joaquim Passarinho, acompanhado do Vereador Wescley, do Município de
Itaituba-PA, apresentou suas sugestões aos trabalhos em curso no âmbito do MME
para a questão do “garimpo”. Na ocasião, o Ministro agradeceu as contribuições
e informou que as mesmas seriam analisadas e consideradas à luz das políticas
do Governo Federal para o tema.”
O
projeto encaminhado ao Congresso e toda a atuação do governo Bolsonaro até aqui
deixa bem claro quais são as políticas públicas para o garimpo. Também não é
difícil descobrir o que pensa, por exemplo, Rogério Manoel, presidente da
Abramp que estava na reunião com o ministro.
Nessa
entrevista para a CBN sobre o PL 191/2020, ele afirma: “Hoje o governo quer
abrir esse leque (de mineração). Eu acho que temos que mudar para melhorar. Vai
existir confronto? Vai existir sim. Pessoas a favor, contra. E a Abramp vai
fazer o intermédio para poder ajudar. Se for favorável aos garimpeiros, ela vai
defender os nossos interesses. O importante é fazer o Brasil crescer”.
O presidente da Abramp diz abertamente que o “confronto” – não só de ideias, diga-se – faz parte do pacote. O recado é claro para as dezenas de milhares de garimpeiros que invadem sistematicamente terras indígenas .
A relação da entidade com o MME e o governo federal é próxima e constante. Em agosto de 2019 , a Abramp anunciou outra reunião com o ministro, junto ao deputado Olival Marques (DEM/PA), para “tratar sobre melhorias no regime de exploração mineral de Permissão de Lavra Garimpeira – PLG”.
Em 14 de fevereiro , a Abramp esteve ao lado de Bolsonaro, Onyx Lorenzoni e do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), na inauguração de trecho da BR 163. A proximidade tem se mostrado eficiente: a ANM alterou recentemente os prazos para resposta aos requerimentos de liberação de atividades econômicas e a agência anunciou também que priorizará cooperativas para a legalização de garimpeiros .
Tapete
vermelho para o lobby do garimpo de Itaituba
Conhecido
porta-voz de garimpeiros, a presença de um vereador como Wescley Tomaz em
reunião com o ministro de Minas e Energia chama a atenção. Em matéria de
outubro, Wescley celebra a promessa do governo Bolsonaro de liberar 1.189 processos
para lavra garimpeira (os PLG’s) que estão “há bastante tempo aguardando
deferimento” na Agência Nacional de Mineração.
“O cenário mudou bastante. Hoje, o próprio Ministério de Minas e Energia é a favor do garimpo, é contra essa morosidade; hoje, a Agência Nacional de Mineração está adotando um novo ritmo e esse ritmo exige que eles não fiquem sentados em cima de processos. Tanto isso é verdade que vão tornar digital o processo em todo o Brasil para evitar esse problema”, afirmou Wescley, em entrevista.
Em vídeo e post publicado em suas redes sociais, o vereador diz que a reunião com o ministro também teve o objetivo de levar energia para a região transgarimpeira , processo que já estaria “bem adiantado”.
Acompanhado do deputado Joaquim Passarinho, Wescley é figura constante em Brasília. Na foto abaixo , aparece ainda ao lado do ministro da Advocacia Geral da União, André Luiz Mendonça. Uma relação bastante inapropriada, para ser generoso. Além dos três, está também Bruno Rolim, secretário de Meio Ambiente de Itaituba que atua “auxiliando” os garimpeiros . Tudo normal no país do bolsonarismo.
O
lobby tem funcionado: a ANM publicou a portaria Nº 871, de 12 de outubro de
2019, que concede maior autonomia ao escritório da agência de Itaituba para as
legalizações de áreas garimpeiras.
Em
dezembro, Sabatino Tasso Mendonça Junior, diretor da ANM, visitou a região de
Itaituba para conhecer garimpos.
“Vamos fazer uma reunião para falar sobre prestação de contas, do que tem sido feito pela agência e pelo ministério em relação à legalização do garimpo, pois tem avançado em muitos aspectos. É uma visita inédita, nunca na história de Itaituba um diretor da Agência Nacional de Mineração, que cuida da parte de legalizar garimpos, esteve visitando uma comunidade garimpeira na nossa região”, celebrou Wescley .
Atualmente, a ANM conta com apenas 10 fiscais para atender todo o estado do Pará e o Amapá. Só em Itaituba, às margens do rio Tapajós, mais de 18 mil pedidos de permissão de lavra garimpeira aguardam análise da agência.
O deputado federal Joaquim Passarinho (PSD/PA) também tem trabalhado incansavelmente para defender os interesses de garimpeiros. Passarinho acaba de propor um projeto de lei que autoriza empresas a comprar ouro diretamente de áreas de garimpo .
Passarinho é um dos deputados líderes das discussões em comissões da Câmara com o objetivo de transformar os garimpos em empresas legalizadas. Em audiência realizada em setembro, “a delicada situação jurídica dos garimpeiros deve ser resolvida o quanto antes”, disseram os representantes do Ministério de Minas e Energia.
Estimativas do próprio MME apontam que o faturamento dos garimpos ilegais no Brasil varia de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões por ano. Ainda segundo o ministério, o setor de mineração representa 4% do Produto Interno Bruto PIB e 22% das exportações do Brasil.
Uma área equivalente ao Distrito Federal e as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Belém somadas foi desmatada na Amazônia de agosto de 2018 a julho de 2019. Foram embora 9.762 km2 de floresta , a mais alta taxa desde 2008 e um aumento percentual de 29,5% – o maior salto anual dos últimos 22 anos. O garimpo, com o incentivo do governo Bolsonaro, é um dos principais responsáveis por isso.
Enquanto isso, o orçamento para enfrentar essa realidade diminui drasticamente , órgãos de fiscalização e controle são esvaziados, militarizados e tomados por gente sem qualificação técnica e servidores de carreira são perseguidos.
Anoro,
“parceria tecnológica”
No
dia em que o PL 191/2020 foi encaminhado ao Congresso, a secretária-executiva
do MME, Marisete Pereira, recebeu uma comitiva liderada pelo ex-senador pelo
Pará Flexa Ribeiro, Dirceu Santos Frederico Sobrinho e Mário Aparecido
Rodrigues de Souza, todos representando a Associação Nacional do Ouro (Anoro),
uma associação de garimpeiros. Victor Bicca, presidente da ANM, também estava
presente.
Diz
a ata obtida via LAI:
“Na
ocasião, a ANORO apresentou um programa de computador (“software”) que poderá
vir a permitir um incremento na qualidade das ações de “rastreabilidade do
ouro” extraído em território nacional, colocando o mesmo à disposição do MME
para o uso e as adaptações que se fizerem necessárias. Na ocasião, a
Secretária-Executiva agradeceu a iniciativa da ANORO e informou que o programa
será analisado pela área técnica do Ministério com vistas ao seu eventual
aproveitamento”.
A associação tem se dedicado a buscar esse tipo de “solução tecnológica”, celebrada também pelo vereador Wescley.
Matéria de Leandro Prazeres publicada na revista Época em novembro detalha uma outra reunião com a presença de lideranças da Anoro com os ministros Onyx Lorenzoni, Ricardo Salles e outros. O padrão é o mesmo: a lista de participantes nunca é divulgada.
Dirceu
Sobrinho, presidente da Anoro, estava presente em ambas as reuniões. A matéria
da Época lista a sua longa ficha corrida. Em 2016, Dirceu foi denunciado pelo
Ministério Público Federal do Pará por crime ambiental. A sua empresa, a
Mineradora Ouro Roxo LTDA, foi acusada de contaminar o meio ambiente com
cianeto, substância altamente tóxica.
Outra denúncia contra Dirceu por
procuradores do Pará, de 2015, inclui os crimes de lavagem de dinheiro
relacionados ao comércio ilegal de ouro.
Em 2011, foi denunciado dessa vez pelo MPF do Amapá por receptação de ouro extraído de forma ilegal de garimpos no Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque e da Guiana Francesa. A FD Gold DTVM, outra empresa de Dirceu, adquiria ouro clandestino e o transportava do Amapá para São Paulo, onde o produto era transformado em joias ou exportado para outros países.
Wellington Fagundes, financiado por mineradoras e acusado
de corrupção
Uma das últimas reuniões de Bento Albuquerque antes de entregar o PL 191/2020, em 04 de fevereiro , foi com o senador Wellington Fagundes, do Mato Grosso, que foi deputado federal por 24 anos antes de se eleger senador em 2014. Na campanha, recebeu R$ 150 mil da mineradora Cavalca Construções e Minerações . Além disso, também embolsou mais de R$ 300 mil da Gerdau, segundo as informações apuradas por esta reportagem e dado não citado por O Globo.
Escalado para fazer parte da CPI de Brumadinho – veja matéria sobre o resultado da Comissão aqui – Fagundes tentou adotar um tom suavemente crítico às barragens de mineração em 2019. Mas, quando se olha bem para o seu discurso, não é difícil encontrar argumentos típicos de um lobista do setor.
Abre aspas para esse texto publicado por ele em janeiro :
“A construção de uma legislação
que garanta segurança das barragens deve, acima de tudo, trazer estímulos às
atividades. No caso da mineração, é fundamental o seu desenvolvimento em Mato Grosso,
cujo potencial explorado não chega a 1% da capacidade. Nosso Estado tem alto
potencial para a exploração de minério. Nos próximos dois anos, por exemplo,
está prevista a implantação, em Aripuanã, a 976 km de Cuiabá, uma mina de
exploração de cobre, chumbo e zinco, associados a ouro e prata.
Importante também ressaltar que a
mineração é fundamental também para a própria agricultura – carro-chefe da
nossa economia, que se utiliza do calcário para fins de produção. Portanto,
todos os estímulos são essenciais, desde que traga a marca essencial da
garantia de que riqueza, desenvolvimento, geração de emprego, conjugadas com o
equilíbrio do nosso ecossistema”.
Eu sei, você já ouviu isso antes. Fagundes, que declarou quase R$ 9 milhões em bens em 2014, com destaque para a sua atividade como pecuarista, não está sozinho: 6 dos 14 senadores da CPI de Brumadinho receberam dinheiro de mineradoras em campanhas de eleições passadas.
Fagundes também é réu por corrupção e lavagem de dinheiro , acusado de ter recebido propina em superfaturamento de ambulâncias quando era deputado federal, entre 2001 e 2005.
Na reunião solicitada por Fagundes com o ministro Bento Albuquerque esteve uma comitiva de 4 pessoas da Associação Brasileira das Indústrias de Suplementos Minerais (ASBRAM), que tem ligação direta com diversas mineradoras, como a Mosaic Fertilizantes, uma “sócio-correspondente” , que é uma das maiores produtoras de fosfato do mundo.
Como revelamos aqui no Observatório, a Mosaic tem 12 barragens de alto risco no Brasil , sendo 2 no top 10 das mais perigosas do país. A Mosaic também tem atuado para expulsar famílias de suas casas em Goiás para armazenar mais rejeitos.
Na
reunião, em conjunto com a Asbram, Fagundes defende o seu negócio de pecuarista
milionário, uma atividade que tem impacto direto na vida de milhões de pessoas e
é um dos principais responsáveis pelo desmatamento crescente no Brasil.
Diz
a ata:
“O
Senador Wellington Fagundes, acompanhado de representantes da Associação
Brasileira das Indústrias de Suplementos Minerais (ASBRAM), apresentou suas
preocupações com relação à disponibilidade de “ureia pecuária” no mercado
nacional, a partir das hibernações das fábricas de fertilizantes por parte da
Petrobras, bem como os impactos de uma eventual escassez do produto para o
setor pecuário do País. O Ministro, ressaltando a independência da Petrobras
para o tema, manifestou a intenção de estabelecer conversações com o Ministério
da Agricultura e com a própria Petrobras na busca de alternativas e soluções
para a questão”.
Desde que a Petrobras fechou duas fábricas de ureia em 2018 que o setor busca uma “solução”. Em conjunto com o governo federal, tudo indica que em breve isso será resolvido.
Editorial etnocida
Às
vezes não é preciso sequer escrever por conta própria a favor dos interesses
espúrios que você defende. A grande mídia faz esse trabalho.
A Abramp, por exemplo, republicou um editorial do jornal O Estado de S. Paulo que é difícil crer que foi escrito e publicado em 15 de fevereiro do ano da graça de 2020 sem consultar o calendário algumas vezes. Não fosse, claro, o histórico que o jornal da família Mesquita tem.
Deturpando
dados e induzindo ao racismo, etnocídio e ecocídio, o editorial diz que:
“Por
mais que escandalize as elites metropolitanas acostumadas a abordar a questão
indígena a partir de certo imobilismo romântico, a regulamentação de uma
exploração sustentável destas terras é de interesse da Nação e em particular
dos índios. As comunidades edênicas nas quais essas pessoas vivem caçando e
coletando em harmonia com a natureza praticamente só existem nas cabeças
urbanas inebriadas por certa síndrome do bom selvagem. (…) Essas comunidades
têm o desafio de integrar o antigo e o novo, o nativo e o estrangeiro, sob pena
de se desintegrarem no curso da História. O certo é que não querem ser
estereotipadas, muito menos tuteladas como “incapazes”, por ideólogos
nostálgicos de um comunismo primitivo indiferente à propriedade privada – que
provavelmente nunca existiu”.
Daí é possível tirar o nível médio das matérias publicadas em parte da grande imprensa sobre o assunto. Um deleite para entidades de pressão como a Abramp .
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